7 DE DEZEMBRO DE 1950 121
A esse propósito desejo desde já esclarecer que na controvérsia que se tem por vezes estabelecido sobre os méritos ou deméritos dos grandes planeamentos económicos,- sobretudo numéricos, eu tomo a posição de afirmar que no estado actual de conhecimento de uma grande parte dos nossos problemas nos é ainda materialmente impossível elaborar conscienciosamente qualquer trabalho completo desse género, pelo menos no sentido em que o tomo, isto é, de um projecto de realizações e ambições sérias sobre problemas seriamente estudados.
Para mim, portanto, o nosso problema principal, de momento, não é arquitectar qualquer coisa que nos possa iludir a esse respeito, mas sim inventariar, tão completamente quanto possível, necessidades e recursos, e sobre um primeiro balanço criterioso desses dados estabelecer um plano de ideias-base ou princípios, não de números, que nos permitam continuar a guiar o ataque ao nosso problema de fomento ou reconstituição económica por forma a não se cometerem grandes erros, ou desvios, enquanto o aprofundamento das milhentas questões necessárias «o esclarecimento de planos parcelares não permitir equacioná-lo com a generalidade que se pretende.
A seguir-se outro critério, receio muito que nada nos adiante continuar a querer sonhar, quando as realidades teimam em nos querer manter em estado de alerta...
Continuemos, pois, a estudar com afinco -e cada um na sua especialidade - todos os problemas de pormenor que possam ajudar a organizar planos parcelares, completos e conscienciosos, que irão sendo ou não executados, conforme as circunstâncias e as tais ideias-base melhor aconselharem; procuremos, paralelamente, ir já integrando esses planos parcelares em planos de ordem superior, em que as várias interconexões entre os mesmos se revelem bem e vão já sendo ajustadas ou previstas; tente-se mesmo - para se ir tendo uma ideia da silhueta de um tal plano geral de fomento que se deseja e para manter uma certa unidade e equilíbrio no pensamento e na acção - elaborar trabalhos de síntese provisória de tudo isso, como muito brilhante e louvavelmente o fez, por exemplo, há poucos meses ainda, o Sr. Deputado Araújo Correia no seu interessantíssimo parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1948.
Não nos iludamos, porém: apesar do muito que já se estudou e que poderá servir, no futuro, à elaboração de um tão ambicionado-diploma legal, ainda muito mais há que estudar, até mesmo só em relação às fundações da obra, quanto mais no que respeita à concepção final da respectiva estrutura, que todos no fundo desejamos ver erguida, mas com harmonia e segurança!
Se VV. Ex.ªs mo consentem, eu cito, ao acaso, alguns exemplos que servem para ilustrar a orientação que estou defendendo. Nem sequer preciso de recorrer para isso àqueles - como os das construções dos edifícios escolares, hospitalares ou quartéis; o da renovação da marinha de guerra, etc.- que o próprio relatório da Lei n.º 1:914 fornece. Vejam VV. Ex.ªs:
Todos sabemos que quando foram convertidas em lei as propostas da electrificação e do fomento industrial do Pais - reparem VV. Ex.ªs que se trata apenas de dois planos parcelares e que decorreram desde então só seis anos! - se enunciaram nelas princípios e intenções de realização importantíssimos.
Pois bem: quanto aos princípios, ainda há hoje alguns em relação aos quais não foi, por enquanto, possível ou não se achou oportuno dar-lhes aplicação; quanto às intenções, receio que algumas das realizações - como as da montagem das duas indústrias-base mais importantes: a da metalurgia do ferro e a do fabrico dos adubos azotados - tenham de ser revistas, mais ou menos profundamente, a uma nova luz.
Com efeito, pensava-se, ou julgava-se, por exemplo, em 1944 que essas indústrias se deviam apoiar fundamentalmente no consumo de grandes massas de energia eléctrica: qualquer coisa que na fase final do seu desenvolvimento deveria andar pelos 600 milhões de kilowatt-hora por ano, ou seja é dobro da produção anual de uma central como a do Castelo do Bode!
Essa energia teria de ser adquirida a um preço que ainda hoje julgo que se não poderá afastar muito dos 610 por kilowatt-hora.
Mas, claro, passaram meia dúzia de anos como os que todos nós sabemos; evoluíram preços e técnicas; as circunstâncias mostraram-nos quão falazes são as aparências de riqueza que as guerras costumam dar, e a posição dos dados fundamentais do problema para aquelas duas indústrias é hoje a seguinte:
Quanto à energia eléctrica, são bem conhecidas as dificuldades com que se tem deparado -muito principalmente no aspecto da reunião dos capitais necessários para as obras- só para tornar realidade duas centrais com uma produção equivalente àquelas necessidades de consumo; pelo que respeita a preços de energia, sabe-se igualmente que, a não ser com sacrifício -que embora pequeno será sempre, em todo o caso, um sacrifício - do preço da energia para outras actividades, não se pode pensar em ter energia com carácter permanente aquele preço de $10, ou pouco mais, e que para nos podermos aproximar dele há que recorrer a grandes fontes de energia temporária, como o rio Douro, por exemplo, que ainda nem sequer hoje puderam começar a ser aproveitadas.
E quanto às técnicas da produção do ferro e dos adubos azotados, o que sucedeu? Suspeito que progredissem entretanto e por tal forma que talvez haja que retomar novamente o estudo desse problema e dar razão a todos aqueles que, muito embora incompreendidos - considero-me incluído nesse número -, se fartaram de chamar a atenção para o facto de que os poucos carvões minerais que possuímos no continente são precioso pé-de-meia, que devemos poupar, prospectar e estudar carinhosamente para períodos de emergência ou para aplicações nobres, pois, como matéria-prima essencial de muitas indústrias novas, já hoje são considerados dignos dessa precaução em todo o Mundo, mesmo nos próprios países grandes produtores desse tipo de combustível.
Na verdade, e pelo que se refere ao ferro, parece que efectivamente se avançou nos últimos tempos por forma muito interessante na mise-au-point de mais um novo processo de extracção do ferro aos seus minérios, com base no emprego de antracites e outros carvões em vez do coque.
A notícia não deve espantar ninguém, pois está na linha natural do caminho de certas pesquisas e no da evolução lógica de uma indústria que há-de procurar, com tempo, encontrar a solução para um problema que se põe a muitos países, mesmo aos que ainda o não sentem: o da falta de bons carvões para o fabrico de coques metalúrgicos.
Se a informação que a esse propósito chegou há poucos meses a Portugal vier a confirmar-se e, sobretudo, sublinho bem, para evitar desilusões ou entusiasmos prematuros- se a aplicação do novo processo se mostrar técnica e económicamente interessante parado caso de certos minérios portugueses mais abundantes - ainda mesmo que o não seja senão daqui a alguns anos-, grande sorte parece termos tido em não nos havermos ainda abalançado a qualquer realização em glande escala sobre o assunto, pois que a nova solução se apresenta com um aspecto de ser bastante menos onerosa que a eléctrica e de não necessitar de artifícios para poder viver satisfatoriamente.