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12 DE JANEIRO DE 1951 239

maior e mais notável transformação do regime jurídico processual desde o Código de 1876, adoptaram-se providências no sentido de assegurar a uniformização da jurisprudência, declarando-se obrigatória a doutrina dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos em tribunal pleno. «E - acrescenta o relatório - a disposição do artigo 66.º é uma das inovações mais importantes do decreto. Temos a esperança de que há-de contribuir eficazmente para a estabilização da jurisprudência nacional. O problema da uniformidade da jurisprudência debate-se em volta de dois perigos extremos: o da imobilização e o da instabilidade. O decreto - conclui - procurou evitar esses dois escolhos; procurou dar estabilidade à jurisprudência, sem cair no defeito da estagnação e da imutabilidade».
Terá o legislador visto realizados os seus vaticínios?
A resposta pode ser afirmativa, sob o aspecto da uniformidade, a partir do momento em que os assentos respectivos foram proferidos pelo tribunal pleno. Na realidade, a doutrina dos assentos, com o seu carácter cominatório, obriga, enquanto não a alteram, a lei ou outro assento.
O assento, como é obvio, não tem projecção do pretérito, não corrige nem afecta os casos julgados, embora contraditórios; evita, sim, que no futuro, e no domínio da mesma lei, haja decisões contraditórias sobre a doutrina que ele estabelece. Mas nada mais.
O assento dá, pois, estabilidade permanente ou transitória à jurisprudência; e, assim, contribui para a certeza do direito.
Mas resulta daí, simultaneamente, a tal imutabilidade mais ou menos duradoura, com os inconvenientes que são, afinal, semelhantes aos que provêm das leis más ou desactualizadas.
Quer dizer: os assentos têm o mérito de impedir a incerteza do direito; mas, por outro lado, os assentos originam, até certo ponto, a imutabilidade que o relatório do Decreto n.º 12:353 também condena.
Corrigem um mal, mas podem originar outro, que será sem dúvida pior e evidente, se a sua doutrina não for defensável ou quando, com o tempo, se torne irrelevante ou inaceitável.
Pondo em presença os convenientes da uniformidade que os assentos criam e os inconvenientes da imutabilidade que deles resultem, é lícito duvidar sobre a utilidade da inovação.
Tenho, porém, para mim que, em princípio, o fiel da balança deve inclinar-se a seu favor, pois pior do que a imobilidade do direito é a sua incerteza. Entre os dois males prefiro o menor.
A imobilidade, quando nociva, tem solução possível em novo assento ou num diploma legal que alterem a doutrina anterior, ao passo que a incerteza, a diversidade das decisões, podem afectar irremovivelmente os interesses sociais ou os particulares que estão em conflito, mesmo que mais tarde a lei venha a remover as divergências.
E quais são, em última análise, o valor e a força dos assentos?
O notável jurisconsulto conselheiro Martins de Carvalho, grande mestre -como já antes o Dr. Fernando Olavo, advogado também ilustre -, combateu energicamente a ambiciosa ideia do juiz legislador ou da autonomia dos juizes designada por Freirecht e favorecida depois pelo Código Civil suíço de 1907, por a considerar afinal atentatória da certeza do direito. Considera ilusório tentar corrigir a falibilidade do legislador por via da falibilidade do juiz.
Mas, contra a opinião também autorizadissima dos Profs. José Alberto dos Beis, Manuel Rodrigues, Paulo Cunha e outros, citados pelo orador precedente, Martins de Carvalho entende que a nossa lei não seguiu a doutrina que brilhantemente critica. A nossa lei pretendo apenas uniformidade na jurisprudência.
Os acórdãos do tribunal pleno - diz - não têm força de lei, não são de modo nenhum interpretação autêntica ou legislativa, não equivalem a leis interpretativas, não saem da esfera da jurisprudência.
E, realmente, não diz o relatório do Decreto n.º 4:620, de 13 de Julho de 1918, que deve reservar-se a função de interpretar autenticamente as leis ao poder a que incumbe estabelecê-las e revogá-las?
Por isso, Martins de Carvalho condena, por imprópria, também a designação de «assentos» atribuída aos acórdãos do tribunal pleno, designação que competira propriamente às decisões da velha Casa da Suplicação, que a lei da Boa Razão (esta sim) mandou observar como lei inalterável. Estas é que, efectivamente, equivaliam a interpretação legislativa e, como tal, tinham força de lei, embora sem poderem ampliá-la, nem restringi-la, como ensinou Borges Carneiro.
«Mando que os assentos já estabelecidos, que tenho determinado que sejam publicados, e os que se estabelecerem daqui em diante sobre as interpretações das leis constituam leis inalteráveis, para sempre se observarem como tais, debaixo das penas estabelecidas», diz o § 4.º da Lei de 18 de Agosto de 1769.
O neologismo foi, porém, adoptado no Supremo Tribunal, por iniciativa de um dos seus conselheiros, e vingou no código actual.
Não será esta tradição do nome uma das maiores razões por que adquiriu consistência a superstição corrente de que os assentos têm força de lei, considerando-se como sendo de jure condito uma competência e atribuições que na lei, afinal, não passam de unidade de doutrina? «Unidade no progresso», como lhe chama aquele relatório do Decreto n.º 4:620, para marcar contraste com uma fixidez que lhe tire todas as condições de acomodação a novas necessidades, tendências e correntes ideológicas.
Dir-me-ão que se trata de uma simples questão de palavras. Mas nem sempre as palavras são indiferentes, especialmente quando têm poder de sugestão ou um significado tradicional.
Pelo seu lado, os paladinos da doutrina oposta à que venho de expor entendem que o juiz é melhor observador das realidades sociais; a sua iniciativa é uma necessidade do processo moderno e impede a cristalização do direito, afastando-o assim dos modernos conceitos da sociologia, etc.
O Dr. Mário de Oliveira, na sua dissertação académica, encontra argumento na douta afirmação do Prof. Marcelo Caetano de que o direito não pode limitar-se à ciência das leis já feitas; deve ser também, e na sua expressão mais alta e nobre, a ciência das leis que não deviam ter sido feitas e das que falta fazer.
É assim, com efeito, mas os contraditores podem objectar que é aos outros dois Poderes do Estado e não ao Judicial que compete e cumpre revogar o que não devia fazer-se e criar o que falta.
Mas prossigamos:
A meu ver, a crítica mais importante ao sistema na sua actual construção está na influência casuística nos assentos.
O caso sub judice não pode deixar de, frequentemente, influenciar o espírito do julgador em presença da omissão ou da dúvida da lei.
Não é descortesia reconhecê-lo.
É até precisamente um antigo juiz do próprio Supremo Tribunal de Justiça, o conselheiro Caetano Gonçalves, que, ao criticar a inovação, nos diz que reputa impossível alcançar através do juiz a unidade da lei, pois o juiz parte dos factos para o direito e tem de atender às circunstâncias do caso.