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128 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

O Orador: - A proposta em discussão, além da promessa de poupar, dá-nos esclarecimentos sobre a aplicação das receitas durante o próximo ano económico, conjugando desta maneira a economia no dispêndio com a maior utilidade na aplicação.
Em virtude de o período de quinze anos que a Lei n.º 1:914 fixava para a execução do chamado plano de reconstituição económica do País ter expirado em 24 de Maio último, aquele esclarecimento tornava-se necessário, uma vez que a Lei n.º 1:914 não foi substituída por outro diploma do mesmo género.
Não vou fazer o estudo pormenorizado das intenções do Governo no capítulo das despesas públicas extraordinárias, uma vez que as ordinárias estão fora da discussão.
De entre os vários aspectos que na sua generalidade elas comportam apenas me referirei, ainda que ligeiramente, a um deles que muito de perto conheço. Refiro-me ao programa dos melhoramentos rurais, que, segundo a proposta, consiste:
a) Nos pequenos melhoramentos agrícolas, designadamente obras de rega;
b) No povoamento florestal com fins económicos;
c) Na electrificação rural e abastecimento de águas às populações;
d) Nas estradas e caminhos de interesse local.

Devo nesta altura declarar que não estou inteiramente de acordo com a ordem de precedência estabelecida na proposta.
Antes de se atender à terra deve atender-se ao homem.
Se aquela interessa como fonte criadora dos artigos indispensáveis à vida humana, a este se destinam os seus produtos. Ele tem sobre ela prevalência, visto que ela é um instrumento seu, que em conjunção com outros lhe garante a vida e com ela a plenitude dos seus direitos de ser humano.
De entre todos os melhoramentos rurais aquele que no meu entender mais imperiosamente exige uma solução, e uma solução rápida, são as estradas e os caminhos que a proposta designa como de interesse local.
Mas estas estradas e estes caminhos não têm um interesse puramente local.
Que as populações rurais têm na sua construção um interesse directo e imediato não há dúvida nenhuma.
Mas dúvida não há também de que esse interesse vai mais longe, porque elas contribuem, directa e indirectamente, para o bem-estar comum, muitas vezes mais até que certas estradas de vulto.
As mais prementes necessidades das populações rurais são as suas estradas e os seus caminhos. Gastam-se por ano milhares e milhares de contos na construção de estradas, algumas das quais lembram pistas.
Gastam-se por ano milhares e milhares de contos em alargamentos, correcções e reparações das estradas já existentes.
E eu acho tudo isso óptimo.
Os serviços florestais rasgam os flancos da montanha, abrindo estradas que, na generalidade, só a eles aproveitam.
A Junta de Colonização Interna despende grossos cabedais na abertura de estradas que quase só são utilizadas pelas escassas dezenas dos moradores de cada um dos seus aldeamentos.
E eu continuo a achar tudo isso muito bom.
E, no entanto, nos recôncavos das serranias de Trás-os-Montes e das Beiras, nas nossas aldeias serranas, vivem dezenas de milhares de seres humanos quase inteiramente separados do mundo, sob a protecção de Deus, mas abandonados dos homens!
Há aldeias perdidas na serra, a 30 e 40 quilómetros da sede do seu concelho, que se encontram hoje, quanto a comunicações, como se encontravam há séculos e cujas populações só podem deslocar-se, a pé ou a cavalo, por ínvios caminhos.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? É para esclarecer que isso sucede até perto da capital, a 50 quilómetros de Lisboa.

O Orador: - O esclarecimento de V. Ex.ª só vem confirmar a minha afirmação.
Eu não compreendo que se faça em matéria de estradas tudo o que referi, que se realizem certas obras grandiosas, de uma utilidade imediata duvidosa, se deixem vegetar, porque assim não é viver, pelo menos a vida dos tempos modernos, dezenas e dezenas de povoações, milhares talvez, que não podem deslocar-se nem transportar com facilidade os produtos do seu trabalho.
Eu não posso compreender como se deixam viver e se deixam morrer sem assistência médica e sem medicamentos milhares de vidas por falta de vias regulares de comunicações.
Sr. Presidente: fala-se muito no êxodo das povoações rurais. Esta deve ser uma das suas causas principais, porque se foge donde tudo falta para onde se supõe tudo encontrar.
Supõem alguns que a marcha dos rurais para os centros urbanos é unicamente determinada pelo factor económico, que é a ânsia, do lucro que provoca o abandono da terra onde nasceram. É em parte verdade, mas ainda este factor é influenciado pela ausência de ligações que, não estimulando as iniciativas, determinam a falta de trabalho. O que provoca a sua fuga é um conjunto de circunstâncias, que todas se resumem na ânsia de viver. E aquilo ali não é vida. Não é sem apreensões e sem dor que eles abandonam a terra.
Para as populações serranas, secularmente esquecidas .. e entregues a si mesmas, a terra é uma amante exigente, que tudo lhes pede e pouco lhes dá. Ela não é, como muitos julgam, a escrava do homem. Pelo contrário, o homem é que se acha a ela escravizado. Ele sente no mais íntimo do seu ser a sedução da terra, no germinar das plantas ao findar dos Invernos, no florir alegre das Primaveras, no diadema de ouros cintilantes no tempo das colheitas. E, no entanto, parte.
Parte, porque lhe falta tudo o que os outros têm, na ânsia de vir a ter um pouco do muito que os outros possuem.
As suas casas são esburacadas, feitas de pedra solta, e nus cidades há moradas lindas, onde apetece viver; há confortos que as míseras aldeias não têm; há possibilidades de trabalho que no campo falecem.
Daí a tentação, que muitas vezes se transforma em amarga desilusão.
Faltam-lhes estradas. As estradas são o sistema arterial da vida de uma nação.
São elas que prendem os homens, pela comunhão de interesses, às terras convizinhas e designadamente às sedes de concelho, que as exigências da vida obrigam a procurar com frequência.
Eu sei que muito se tem feito neste sentido.
Eu sei que anteriormente nada se havia feito.
Eu sei que a obra é de vulto e não pode realizar-se de um jacto.
Mas entendo que é tempo de a estudar em bloco, de a planificar por inteiro e de a executar integralmente.
E, depois de executada, conservá-la.

Vozes: - Muito bem, muito bem!