228 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65
O Sr. Pinto Meneres: - E a decisão ficaria influenciada pela intervenção do Governo.
O Sr. Morais Alçada: - Parece-me que a solução pode alcançar-se pela adopção simultânea de mais de um sistema; de mais do que um mecanismo: um que diria respeito para os casos de divergência de interpretação superior em estado, digamos, latente. E então para essa modalidade interviria o legislador. Na hipótese de haver interposição de recurso para o pleno, apoiada em divergência de julgados, invocados aí pelo próprio interessado, então o Supremo ficaria, em sistema futuro, também com poderes para unificar o conflito de interpretações.
O Sr. Carlos Borges: - Suponho que tenha sido enunciado o aviso prévio. Neste caso, VV. Ex.ªs podem pedir a generalização do debate e a expor na tribuna os seus pontos de vista.
O Orador: - A solução poderia também estar em o tribunal pleno resolver apenas o caso subjudice, quando não obtivesse a maioria dos dois terços; .mas o assunto ser depois submetido ao Ministério da Justiça para resolver, querendo, de uma forma geral, o conflito em aberto.
Outro ponto que carece de urgente intervenção - esse não por culpa do legislador, mas de uma jurisprudência que, sem base na lei, ultimamente se estabeleceu no Supremo Tribunal - é o que se refere ao número de acórdãos a invocar como fundamento do recurso.
Como já referi, estes recursos para o tribunal pleno têm por base a afirmação do recorrente de que o Supremo Tribunal de Justiça, em anterior processo sobre o mesmo ponto de direito e sob o domínio da mesma legislação, proferiu um acórdão contraditório com aquele de que se pretende recorrer.
Ora, o que é que geralmente acontece ?
Acontece que as questões de direito acerca das quais se levantam estes problemas são geralmente complexas e difíceis; por outro lado, as circunstâncias de facto variam de hipótese para hipótese.
Deste modo, quando o Supremo profere uma decisão contrária a certo ponto de vista, o advogado que o defende entra legitimamente em dúvida sobre quais são os anteriores acórdãos do mesmo Tribunal que deve citar como mais contraditórios, digamos assim. Nuns a contradição parece mais flagrante por isto, noutros por aquilo; uns foram proferidos sobre uma questão absolutamente idêntica, outros sobre uma questão que só difere, em seu entender, em pormenores sem interesse.
Mas, já se vê, tudo isto é discutível, tudo isto é contestável.
À cautela, não só no uso de um direito, mas até no cumprimento de um dever, o advogado fundamenta o seu recurso invocando por isso os vários acórdãos de que tem conhecimento. O Supremo vai apreciando-os até encontrar o primeiro que repute realmente contraditório.
Durante cerca de vinte anos assim se procedeu pacificamente, sem suscitar reparo de ninguém.
Porém, a partir de há três anos para cá, o Supremo passou a julgar que só pode indicar-se um acórdão fundamentando o recurso para o tribunal pleno! E esta jurisprudência, apesar de logo criticada pela Revista de Legislação e Jurisprudência (16), Revista dos Tribunais (17), etc., pode dizer-se lixada.
Não desconheço que esta estranha a inconvenientíssima doutrina surgiu como reacção contra alguns casos especiais, em que os recorrentes fundamentaram os seus recursos invocando treze, dezanove e até, de uma vez, trinta e um acórdãos como contraditórios, o que forçava o Supremo, como é óbvio, a um trabalho desmedido (18).
Mas para esses abusos tinha o Tribunal um remédio, de que, aliás, chegou a usar: a condenação do recorrente como litigante de má fé, quando se demonstrasse que no meio da avalanche das decisões não havia sequer uma única que pudesse, na verdade, ser tida como contraditória (19).
De qualquer modo, nem oito nem oitenta.
A proibição de citar mais de um acórdão é absolutamente inaceitável; inclusivamente porque ofende - e ainda não vi este argumento claramente empregado - letra expressa da lei: o § 2.º do artigo 768.º do Código de Processo Civil,- que terminantemente se refere aos acórdãos anteriores invocados como fundamento do recurso, «Acórdãos», no plural; logo mais do que um.
Mas a possibilidade de citar vinte ou trinta é igualmente inadmissível.
A lei precisa de ser esclarecida. Se se estabelecer que no recurso para o tribunal pleno podem invocar-se até, por exemplo, cinco acórdãos como contraditórios (quanto à mesma questão de direito), já se dará ao recorrente uma suficiente possibilidade de defesa, sem, em contrapartida, ir sobrecarregar o tribunal com uma tarefa esmagadora e inútil.
Outro aspecto do problema a considerar deverá ser a definição da expressão «no domínio da mesma legislação», que se lê no artigo 763.º do Código de Processo Civil.
Como já referi, para se fundamentar um recurso para o tribunal pleno é necessário demonstrar que o acórdão de que se pretende recorrer está, sobre a mesma questão de direito, em oposição com outro anterior acórdão do mesmo Supremo Tribunal, acórdão esse que há-de ter sido proferido no domínio da mesma legislação. Se o não foi, o recurso é inadmissível.
Este requisito justifica-se absolutamente, porquanto, se os acórdãos que se apontam como contraditórios foram proferidos no domínio de duas legislações diferentes, não há que. falar em aposição de julgados, pois não foi a jurisprudência mas os textos legais que variaram.
No Supremo Tribunal de Justiça, porém, têm-se manifestado duas correntes acerca do que deve entender-se por acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação.
Segundo uma dessas correntes, a legislação é a mesma &e o texto do preceito legal objecto da controvérsia se mantém sem alterações, muito embora esse texto ontem fizesse parte dum determinado diploma e hoje esteja inscrito num diploma diferente.
Segundo outra corrente, para os acórdãos serem considerados como proferidos no domínio da mesma legislação é indispensável, não só que se verifique a identidade do preceito legal em causa, mas ainda a identidade do próprio diploma onde esse preceito está inscrito.
Um exemplo, para tornar o caso mais claro, e que é dos mais frequentes: suponhamos que o Supremo pronuncia uma decisão sobre uma questão regulada por determinado artigo do novo Código de Processo Civil, que é de 1939, e que a parte vencida recorre para o tribunal pleno, invocando um anterior acórdão do Supremo em sentido oposto, mas proferido no domínio do Código de Processo Civil de 1876, o qual sobre a matéria em causa continha um artigo absolutamente idêntico àquele que o novo código reproduziu.
Segundo uma das correntes em vigor no Supremo, o recurso será inviável, porque as duas decisões não foram proferidas no domínio da mesma legislação, pois unia provém do código de 1876 e outra do código de 1939.