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11 DE JANEIRO DE 1951 227

Foi no artigo 66.º do Decreto n.º 12:353, de 22 de Setembro de 1926, que se deu remédio ao inquietante mal. Hoje, como é sabido, a matéria encontra-se regulada nos artigos 763.º a 770.º do Código de Processo Civil.
Em que consiste esse remédio?
Consiste nisto: quando o Supremo Tribunal de Justiça profere um acórdão (geralmente tirado por três ou cinco juizes) que está em oposição sobre a mesma questão de direito com outro acórdão por ele anteriormente proferido e no domínio da mesma legislação, a parte vencida pode interpor recurso para o tribunal pleno.
Este tribunal pleno é constituído pelos quinze juizes conselheiros que actualmente compõem as três secções do Supremo Tribunal de Justiça e no julgamento do recurso terão de intervir, pelo menos, quatro quintos desses juízes.
Apreciando os seus julgados contraditórios, o Supremo lavrará então um assento em que resolve o conflito pela fornia que lhe parecer mais justa.
A doutrina desse assento, e aqui é que reside o principal interesse tio caso, fica sendo obrigatória para todos os tribunais, incluindo o próprio Supremo Tribunal de Justiça.
Para não haver o perigo de o direito, que é essencialmente evolutivo, ficar eternamente estagnado, o legislador previu, contudo, uma forma de os assentos poderem ser alterados pelo mesmo Supremo Tribunal de Justiça: tal verificar-se-á quando, num posterior processo, a maioria dos juizes que nele tiverem de intervir se pronunciar contra a doutrina do assento; se tal acontecer, o processo será concluso a novos juizes até que se obtenham sete votos conformes. Se esses sete votos forem confirmativos do assento, este manter-se-á; se forem contra, o processo será então continuado com vista a todos os restantes juizes, e em tribunal pleno o conflito se decidirá, lavrando-se novo assento no caso de a maioria dos juizes deliberar efectivamente revogar o anterior.
Devo desde já esclarecer VV. Exas. que em vinte e três anos, ou seja desde que foi proferido o primeiro assento, até hoje tal nunca aconteceu.
Acerca da verdadeira natureza jurídica dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça divergem as opiniões.
Como leis interpretativas os consideram os Profs. Cabral Moncada (2) e Paulo Cunha (3), o próprio Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 13 de Abril de 1948 (4), e o Doutor Manuel Rodrigues (5); como fonte de direito, o Prof. Fezas Vital (6) e a Revista de Justiça (7); como quase fonte de direito, o Prof. Pires de Lima (8); como quase leis o Prof. Barbosa de Magalhães (9) e o Doutor Palma Carlos (10); como norma interpretativa, mas não lei interpretativa, o Prof. Marcelo Caetano (11), etc.
De modo diverso, classificando os assentos como simples jurisprudência qualificada e obrigatória, manifestaram-se a Revista de Legislação e Jurisprudência (12), os Doutores Martins de Carvalho (13), Fernando Olavo (14), etc.
Desta própria diversidade de conceitos creio podermos concluir que os assentos do Supremo Tribunal de Justiça, quanto à sua natureza, flutuam entre as verdadeiras leis e os simples restantes acórdãos do mesmo Tribunal, mas muito mais próximos daquelas do que destes.
Chegado a este ponto, é o momento de perguntar:
1.º Se a mecânica actualmente estabelecida para a formulação dos assentos se tem revelado absolutamente isenta de senões, ou se, ao contrário, não será susceptível de qualquer melhoramento?
2.º Se nas decisões que o Supremo Tribunal de Justiça nestes vinte e três anos tem proferido no seu papel de quase legislador não haverá também alguma coisa a retocar?
Creio que, tanto num caso como noutro, se impõe realmente uma revisão cuidada.
Sr. Presidente: começarei por aludir ao processo para a elaboração dos assentos.
Lançando uma vista de conjunto sobre aqueles até hoje proferidos logo se verifica uma circunstância chocante: a percentagem relativamente alta de votos de vencido que se registam em algumas dessas decisões.
Basta dizer que seis assentos foram obtidos apenas com dois votos de maioria; três assentos apenas com um voto de maioria; e em outros dois assentos registou-se um empate na votação, tendo o presidente do Tribunal sido forçado a intervir para desempatar (15).
Ora, como primeira condição para que o Supremo Tribunal de Justiça possa editar normas interpretativas, cuja observância se impõe, obrigatoriamente a todos es tribunais, parece que deve estar o facto de, antes de tudo, o próprio Supremo Tribunal estar convencido da exactidão da doutrina com que pretende convencer os outros.
Se o próprio Supremo manifesta tamanha hesitação na resolução dos conflitos jurisprudenciais que às vezes só com um voto de maioria consegue chegar a uma conclusão, é evidente que o assento proferido surge eivado de um carácter dubitativo que não se compadeça com a sua função definidora da verdade jurídica.
Sou de parecer, portanto, que a lei deveria ser modificada no sentido de os assentos só poderem ser tirados desde que a sua tese congregue uma determinada maioria - digamos, por exemplo, dois terços dos votantes.
Na, hipótese de essa maioria se não obter o presidente do Tribunal faria enviar ao Ministro da Justiça cópias das peças fundamentais do processo os acórdãos em oposição e as alegações das partes, e então o Ministro, dentro de um prazo a assinalar, promoveria, em diploma legal competente, o esclarecimento da questão de direito controvertida.
Creio que esta reforma contribuirá para uma melhor distribuição da justiça e para a defesa dó prestígio de que justamente goza o nosso mais alto tribunal.

O Sr. Sá Carneiro:- V. Ex.ª dá-me licença? Eu concordo plenamente com o princípio de se exigir certa maioria para ser tirado assento. Simplesmente, como V. Ex.ª sabe, há duas espécies de recursos para tribunal pleno. Um deles, o normal, é o interposto pela parte vencida e, quando julgado existente o conflito de jurisprudência, o assento não só resolve o pleito como fixa a interpretação obrigatória para o futuro; o outro é o interposto pelo Ministério Publico, com o único objectivo de fixar jurisprudência.
A proposta de V. Ex.ª é aceitável para a última espécie de recursos, mas não para a primeira, visto as questões judiciais deverem ser julgadas pelos tribunais e não pelo Poder Legislativo.
Para o primeiro recurso parece-me que só há uma solução - obter dentro da magistratura judicial a necessária maioria de juizes, fazendo intervir os juizes conselheiros que estejam em comissões de serviço e, sendo necessário, juizes das Relações, a começar pela de Lisboa.

O Orador: - Mas o Governo não julgaria o caso particular, decidiria em geral...

O Sr. Sá Carneiro: - Mas haveria sempre a intervenção do Governo ...