242 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 66
que fosse aumentada de 200 para 500 réis a propina para óculos, atribuída anualmente a cada um deles; ... como tudo consta do livro 3.º da Esfera da Relação do Porto, na sua douta página 222 v.º!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: as questões suscitadas pelo aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Tito Arantes interessam vitalmente à boa administração da justiça.
E isso bastava para que eu devesse intervir no debate generalizado. São tão poucos os problemas levantados nesta Assembleia sobre que posso falar com algum conhecimento de causa, que eu próprio me sentiria em falta se me escusasse a dar o meu concurso para a solução daqueles em que posso emitir opinião.
A esta razão acrescem outras.
E que, não obstante não me considerar especialista em direito processual ou em qualquer outro ramo da ciência jurídica - e, muito à puridade, aqui confesso que não abundam naquele problemas que apaixonem o meu espírito -, por dever de profissão tenho de conhecer as leis de processo.
É, como director de uma publicação jurídica, acompanhei com interesse as reformas da lei adjectiva feitas pelo grande Ministro que foi o Doutor Manuel Rodrigues, grande talento e grande coração, cuja morte os seus amigos ainda hoje sentem e que para o País constitui perda irreparável.
Com a sinceridade que é meu timbre, reagi contra algumas das novas disposições, publicadas no início da sua gerência, que, como se sabe, foram tiradas de um projecto anos atrás elaborado pelo querido mestre Doutor José Alberto dos Beis.
No entanto, não duvidei acolher com simpatia a tentativa de uniformizar a jurisprudência.
Estudei os primeiros assentos logo após o seu aparecimento e publiquei então um pequeno trabalho, em que propunha a ampliação do recurso para pleno.
Anos depois, quando da revisão do projecto do Código de Processo Civil, coube-me relatar a sessão referente ao recurso para tribunal pleno. E o ambiente da comissão era de nítida hostilidade contra o mesmo recurso. Tudo fazia prever que ele seria banido do novo código, tão generalizada estava a ideia de, na sua maioria, os assentos serem errados.
Dei-me então ao cuidado de fazer uma espécie de balanço dos assentos, um por um, analisando-os à face da lei e das opiniões emitidas relativamente a eles; e com surpresa verifiquei que a impressão corrente não correspondia à realidade, pois, na sua quase totalidade, os assentos estavam certos, havendo alguns duvidosos e muito poucos claramente erróneos.
Não sei se constituirá imodéstia apresentar-me como o salvador dos assentos; suponho, contudo, que, à falta de mais gloriosos cometimentos, posso vindicar essa honra.
O que deixo exposto não significa que considere o assunto coutada exclusivamente minha; nunca tive a pretensão de me apropriar de qualquer tema, tanto mais que nenhum esgotei, e neste, como noutros assuntos que estudo, apenas procuro dar o meu contributo para o aperfeiçoamento do direito.
Bem fez o Sr. Dr. Tito Arantes em trazer ao debate o problema da uniformização da jurisprudência; e temos de reconhecer que o tratou brilhantemente, por forma acessível a todos, sem deixar de dizer o essencial.
Também eu não desejo profundar problemas técnicos, até porque nem sequer tive ensejo de ler o que relativamente aos assentos tenho escrito.
Do discurso do Sr. Dr. Tito Arantes depreendo que o ilustre Deputado concorda com a manutenção dos assentos, pois em vários passos do seu discurso louva, de um modo geral, a acção do Supremo Tribunal de Justiça no exercício da delicada missão que o Estado Novo lhe confiou.
E o que expus obriga-me a nem sequer pôr a questão do banimento do recurso para tribunal pleno.
Neste ponto tenho de discordar da opinião exposta pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu, que emitiu o voto de que o recurso para o pleno obrigatório para o Ministério Público colocaria este magistrado em grave risco de não cumprir o seu dever, pois é tarefa ingente a de pesquisar toda a jurisprudência do Supremo, publicada ou inédita, para saber se há decisão em contrário.
O Supremo Tribunal de Justiça, no desenvolvimento da sua actividade, tem atravessado fases mais ou menos gloriosas.
Tempo houve em que a maior ou menor competência dos juizes conselheiros era apenas função da Providência: se a percentagem de maus juizes que a morte fosse levando excedesse a dos bons, o Supremo melhorava, sucedendo o contrário no caso inverso.
Hoje, que a promoção ao colendo Tribunal depende de escolha, podem exigir-se a certas entidades contas pela má selecção que façam.
No entanto, o Supremo, apesar de todas as críticas que alguns seus arestos suscitam, ainda nos dá a nós, homens de leis, consoladoras provas de corrigir injustiças, que, sem a sua intervenção, se consumariam.
Mas, porque não é infalível, por vezes o Supremo se engana.
Daí a questão de saber como reagir contra injustiças notórias que - aliás com menos frequência do que poderia supor-se - o alto Tribunal pratica.
Poderia pensar-se em facultar o recurso com base na aludida injustiça; mas para quem interpor tal recurso?
Para o pleno, constituído por juizes das três secções?
A experiência tem mostrado que a tendência do Supremo é no sentido de dificultar o recurso para o pleno.
Quando se trata de apreciar a existência de oposições de arestos, só ante a que seja evidentíssima o recurso é admitido pela conferência, mas isso não assegura ao recorrente que a final se mantenha o reconhecimento da oposição, já que, pelo artigo 767.º, § único, do Código de Processo, o pleno pode decidir em contrário.
Ó Código de Processo de 1939 cerceou muitos recursos, e a posterior subida das alçadas, que continuo a considerar excessiva, faz com que, como regra, apenas subam ao Supremo pleitos de valor superior a 50.000$.
Entendo que a causa da justiça só tem a lucrar com a ampliação dos recursos.
E, pelo menos no Supremo, advogo convictamente a admissão dos embargos, mas não condicionada pela simples maioria de um voto, a julgar em termos idênticos aos prescritos no Decreto n.º 21:287, de 26 de Maio de 1933.
Os embargos decididos pelos mesmos juizes, como na vigência do código velho sucedia, constituiriam recurso inútil se os prazos dos advogados fossem então respeitados.
Todavia, como tais prazos não se cumpriam, muitas vezes os embargos conduziam à revogação do acórdão de que eram interpostos, porque os primitivos juizes vencedores, quando o recurso se julgava, ou tinham falecido ou deixado de pertencer ao Tribunal.
Actualmente isso não é possível, e daí a necessidade de fazer intervir no julgamento novos magistrados.