18 DE JANEIRO DE 1961 271
do comunismo e da maçonaria, exigidos para o desempenho de funções públicas, dir-lhes-ia:
Porque vos indignais? Não sabeis que se procede por forma idêntica em todo o mundo ocidental? Ignorais também que na pátria do socialismo e nos países por ela dominados as coisas são ainda muito mais severas?
Também nunca vos disseram, ou já vos esquecestes de que por cá, há trinta ou. quarenta anos atrás, os Governos da República não se contentavam com declarações simplesmente negativas, como as actuais, mas exigiam, antes, atestados de bom republicanismo comprovado por actos e factos ?
Porque vos indignais, então?
Na lógica do vosso pensamento, visto serdes tão adversos dos excessos de autoridade e tão pugnadores das liberdades fundamentais, deveríeis ser fervorosos adeptos dos regimes monárquicos, por serem aqueles que conseguem estabelecer a harmonia mais perfeita entro a autoridade necessária o as liberdades convenientes. Mas preferis simpatizar com o comunismo, regime de autoridade férrea o opressor de todas as liberdades individuais.
Decididamente, não consigo entender-vos.
Num ponto, porém, estou de acordo convosco, prezados hipócritas - na inconveniência de tais declarações impostas por um Estado que aparenta defender-se. Proporcionam-vos armas que vós sabeis manejar com destreza e não constituem para ele couraça defensiva do valor.
Não há desemprego intelectual motivado por causas de natureza directamente política. Mas, não obstante isso, a política não está, como é natural, isenta de responsabilidades neste caso.
Os mapas oficiais que recebi acusam novecentas acumulações de lugares públicos, o que equivale, aproximadamente, a seiscentos cargos públicos ocupados, em regime de acumulação, por indivíduos formados em Universidades, tendo em vista que muitos deles acumulam lugares do Estado com outros em empresas concessionárias de serviços de utilidade pública.
Nestes números não entro em conta com as inerências nem com as acumulações de pequenos cargos em concelhos da província.
Há, todos o sabem, acumulações que são necessárias, porque determinadas funções de confiança só podem ser exercidos por pessoas também de confiança, que, naturalmente, não andarão desempregadas nem convirá distrair de outros cargos que estejam normalmente desempenhando.
Eu. não ponho em dúvida a legalidade das actuais acumulações ou das inerências, mas também não quero deixar de focar a elasticidade de que as leis têm sido impregnadas a este respeito.
Ainda há pouco o Tribunal de Contas nos veio referir que na Intendência-Geral dos Abastecimentos havia muitos funcionários com acumulações mal esclarecidas e outros que, depois de nomeados e de durante muito tempo exercerem funções sob este mesmo regime, acabaram por ver legalizada a sua situação com o parecer de que tais funções poderiam ser consideradas inerências.
Tal como na fábula do macaco e do queijo, poderemos dizer que a Justiça ficou satisfeita, mas os gatos devem ter ficado a olhar uns para os outros.
Sei de inerências que rendem, por ai só, ao feliz ocupante proventos superiores ao vencimento de outros funcionários de semelhante categoria em regime de exclusividade. E até os há habilidosos, que na percentagem dos emolumentos, também inerentes à inerência, fazem intervir, não a gratificação que por esta percebem, mas o vencimento total, para assim a proporção na partilha aumentar três ou quatro vezes.
Oh, a mentira dos vencimentos! Já tem sido motivo de justas e generosas palavras, e, naturalmente, continuará a sê-lo.
Sabe-se o que são, na generalidade, as acumulações, para quem não tem o dom da ubiquidade. Um exemplo:
Entra um cidadão numa repartição pública e diz que deseja falar ao Sr. Dr. X.
- Não está, diz o contínuo: - Só depois das cinco.
- Mas, então, isto não fecha às cinco?
- Sim, mas é que o Sr. Dr. X. faz também serviço na comissão Z, e só quando sai de lá vem para aqui.
- Então até logo - diz a visita. E volta às 17 horas e 30 minutos.
- O Sr. Dr. X. ainda não veio - acode o contínuo. Mas faça V. Ex.ª o favor de entrar para a sala de espera e aguardar um pouco.
Passa o tempo. São 18 horas e o contínuo abre a porta.
- Já veio?
- Não veio, e naturalmente não vem. Decerto teve lá em baixo mais que fazer hoje. Talvez, fosse melhor V. Ex.ª voltar outro dia.
- Também me parece. Adeus.
No dia seguinte, de novo às 17 horas e 30 minutos:
- O Sr. Dr. X. está hoje?
- Está sim, senhor. Já chegou.
- Então faça favor de me anunciar.
Passam as 18 horas e as 18 horas e 30 minutos. O Sr. Dr. X. está tão atarefado que nem sequer se lembra de que tem uma pessoa de categoria esperando ser recebida, nem mesmo lhe mandou dizer que não o podia atender ou que tivesse a bondade de aguardar uns minutos. Mas, para que este feliz funcionário puxe a dois carrinhos, sem fazer mover satisfatoriamente, como é natural, nenhum deles, o Estado paga horas extraordinárias ao porteiro, que vai soletrando a república, ao contínuo, que boceja a lembrar-se do jantar, à dactilógrafa, que, incansável vai gastando o teclado da máquina, à telefonista, ocupada com a feitura das suas intermináveis rosetas de crochet, etc.
Nem todos os seiscentos lugares acumulados poderiam ser ocupados pelos actuais desempregados, mas, com certeza, daqui poderia vir um grande alivio.
Também as informações oficiais que recebi denunciam outra causa de desemprego intelectual. Em fins da 1949 os quadros do Estado e afins incluíam mais ao 1:200 indivíduos do sexo feminino auferindo vencimentos superiores a 1.500$ mensais, e destes bastantes acima de 3.000$. Em um conselho técnico estava uma senhora com 4.050$ mensais.
Já não falo em mais 2:400 ganhando menos do que a primeira importância referida, mas que estão na escala para, a promoção, nem em professoras de qualquer grau ou outras funções acentuadamente femininas, quer por sua natureza quer por tradição longamente aceite.
Não enfileiro entre os que condenam em absoluto o trabalho feminino fora do lar. Por outro lado, o último recenseamento da população acusa um excesso de cerca de 300:000 mulheres sobre o número de homens, o que equivale a dizer-se que muitos milhares da indivíduos do sexo feminino não encontram ocupação no lar a que moral e socialmente seria a ideal.
Excluindo deste número as crianças a cargo dos pais, as viúvas mantendo-se por si próprias ou mercê da protecção dos filhos e as que, porventura, vivam de rendimentos próprios ou do conjunto dos rendimentos familiares ainda restará uma larga percentagem de mulheres necessitadas de se empregarem, e nem todos o poderão fazer dentro de casa em trabalhos de costura ou de puro artesanato.
Não se pode, portanto, condenar em absoluto o trabalho feminino fora do lar. Mas pode-se e deve-se