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19 DE ABRIL DE 1948 513

e não o de cada andar. Desta maneira, fiquei na impossibilidade de aumentar as rendas de cada inquilino.
Ora eu devo dizer a VV. Ex.ªs que sou talvez dos senhorios mais raros que há neste País quanto a benevolência para com os inquilinos.
Tenho inquilinos que não me pagam rendas há sete anos; tenho inquilinos que não podem pagar renda, porque são pobres - e não pagam mesmo. Eu deixo correr. Eles é que me exploram a mim!
Outro critério que considero erróneo é o de classificar os prédios conforme a época da sua construção. De tal em tal ano, dez vezes; de tantos em tantos, doze vezes, e assim sucessivamente. E depois, a partir de certa data, não se aumenta.
O Sr. Deputado Botelho Moniz ainda ontem sugeriu que a partir de 1939 não deveria haver aumento algum.
É erróneo este ponto de vista, porque assim não se dá uma razoável compensação ao proprietário pela carestia da vida.
Na fixação da renda há, neste caso, apenas, como digo, uma compensação, porque o proprietário teve aumentos de despesa progressivamente.
Já ontem o Sr. Deputado Melo Machado aqui referiu que os salários dos operários e os materiais de construção tinham subido oitenta e três vezes.
Pergunto a VV. Ex.ªs se há algum proprietário que consiga ver as suas rendas aumentadas, ao menos, vinte vezes. Nenhuma lei o estabelece. E então quem paga a diferença?
Neste momento a Câmara Municipal suspendeu praticamente as pinturas e reparações exteriores, porque reconheceu que os proprietários não estão em condições de fazer essas obras. Se isto assim continua e se não se dá ao proprietário, quanto aos arrendamentos posteriores a 1929, a possibilidade de um aumento, o resultado será que milhares de prédios se depreciarão dia a dia, de modo a afear a cidade, prejudicando a sua beleza.
Além da falta das pinturas, há várias despesas imprevistas, que também depreciam os prédios. Uma dessas fontes de despesa, ignorada por muita gente, é, por exemplo, aqui em Lisboa, o ataque dos insectos aos madeiramentos, não só do caruncho, mas até da formiga branca. Há zonas da cidade, designadamente o bairro de Palhavã, onde a formiga branca ataca impiedosamente a madeira. Isto sucede também com frequência no bairro da Estrela.
De sorte que os proprietários que tem despesas imprevistas, como essa, precisam de ser compensados com-o aumento das rendas. Um exemplo: em certo prédio do bairro de Palhavã apareceu formiga branca em grande escala. Foi ela descoberta ali por um inquilino que estava pagando uma renda de 360$ mensais.
Todos os outros inquilinos, com receio de que as suas mobílias fossem atacadas pelos insectos, pediram providências ao proprietário, e este não teve remédio senão fazer as obras.
E sabem VV. Ex.ªs quanto elas custaram?
As obras de substituição das madeiras atacadas pela formiga branca numa casa que paga 360$ de renda mensal custaram 9 contos, só numa casa.
E a diferença quem a compensa? Entendem VV. Ex.ªs que o senhorio deve suportá-la e não tem direito ao aumento das rendas?
É certamente por esta e outras razões que os proprietários têm naturalmente pedido justiça aos Governos, justiça que só agora se pretende fazer-lhes, mas por uma forma que reputo insuficiente, porque voltamos outra vez ao critério de se considerar o rendimento colectável ilíquido como base ou padrão de todas as rendas.
Ora, como disse a VV. Ex.ªs, o rendimento colectável ilíquido só está distanciado da renda verdadeira quanto aos prédios antigos.
Mas isto não acontece em relação a todos os prédios. Há muitos em que não há essa diferença. Os rendimentos colectáveis ilíquidos são iguais às próprias rendas que o senhorio recebe.
Então as rendas destes prédios não devem ter aumento algum?
É impossível! Neste ponto a proposta do Governo é absolutamente deficiente e injusta, sendo preferível por isso a emenda proposta pela Câmara Corporativa, em que todos os proprietários recebem um aumento de 20 por cento, o que não é muito, mas já é razoável.
Não acho que tenhamos de nos preocupar com o abalo que isto possa dar à economia dos inquilinos e as supostas lágrimas e fome de que já aqui se falou. Isso não passa de pieguice, porque os inquilinos absolutamente pobres têm de ser protegidos por outra maneira, inclusivamente dando-se-lhes subsídios de resi-dência.
O Governo providenciaria servindo-se do regime de abono de família, por um fundo de compensação ou qualquer outra maneira, como propôs o Sr. Deputado Dr. Sá Alves.
Não é justo que se generalizem situações individuais, com prejuízo da propriedade urbana.
A melhor solução, para mim a solução ideal, seria a de estabelecer tribunais arbitrais, compostos de um representante do inquilino, outro do senhorio e o árbitro de desempate poderia ser, senão um juiz de tribunal ordinário, um oficial do exército, o pároco da freguesia, um advogado ou qualquer outra pessoa escolhida pelos outros dois peritos ou por ambas as partes.
Desta maneira, o tribunal de arbitragem examinaria a situação de cada senhorio e inquilino e estabeleceria uma solução equitativa, porque só o princípio da equidade é que pode resolver estas questões.
Mas o Governo não se preocupou só com a actualização das rendas. Na sua proposta formulou também numerosas bases sobre questões conexas com o problema da habitação e apresentou um novo regime de expropriações e a criação de um novo direito real, chamado o direito de superfície, além da sugestão de se criarem sociedades anónimas destinadas à construção de prédios urbanos de rendas baratas.
Quanto ao regime de expropriações, entendo que esta proposta é inteiramente aceitável e que nenhum mal virá se ela for aprovada com ligeiras alterações, de redacção principalmente, conquanto a resolução do problema da habitação não dependa, em minha opinião, nem das expropriações nem do direito de superfície, que só remotamente poderão ter interesse quanto à construção.
O direito de superfície não está claramente estabelecido na nossa lei, embora seja largamente praticado no nosso País. São direitos de superfície, por exemplo, as concessões de terrenos pelas câmaras municipais para construção de jazigos; são direitos de superfície as licenças concedidas pela Administração Geral do Porto de Lisboa para a construção de armazéns ou barracas destinados à recolha de mercadorias nos terrenos da sua jurisdição, e assim sucessivamente.
O direito de superfície tem uma longa história; ele era já regulado no direito romano.
Contudo pode dizer-se que esse direito não contribui para estimular a construção mais do que a enfiteuse, que no nosso País tem larga tradição vantajosa e largamente contribuiu para fomentar as construções urbanas, principalmente nas cidades das colónias.
Cidades inteiras, por assim dizer, nasceram da enfiteuse.
Em meu entender, o direito de superfície não é de grande necessidade, mas nada se perde em que ele seja regulado e pode mesmo haver vantagem em se facilitar mais esta possibilidade de se construir em terrenos que não pertencem aos construtores e cujos proprietários