11 DE JANEIRO DE 1951 223
veia do passado da sua Pátria, que, em seus juízos, perdera o significado duma realidade permanente para só lhes aparecer como pretexto de bandeira de partido, por entre os negrumes de que pareciam carregados os dias que viriam próximo.
Quem quisesse então descer ao terreiro agitado da nossa vida política para combater por uma soma de verdades nacionais e confessar a crença na realidade intangível da Pátria havia de ter alma forte, coração leal e espirito aberto até mesmo às criticas e insinuações maledicentes, de que infelizmente a nossa vida não é parca.
Aqueles rapazes de Coimbra tinham e sabiam isso, mas possuíam também uma cabeça esclarecida e um dom inestimável - o de sorrir generosamente. No domínio da acção prática, nenhum lugar e meio era mais propício à sua doutrinação intelectual veraz, impetuosa e confiada. Eles souberam transplantar para os saudosos campos o mesmo ardor de espiritualidade que animava os planos amaviosos e as brandas colinas suavemente impressionistas da terra irreal de Garlândia, onde algum dia demoraram aqueles ante cujos olhos, claramente abertos, luziu o fogo inextinguível do ideal.
Entre todos destacava-se uma personalidade que os próprios companheiros consideravam à parte, pela vastidão das suas leituras, pela fogosidade da sua nobre alma, pelo temperamento vibrátil e candente, enfim, pela multiplicidade dos seus dotes literários, e na qual avultava ainda um raro poder e qualidade de intelectualizar os assuntos e temas, ainda que parecessem mesquinhos. Assim era António Sardinha, que não se iludia nem amedrontava ao enunciar o caminho e missão que o seu rasgo de doutrinação política de vero fundamento histórico suscitava e impunha:
A estrada a pisar-se é só uma e já Deus nos fez a mercê de nos ensinar qual ela seja. Se os perigos, aumentando, nos procuram, como ferros de espada, .tanto melhor! A nossa existência encher-se-á de um sabor de virtude e de heroísmo, por onde há-de regressar à nossa terra o património esquecido da sua glória e da sua grandeza. Só assim seremos dignos da Pátria que nos foi transmitida como um bem de família e que como um bem de família é preciso defender e conservar!
Desde logo, e como acaba de ser expresso, a nobreza posta ao serviço duma ideia e a coragem revelada na propugnação duma soma de verdades de inconcusso realismo nacional. Por isso mesmo os seus combates iniciais, algumas vezes abruptamente iniciados, deixarão nas suas páginas a denúncia e marca de um surto intelectual não facilmente apagável na história e evolução das doutrinas políticas contra-revolucionárias em Portugal.
Esta foi, ao que me parece, a fase de combatividade estreme e à qual a maturação do espírito e o continuar da experiência haviam de opor e propor a suma dum pensamento político organicamente concretizado no reconhecimento destas quatro realidades com direitos insofismáveis: a Terra, o Povo, a Língua e a Fé.
Duas formas tem a gente para pugnar por estas realidades maiores: ou integralmente por elas, ou tibiamente com elas. Decidindo-se pela primeira com honrada clarividência, António Sardinha, sempre com palavras fortes de esperança, lutou bravamente por entre as navalhas do arco dos pelotiqueiros e com aquela satisfação moral de pensar independente que nenhumas onças de ouro podem pagar neste Mundo.
A sua voluntariosa comunicabilidade arrastava e convencia, pois o sen espírito não sofria do mal da desesperança nem do ressentimento. Nele crepitava latente a chama dum ideal definido, que se alvoroçava de esperanças redentoras. Acodem-me neste momento algumas palavras suas, que não deviam andar esquecidas.
Palpita dentro de mim um intento modesto, mas sólido, de construir, que, mesmo quando contempla o espectáculo melancólico de quaisquer ruínas, encontra sempre nelas motivos vitoriosos de afirmação e de confiança. Não me será talvez dado a mim, nem nos que comigo mais de cerca rezam e aguardam, levantar o grande edifício que já avistamos, erguido, com os olhos serenos da convicção, para além da orla sangrenta em que tudo parece acabar nesta expectativa de Apocalipse.
O homem que escreve e prega há-de ser fiel à sua própria razão. Pensar uma coisa e fazer outra pode ser cómodo, mas não deixa de ser uma torpeza intelectual e moral. Toda a obra de António Sardinha aí está para afirmar a sua contínua sinceridade e a plena conformação do seu espírito com o espírito nacional, e por isso mesmo a subsistir como um verdadeiro «tratado de bem servir a nossa terra, escrito com o ardor de uma apologia» em altos clarões de fé e de verdade. Ele próprio confessou coram populi que o mais belo titulo da sua inteligência de estudioso o da sua sensibilidade era o de sentir-se voluntário da reacção nacional para a conquista da ordem e das liberdades tradicionais, contra uma política de abstracções e contra a execrável mentira dos seus ídolos.
No dia em que elevamos o nosso espírito para glorificar a sua memória honradíssima e o seu fecundo preceptorado, agradeçamos a Deus ter permitido que também nós nos não perdêssemos nas estradas do Egipto.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: decorreram durante as férias parlamentares as cerimónias de encerramento do centenário de Junqueiro. Só hoje, portanto, ao reabrir o Parlamento, tenho a oportunidade de fazer, a propósito, algumas considerações, que não julgo inconvenientes nem descabidas.
Considerando quê o presidente de honra da comissão organizadora dessas comemorações era o Sr. Marechal Carmona e que dela fazia parte um membro do Governo, nosso colega nesta Câmara e parente próximo de Junqueiro, abordarei o assunto com a delicadeza e o respeito que merecem estas altas individualidades, sem pôr de parte, é claro, a sinceridade de que sempre abuso.
Entre os comentários às cerimónias até então realizadas interessam-nos sobremaneira, como representantes da Nação, as afirmações produzidas na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Carlos Moreira, a quem presto neste momento as minhas homenagens pelo desassombro, a independência e o brilho das suas palavras.
De facto, quem assim levanta a sua voz discordante na grande massa coral dos louvores académicos merece realmente a admiração devida às opiniões corajosas.
Simplesmente, eu, que não tencionava falar sobre Junqueiro, julgo agora conveniente que se saiba, depois da intervenção do nosso ilustre colega, que outra voz se levantou na Assembleia Nacional para reconhecer e aplaudir o sentido e o alcance das comemorações do centenário.
Resta-me agora - e considero indispensável- dizer porquê. Fá-lo-ei sem espirito de polémica, sem acrimónia, procurando, pela minha parte, não dar motivo a uma controvérsia de combate. Nem desejo de forma alguma destruir ou rebater uma opinião; pretendo apenas compensá-la.