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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 155 638

para o Estado uma nova obrigação, resultante do papel supletivo que lhe é universalmente atribuído hoje em dia - a de construtor de moradias. Primeiro começou pelas das classes pobres. Agora já entrou pelas das classes médias. E por este andar acabará por ser o único construtor. Não é caso para nos felicitarmos por isso.
E não é só o Estado que vê sobrecarregada a sua já tão complexa missão com mais este encargo tão alheio à sua de organizador da defesa nacional, de defensor da ordem e da justiça, de fomentador do progresso material e espiritual.
São também as grandes empresas industriais que se vêem assoberbadas com os mesmos encargos para assegurarem alojamento ao seu pessoal. E também nisto há inconvenientes graves, porque, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o operário que tem casa da empresa, clube da empresa, cantina, creche, enfermaria e cinema da empresa não se sente feliz por isso. Todas essas assistências lhe pesam como chumbo, porque são outras tantas grilhetas que o prendem de pés e mãos.
Bem diversa e bem mais grata e humana é a solução preconizada pelo imortal pontífice Leão XIII na Rerum Novarum, em que afirma que os salários devem ser tais que o operário trabalhador, competente, honrado e económico possa forrar um pecúlio que lhe permita adquirir uma casa, embora modesta, e garantir um sofrível passadio na velhice. Solução mais justa e mais cristã, porque mais respeitadora da dignidade da pessoa humana e dos direitos do trabalhador.
É preciso e é urgente, portanto, que a construção de moradias volte a ser forma tentadora da colocação de capitais, como era antes da primeira grande guerra, e para tanto necessário se torna que as rendas das casas sejam reguladas pelas leis naturais do mercado livre. De todas as casas? O argumento não chega a tanto, pede apenas a liberdade contratual para as rendas das casas a construir, e nada obsta a que o princípio se estenda às que estejam ou venham a ficar devolutas no futuro.
Repito, estou a tratar do aspecto meramente económico da questão, e portanto a ver o problema com olhos de economista. Depois veremos o aspecto social.
Ainda debaixo do ponto de vista económico, convém notar que, ao lado do problema da construção de casas, há o das reparações, com ele conexo. Para me servir da linguagem da estatística, as casas devem pois constituir um colectivo, com as suas leis da natalidade e mortalidade. O valor deste colectivo é o capital a que ontem se referiu o nosso ilustre colega Sr. Dr. Bustorff da Silva.
Num país de população crescente, como o nosso, força é que este capital cresça também. Num de população estacionária, como a França, é preciso que não diminua. Ora, segundo autorizados economistas, o ritmo da construção desceu tanto naquele país que, para que o número de casas não venha a afundar-se no futuro, seria preciso que a duração média de cada uma fosse de mil anos! E assim como as reparações feitas a tempo e horas aumentam a duração dos edifícios, é claro que a sua falta pode agravar singularmente o problema da manutenção deste valiosissimo e insubstituível capital colectivo. Em boa economia é preciso que as rendas, no que respeita às casas já feitas, cheguem pelo meios para pagar as despesas de conservação e os impostos. Sem isso a delapidação a que se referiu o Sr. Deputado Bustorff da Silva será impossível de evitar. Os prédios urbanos são em geral bens de longa duração, e por isso não se podem tratar os problemas que lhes dizem :respeito sem olhar para o futuro.
O ponto de vista económico abrande ainda o aspecto fiscal do problema, que é também digno de nota, como já aqui foi dito.
As leis que fixaram as rendas dos prédios urbanos vieram desfalcar os réditos do Estado, porque onde o não há, el-rei o perde. Se os senhorios não podem aumentar as rendas, é claro que também não podem pagar contribuições maiores. Mas, como o Estado acaba sempre por se arranjar; o que não receber dos prédios urbanos vai buscá-lo aos prédios rústicos, com grave prejuízo da lavoura e dos que dela vivem directamente.
Em conclusão: debaixo do ponto de vista económico e fiscal, as rendas devem ser suficientemente altas para que os edifícios existentes possam ser convenientemente reparados e os capitais afluam à construção civil, para que o ritmo da construção de moradias acompanhe o do crescimento da população.
Vejamos agora o aspecto social da questão. É elucidativo a este respeito que as primeiras leis do inquilinato tiveram em vista mais o direito à permanência do inquilino na casa alugada, isto é, à estabilidade do lar e da oficina, do que à fixidez do aluguer.
O problema da permanência põe-se em todos os tempos ; o da fixidez da renda só aparece quando a moeda se desvaloriza rapidamente. Se não fossem as desvalorizações bruscas da moeda provocadas pela primeira grande guerra, o problema da fixidez das rendas não teria surgido com a gravidade com que hoje se apresenta. O problema pôs-se porque o Estado, ao mesmo tempo que desvalorizava a moeda por emissões sucessivas de circulação fiduciária, não actualizava os vencimentos dos funcionários públicos, nem as reformas, nem as pensões, nem os juros da dívida pública, nem os proventos de todos aqueles e aquelas que viviam de rendimentos fixos.
E como lhe era impossível evitar que os efeitos da sua política monetária se fizessem sentir nos preços das mercadorias, virou-se para as rendas das casas e pôs-lhes um travão. E aqui está como a questão do aluguer, que era essencialmente económica, se tornou numa questão social de extrema agudeza.
É claro que a estabilização das rendas das casas não foi compensação bastante para o funcionário, nem para o aposentado, nem para o pensionista, nem para o possuidor de fundos públicos, nem para todos aqueles que tinham rendimentos fixos. Mas sempre foi uma ajuda. E o que se deu durante e após a primeira grande guerra repetiu-se durante a segunda e está-se repetindo depois dela.
Não quer isto dizer que fosse justo atirar sobre uma só classe - a dos senhorios -, ou, melhor, sobre duas - porque os credores também foram vítimas -, com todo o peso dum fardo que devia cair sobre todos os contribuintes. Não foi justo, na verdade, mas foi talvez necessário, como mal menor. Todavia, assim como, passada a borrasca, todos os funcionários, pensionistas e aposentados, todos os produtores e assalariados, procuram com toda a razão ver os seus lucros, salários e vencimentos actualizados, também é natural que os senhorios procurem a actualização das suas rendas. Pessoalmente, sou apenas inquilino, e contra mim falo. Mas prefiro falar contra mim a falar contra a razão.
É legítimo, é humano, que os senhorios procurem actualizar as rendas dos seus prédios. Mas nem tudo que é legitimo e humano é possível, pela mesma razão que já invoquei: porque onde não há, el-rei o perde.
Também seria justíssimo e humaníssimo que aqueles que emprestaram moeda forte e receberam moeda fraca fossem indemnizados, e ninguém pensa nisso, porque não seria possível fazê-lo.
Se o inquilino não puder pagar mais, porque a sua pobreza ou a pequenez relativa dos seus vencimentos lho não permitem, é manifesto que a questão muda substancialmente de aspecto. Se é evidente que o direito de propriedade do senhorio se impõe com irresistível força moral contra o inquilino rico que o está explorando à sombra