244 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 66
O Orador: - Claro que eu sabia que era assim.
Voltando, porém, ao projecto do Sr. Doutor Barbosa de Magalhães, se bem me recordo, ele consiste no seguinte :
A eficácia imediata do assunto limitava-se ao processo em que foi proferido.
Mas o assento constituía proposta de lei interpretativa, que a Assembleia Nacional tinha de discutir.
Tal proposta não foi apreciada pela comissão revisora ; no entanto, cuido que ela merece ser estudada por quem pensa «m reformar o código vigente neste capítulo.
Por minha parte, estou pronto a colaborar com aqueles colegas que desejem trabalhar num projecto limitando o recurso para o pleno, pois a revisão final do código, se dia a dia se torna mais urgente, é reforma de maior vulto, embora tenhamos de propô-la, se o Governo a não fizer em curto prazo.
O assento podia não vigorar imediatamente para outros processos, ainda, que não fosse natural que o Supremo e os tribunais inferiores deixassem de respeitá-lo.
Mas passaria a vigorar obrigatoriamente se, em certo prazo, o Governo ou a Assembleia Nacional não aprovassem diploma em contrário.
Esboçadas estas ideias, desejo pronunciar-me concretamente sobre as sugestões do Sr. Dr. Tito Arantes.
Relativamente à da exigência de certa maioria para a votação dos assentos, concordo plenamente com a necessidade de se estabelecer um mínimo de vencedores; a possibilidade de os juízes, caso se mantenha o regime actual da obrigatoriedade dos assentos, assinarem vencidos constitui irrenunciável garantia de justiça.
Foi desastrada a experiência que sujeitava um juiz a lavrar acórdão contra a própria opinião; raramente este deixava de transparecer uma fundamentação ilógica ou deficiente.
Mas é óbvio que um assento votado por pequena maioria não tem autoridade para, se impor como interpretação autêntica da lei. Tal assento poderá resolver o caso concreto.
Se, porém, os assentos não vigorarem como interpretação obrigatória, as declarações de voto podem orientar o Governo ou a Assembleia para o efeito de não sancionarem a tese que fez vencimento.
No que toca ao número de acórdãos adversos ao recorrendo que é lícito invocar, igualmente concordo com a sugestão do Sr. Dr. Tito Arantes.
A premissa de o recorrente citar um só acórdão para cada questão, tomando o Tribunal em consideração o primeiro, caso o recorrente não fizesse a escolha que lhe era facultada, surgiu como exagero rítmico da invocação de numerosíssimos arestos, por vezes só remotamente relacionados com o problema discutido ou até de todo estranhos a ele.
Mas tal jurisprudência não encontra apoio na lei nem é razoável, pois, entre vários acórdãos, a parte pode hesitar para saber qual deles é mais típico.
Pode mesmo acontecer que um feixe de arestos vinque jurisprudência contrária à firmada na decisão de que pretende recorrer-se.
Por isso aceito que se permita a invocação de mais de um aresto para cada questão; e, se o número 5 pudesse considerar-se exagerado, pelo trabalho que o Tribunal teria quando fossem várias as questões suscitadas, que ao menos se nos permita invocar 3 - que parece ser a conta que Deus fez.
Acerca do entendimento do artigo 763.º, que exige a identidade de legislações, tenho-me batido pela possibilidade de basearem recursos para pleno acórdãos proferidos com base em diploma diverso daquele em cuja vigência foi proferido o recorrendo; e mantenho, convictamente, essa opinião.
Há, porém, duas questões que mão devem ser confundidas: uma é a da caducidade dos assentos proferidos com base em certo diploma; outra a de poderem invocar-se acórdãos proferidos à face de diploma diferente, para provocar um assento.
A aludida caducidade é o único argumento impressionante que tem sido invocado para exigir que ambos os acórdãos - supondo apenas o caso de dualidade de arestos, para simplificar o problema - tenham sido tirados na vigência do mesmo diploma.
Cuido, porém, não ser irrespondível tal argumento.
A vigência de um assento depende de vigorar ou não o preceito que ele interpretou; o assento está umbilicalmente ligado à disposição aplicada.
Revogado este, não pode o intérprete defender a urgência do assento.
O assento desapareceu desde que cessou o rigor da lei que autenticamente interpretava.
Entender o contrário seria, a par do problema já grave de interpretação dos assentos, deixar campo aberto à discussão sobre os que vigoram e os que não vigoram.
Quando, porém, se trata de fixar jurisprudência compreende-se que se invoquem decisões fundadas noutro diploma e o tribunal, ao apreciar se existem contraditas do julgador, pode dizer que há apenas oposição de legislação, que não cumpre ao Supremo resolver.
Conviria, por certo, esclarecer que os assentos, ainda que se lhes mantivesse a força obrigatória, podem ser objecto de pedido de aclarações ou reforma quanto a custas, bem como de arguições de nulidades.
Nenhuma razão existe para se negar tal possibilidade.
Pelo contrário, a própria força do assento exige que ele seja o mais claro possível.
E não deve esquecer-se que, quando interposto o recurso pela parte vencida, o assento resolve um pleito, não podendo os direitos da parte ser limitados.
Quantos assentos foram proferidos?
O Sr. Dr. Tito Arantes aludiu a mais de 130; porque me foi impossível consultar qualquer livro, nada posso dizer a tal respeito, embora confie inteiramente na idoneidade do informador.
Pode parecer estranho que não se conheça o número exacto dos assentos, o qual constituiria mistério tão impenetrável como o revelado pelo Boletim Oficial do Ministério da Justiça, segundo o qual é impossível saber os nomes dos Ministros da Justiça durante o remado do Sr. D. Miguel.
Houve quem se empenhasse em numerar os assentos, mas a tarefa é difícil.
É que, por um lado, têm sido publicados no Diário de Governo como assentos acórdãos que não têm essa índole. Por outro lado, a Secretaria do Supremo não tem divulgado os assentos que constituem repetições de outros.
Não acompanharei o Sr. Dr. Tito Arantes na apreciação dos assentos, por me parecer que a Assembleia dificilmente poderia tomar a iniciativa de revogar os errados, pois isso exigiria a discussão das matérias mais diversas. Todavia, poderia tentar-se a correcção dos mais extravagantes. Começar-se-ia, naturalmente, pelo primeiro - que é, salvo erro, o do testamento contratual.
Entendo que prestaríamos relevante serviço à causa da justiça se apresentássemos um projecto de lei reformando a respectiva secção do código; e estou pronto a trabalhar nesse projecto, conciliando as opiniões que foram ou venham a ser emitidas, por forma a fazer-se um trabalho com probabilidades de ser votado pela Assembleia.
Mais do que isso seria, a meu ver, pedir a Câmara o que só daqui a muito tempo ela poderia apreciar.