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222 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

Em primeiro lugar, a mais límpida e firme honestidade intelectual na investigação das origens da nacionalidade e da parte viva e eterna da tradição portuguesa.
Alguns, como Raul Proença, julgaram que nos animava apenas o propósito obscurantista de copiar e impor formas políticas passadas, quando se procurava regressar sómente para descobrir o arquétipo da nossa vida nacional e, segundo esse modelo, ordenar as realidades actuais o reconstruir a Nação.
O processo então seguido foi antecipação do que mais tarde Javier Conde, no seu livro Introducción al derecho político actual, denominou recurso à dimensão incoativa do pensamento. «Esta dimensão incoativa permite ao homem - di-lo o citado autor - desfazer criadoramente o caminho andado, retrotraindo a sua mente até àqueles pontos de germinação e buscando neles novas rotas do pensamento ainda intactas».
Tal sentido de tradição, «continuidade no desenvolvimento», ou, melhor, «permanência na renovação», caracteriza, por sua vez, o conceito do nosso nacionalismo. Forque católico, esse nosso nacionalismo não se compraz no «encanto bárbaro» do narcisismo, do exclusivismo ou da agressividade nacional.
Se, por um lado, se supera no acatamento e defesa dos legítimos direitos e liberdades da pessoa humana e das instituições que formam a estrutura viva da Nação, por outro lado reconhece as limitações que o harmonizam em relação a um bem comum universal. Isto é, segundo o sentido etimológico da palavra «universo», unidade do que por si é diverso, o nacionalismo português, pelo espírito católico e missionário que sempre o assinalou no Mundo, procura tornar-se forte, como uma família próspera e feliz entre as nações, para melhor servir os interesses comuns de todos os povos afins da civilização ocidental e da humanidade.
Como consequência lógica desses conceitos, a intuição do interesse nacional numa determinada conjuntura política deverá servir de norma de conduta para todos os portugueses, subordinando-se-lhe, sem pensamento reservado, qualquer preferência ideológica de ordem secundária ou meramente acidental.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desta maneira se formaram doutrinàriamente muitos dos homens que mais tarde colaboraram na Revolução de 28 de Maio, trabalharam para que ela se não limitasse ao propósito de arrumar a casa, regressando-se depois à «balbúrdia sanguinolenta» do regime de partidos, e se sentiram satisfeitos quando Salazar, no célebre discurso de 30 de Julho de 1930, lhe marcou o rumo político.
Sr. Presidente: vou terminar e faço-o com a consciência tranquila e contente por ter cumprido um dever de gratidão.
Mas rememorei eu simplesmente um mestre e amigo que morreu?
De facto, pelo que pensamos e sentimos, por tudo o que fizemos e esperamos, António Sardinha é um dos mortos a quem se pode aplicar o significativo epitáfio de Ozanam: «Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo?».
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: esta é a primeira vez em que tenho oportunidade de saudar directamente V. Ex.ª na minha qualidade de Deputado. Faço-o com tanta mais liberdade de espírito e íntima satisfação quanto é certo reconheço na ilustre pessoa de V. Ex.ª todos aqueles dons que se requerem para o exercício continuadamente delicado e sagaz da alta magistratura moral e política em que foi investido pela Assembleia Nacional e que V. Ex.ª com elegância insuperável e assinalada pureza de juízos dignamente defende e conserva.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao dirigir gratamente as minhas saudações a V. Ex.ª eu quero, cordial e vivamente quero, torná-las extensivas a todos os Srs. Deputados para que as acolham e também sintam como expressão calorosa do meu respeito e afirmação de lealdade em afectuosa convivência.
Sr. Presidente: pedi a palavra para recordar no dia de hoje o nome de António Sardinha, polígrafo eminente, mas sobretudo pensador, cuja acção doutrinadora deixou largo sulco aberto na inteligência e na sensibilidade política portuguesas. Morto há vinte e seis anos, o seu preceptorado está vivo como na hora e a sua figura mental cada dia mais se engrandece e ascende no consenso dos homens de pensamento e fé nacionalista, como a de alguém que rasgou clareiras vastas de elevação e resgate espiritual com rara coragem moral e intangível dignidade. Mal andaríamos todos, ainda mesmo os que não compartilharam das suas lides e das suas aspirações, se não reconhecêssemos que o grande moto da sua vida ideológica e sentimental foi esta coisa, ao parecer tão simples: restaurar Portugal para Portugal.
Apoiados.
Esta é que foi a ideia directriz e inalienável de todo o seu pensamento, o voto de se entregar intensamente à reconquista do sentimento profundo de nacionalidade pelo apego ao mandato sagrado dos nossos mortos, que nos obrigam a empreender as caminhadas ásperas de Portugal português na ânsia de perscrutar as incertezas do futuro com o gosto da obediência e a resignação heróica do sacrifício. Muitos dos que aqui estamos lhe devemos, sem desânimo nem arrependimento, esta presença na quietação e na paz, e todos os mais, em grande parte, a preparação ideológica da plácida atmosfera em que se vai reparando e refazendo o destino duma pátria criminosamente quebrado no espaço de poucas gerações.
Quando se considera o panorama intelectual das três primeiras décadas deste século, já sem constrangimento arrepiador do nosso espírito, soerguendo-nos às paixões que vivemos e esquecendo até os males que nos doeram na carne e no sangue, pode afirmar-se que foi António Sardinha e os seus companheiros de Coimbra quem ergueu na sociedade portuguesa o mais veemente, o mais fecundo e arrojado timbre de voz nacionalista, gritando pela recuperação de todas as forças e verdades da Nação inerme, presa de lutas estéreis, com a intrepidez duma funda convicção. Desde os dias de Antero de Quental não se vira surgir na placidez da vida universitária uma ideia nova tão fortemente vivida e sugestiva.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As circunstâncias temporais e a ordem moral e política eram então totalmente diversas do que haviam sido na segunda metade do século XIX e talvez em larga parte uma consequência da ideologia, estranha e inconformável com a tradição portuguesa, propugnada pela geração de Antero. Os sonhos do poeta-filósofo, como as adivinhações e transigências de Oliveira Martins ou os brados sonorosos de Junqueiro, cavaram fundo na inteligência e na alma dos Portugueses e deixaram nelas um travo de amargor e de desconfiança que as inibia de encontrar-se a si mesmas e potencializar-se para a acção nacional. Todos eles se alevantaram em juizes implacá-