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11 DE JANEIRO DE 1951 225

O Sr. Mário de Albuquerque: - Matou, mas foi o pai dele.

O Orador: - Não compreendo.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Ele é o autor e o criador; portanto, é o pai.

O Orador: - A peça de Junqueiro A Morte de D. é um poema, mais ou menos teatralizado. D. João e uma personagem.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Mas o autor é responsável pelas personagens que cria nu pela forma por que as adopta.

O Orador: - Um autor que faz uma comédia será responsável pelos disparates das suas personagens?

O Sr. Mário de Albuquerque: - Mas, se formular ideias imorais nas personagens que cria, é responsável por isso.

O Sr. Presidente : - Eu peço ao Sr. Deputado Mário de Albuquerque que não continue a interromper o orador sem licença da Presidência.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Peço desculpa a V. Ex.ª

O Orador: - Eu, por mini, não vejo inconveniente na interrupção do Sr. Deputado, tanto mais que tudo ó discutível.
Mas, prosseguindo:
No que respeita à Velhice do Padre Eterno, onde há páginas de ouro de um relevo inconfundível, alternando com sátiras iconoclastas dum grotesco atroz, algumas mesmo em que a poética sofre, também tudo se explica. E para o compreender e desculpar é preciso transportar Junqueiro ao ambiente jacobino e sardónico da sua época, aliás até certo ponto justificado, porque há cinquenta anos ainda era frequente encontrar se em cada padre um sibarita, em cada cura de aldeia um devoto de Epicuro.
Entretanto a Igreja transformou-se, constituindo hoje um escol dentro da Nação: um escol de humanistas, de educadores, de filantropos e até de heróis.
E quem sabe, Sr. Presidente, quem sabe se as sátiras da Velhice não teriam também contribuído para impulsionar, em contrapartida, a ascese máxima do espírito religioso e a reabilitação do sacerdócio?
Pessoa que nos merece todo o crédito informou-me nesta Camará que o Senhor Cardeal-Patriarca, sondado sobre a viabilidade da sua colaboração nas cerimónias comemorativas, respondeu simplesmente:

Porque não hei-de colaborar no centenário de Junqueiro? Mas decerto que sim, rezando pela salvação da sua alma; e isso fá-lo-ia sempre, mesmo que não mo tivessem solicitado.

Nobilíssima resposta! Digníssima atitude a da Igreja portuguesa : ausente, alheia à consagração do ímpio, mas abstendo-se de comentários ad odium, recolhendo-se em espirito para rezar em êxtase, no silêncio augusto da sua nave austera.

E, apesar disto, foi mais longe o Senhor Cardeal-Patriarca, quando há poucos dias, na sua mensagem de paz e de amor, fez plena justiça às intenções de Junqueiro num largo gesto de reconhecimento e de absolvição.
A propósito da antologia junqueiriana, diz ainda o nosso ilustre colega que a Revolução Nacional de 28 de Maio «anda desviada em vários sectores e detida por muitos que dizem servi-la». Sim, é possível, mais que possível, absolutamente certo, mas não por esse motivo.
Seja-me permitido, a propósito, pedir ao Sr. Deputado Carlos Moreira que leia o discurso do Dr. Augusto de Castro: e que leia depois um artigo do Diário da Manha, intitulado «Junqueiro profeta da Revolução Nacional», em que as afirmações deste orador, já de si poderosas, se apresentam solidamente reforçadas. Ali se prova que a Revolução Nacional, além da profecia do poeta, era também a sua mais bela aspiração.
Ainda sobre a antologia, receia o nosso colega que «o crivo da selecção tenha sido largo o haja passado algum joio para o campo de sementeira da juventude».
Ora eu não conheço pessoalmente o seleccionador dos trechos publicados; nunca lhe falei. Verifico, porém, que ele é, no momento actual, pelas altas funções que exerce, a figura mais representativa das letras portuguesas; e, pelos serviços que já tem prestado, pode tacitamente considerar-se integrado na situação vigente. Trabalha ao nosso lado.
Não vejo, portanto, qualquer razão que nos impeça de confiar no seu critério de antologista.
E, depois, pergunta o Sr. Deputado Carlos Moreira:

Quem nos diz que os jovens se limitarão a conhecer somente os pedaços do antologia que lhes ministram? E o resto da obra? Quem lha oculta ou lha destrói?

Mas por esse raciocínio teríamos de excluir das antologias a grande maioria dos melhores autores portugueses, alguns mesmo entro os que S. Ex.ª cita.
O que seria de Eça de Queirós, de Ramalho Ortigão, de Fialho de Almeida, de Oliveira Martins, de Bocage, de A útero, de Herculano e até do próprio Camões?
Teríamos de banir das escolas as fábulas do mavioso La Fontaine, as metamorfoses do clássico Ovídio, etc.
O nosso colega sabe com certeza o que está por detrás destes mariolas... É o pior que há -perdão!-, é o melhor que há; e o mal é esse.
Em resumo, teríamos de queimar muitos livros e talvez dos melhores. E todo esse auto-de-fé só para não despertar a curiosidade da juventude!
Mas é tempo de terminar, Sr. Presidente, e termino guardando a convicção de que Junqueiro continuará a ser, através dos séculos, o poeta, por excelência, da mocidade heróica e bela.

O Sr. Carlos Moreira:- Nisso é que V. Ex.ª está redondamente enganado.

O Orador: - Continuará ou voltará a ser.

Ele o disse.
«É de bronze inteiriço a espinha dos heróis».
Não pode haver mocidade que não sinta reboar, dentro do seu coração, este grito indómito contra a renúncia e contra a subserviência. E a mocidade tem de servir sem subserviência, servir sem servilismo, porque é sobre a lealdade e o orgulho do quem serve que os chefes podem construir com segurança.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito e cumprimentado.

O Sr. João do Amaral: - Peço a palavra!

O Sr. Presidente: - As limitações que o Sr. Deputado Carlos Moreira nesta Assembleia pôs às comemorações solenes do centenário de Junqueiro, aliás com a maior elevação, espírito de justiça e do são nacionalismo apoia-