19 DE ABRIL DE 1948 511
de saber da natureza deste direito - propriedade perfeita ou imperfeita -, direi apenas que me parece que ele viria a ser fonte de permanentes conflitos entre senhorios e superficiários, sem qualquer influência na intensificação da construção de novas moradias.
Com efeito, antolha-se-me que na actual fase económica, em que os capitais particulares têm tão vasto campo de aplicação, será certa a sua retracção perante os complicados condicionalismos do instituto em referência. Quem se propõe construir um prédio urbano quer tornar-se proprietário livre e alodial da sua coisa; não se sujeita às contingências de uma propriedade resolúvel.
Mas será tão difícil a aquisição de terrenos para construção, sobretudo depois de habilitado o Governo com uma lei eficiente sobre expropriações, que ainda seja necessário recorrer ao novo instituto do direito de superfície?
E, se assim for, não será preferível lançar mão do velho instituto da enfiteuse, que tanto beneficiou o aproveitamento do solo nacional e a própria construção urbana?
Estão em grande descrédito no Mundo todas as propriedades imperfeitas, facto que constituiria já uma justificada prevenção contra esta inovadora tentativa. Mas, desde que uma modalidade desta natureza se mostre indispensável, a enfiteuse, expurgada do aspecto antipático que lhe resultou da característica inicial da perpetuidade, corresponde melhor às tendências do nosso povo e tem por cá uma longa tradição de adaptabilidade do seu apropriado mecanismo normativo.
Embora não corresponda totalmente ao fim em vista, pois só a casa independente constitui asilo seguro das antigas virtudes familiares, já vejo por prisma diferente o instituto da propriedade horizontal, que a Câmara Corporativa introduziu na economia da proposta.
A propriedade por andares não proporciona aquela vida livre de interferências incómodas a que aspira todo o agregado familiar, mas proporciona já o acesso ao direito de propriedade, que constitui desejo estrutural da natureza humana e garantia de segurança e estabilidade da família.
Não se me afigura, porém, a propriedade horizontal meio eficiente para o fomento da construção urbana. Na verdade, prevejo que a propriedade horizontal, desde que devidamente regulamentada, venha a constituir-se por acto jurídico posterior à construção do prédio, mas não prevejo, senão em circunstâncias excepcionalíssimas, a associação de duas ou mais pessoas para a edificação duma casa sujeita a este regime.
Reputo, por isso, estranha à economia da proposta a base aditada pela Câmara Corporativa, que terá o seu lugar próprio na reforma, em estudo, do nosso Código Civil.
Sr. Presidente: no capítulo relativo à constituição de sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada é meu parecer que podia fazer--se um aditamento de largas consequências práticas.
Quero referir-me à extensão do auxílio previsto na base XXVIII da proposta do Governo a todas as empresas comerciais, industriais e agrícolas que se proponham construir casas económicas para habitação dos seus empregados e assalariados.
É claro que este auxilio, para ser eficaz, teria de se alargar até ao ponto de facilitar a tais empresas a aquisição de terrenos para a construção, pondo em funcionamento o mecanismo da expropriação, se necessário for, como, aliás, já se faculta às Misericórdias.
Ora, Sr. Presidente, se as grandes empresas exploradoras de serviços públicos, os vastos serviços do Estado com autonomia administrativa e financeira e tantas empresas particulares de grande capacidade económica e larga projecção social fossem ajudadas na construção de alojamentos para os seus serventuários permanentes e efectivamente se abalançassem à realização de obra tão meritória e de tão evidente justiça, o problema da habitação perderia imediatamente grande parte da sua importância.
E, para mais, esta sugestão pode já abonar-se com exemplos inteiramente aliciantes de algumas empresas industriais portuguesas, que assim têm mostrado quanto pode contribuir para a realização duma sã justiça distributiva uma boa compreensão da verdadeira função do capital.
Em harmonia com as considerações expostas, tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, uma proposta de alteração da base XVI e de aditamento à base XXVIII, que, estou convencido,- há-de merecer a atenção desta Assembleia.
Sr. Presidente: era ainda meu propósito referir-me à influência do urbanismo, flagelo que considero oriundo, principalmente, da imprópria localização das indústrias e da vida difícil e desconfortante das nossas populações rurais. Foi, porém, esta questão focada tão judiciosamente pelo Sr. Deputado Alçada Guimarães que não tenho coragem para vir empanar a luz da brilhante exposição daquele nosso ilustre colega.
Não encerrarei, contudo, o meu depoimento sem umas brevíssimas referências às questões cruciais da actualização das rendas e da sublocação.
É nestas questões, com efeito, que o desacordo entre senhorios e inquilinos atinge maior profundidade. E são, na verdade, tão complicados e divergentes os seus variados aspectos, que só com muito estudo e ponderação se podem aperceber e equacionar.
A actualização das rendas representa, por um lado, imperativo forte de justiça comutativa, para que os proprietários de prédios urbanos não suportem indevidamente o sacrifício imposto por uma crise económica que seria justo repercutir-se sobre a generalidade da população. Mas há, também, outras classes que, não tendo visto os seus rendimentos actualizados em conformidade com a elevação do custo da vida, se acham em estado de não poder suportar qualquer agravamento das suas despesas.
Como equilibrar, pois, situações tão contrastantes?
O conhecimento imediato destas realidades, aliado a um alto sentimento de justiça, levou o Sr. Deputado Sá Carneiro a propor o estabelecimento dum fundo de compensação, destinado a custear o pagamento da justa renda quando o inquilino se mostrasse impossibilitado de a pagar.
Esta solução podia ter justificação teórica, mas foi brilhantemente demonstrada pela Câmara Corporativa a sua inviabilidade prática.
Teremos, assim, de abandonar o nosso propósito de achar para o caso uma solução justa?
Creio que não.
Pela minha parte, sugeria que, através do subsídio do abono de família, se proporcionasse auxílio adequado aos inquilinos que provassem, ter sofrido aumento de renda de casa e que não auferissem rendimentos estranhos ao seu trabalho profissional.
E sugiro esta solução, não só por me parecer aceitável que apenas as famílias com encargo de filhos a criar e educar deveriam ser beneficiadas, mas também porque seria fácil a averiguação dos elementos condicionadores do benefício, atentas as informações individuais e familiares de que aquele serviço já dispõe.
O encargo resultante desta solução seria de pequeníssima importância, e dela resultaria a tranquilidade de muitas famílias, que hoje tremem perante as novas e forçadas restrições a que podem vir a ser submetidas.
No que toca a sublocações, parece-me demasiadamente radical o sistema proposto.