274 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
turalmente, daqueles que melhor conheço; escolhi-os para ilustrar estas afirmações.
Leio em revistas estrangeiras:
Nos Estados Unidos da América, onde havia, em 1949, 13:500 veterinários, notava-se a falta, só nos serviços de inspecção sanitária, de 500 destes técnicos para que este serviço resultasse eficaz. E quanto à sanidade animal, as perdas em leite, devido à brucelose, cifraram-se em 1948 em 50 milhões de dólares; não se fala nas derivadas das mamites e da esterilidade. No total seriam precisos àquela nação mais 25:000 veterinários.
No Canadá o director dos serviços veterinários, no seu relatório de 1948, dizia: «Os progressos realizados na profilaxia e na extirpação da tuberculose e da brucelose foram sèriamente limitados pela falta de veterinários».
Na Inglaterra calcula-se que o prejuízo imposto à indústria dos curtumes pelo berne é tal que diminui a produção de calçado em 10 milhões de pares. As perdas resultantes da brucelose, das mamites e da esterilidade diminui a produção de leite anualmente em cerca de 200 milhões de galões. Há 2:000 veterinários, mas só 1:500 estão ao serviço da lavoura. O Governo aprovou a criação de duas novas escolas nas Universidades de Cambridge e de Bristol; as quatro escolas actuais formam cada ano 150, mas é necessária uma saída anual de 220, pelo menos, para a realização de um plano nacional de sanidade animal.
Estes ingleses hão-de ser eternamente desportistas; prendem-se com estatísticas deste género e no fim ainda vão à procura de soluções!
Extravagante coisa é o tal espírito desportivo!
Sim, mas isso são nações ricas, poderá alguém objectar.
Então vou citar o exemplo de uma mais pobre. Durante a última guerra a Bélgica fez em Portugal grandes aquisições de conservas de peixe, mas não levantou uma caixa sem os lotes terem sofrido prévia inspecção sanitária. E o veterinário que a efectuou declarou muitas caixas impróprias para consumo.
E cá por Portugal? Ora, cá em Portugal nem se. sabe a quanto montam os prejuízos, porque não temos sequer no Instituto Nacional de Estatística uma secção pecuária.
Para não cansar, apenas direi: grande parte da população portuguesa come carne não inspeccionada; as fábricas de salsicharia, de lacticínios, de conservas trabalham sem qualquer fiscalização tecnológica ou sanitária; os subprodutos dos matadouros e da pesca vão quase todos para o esgoto ou para fazer adubo, os gados são dizimados pelas epizootias e o rendimento de uma, grande parte é considerável monte diminuído. E, não obstante isto, há 200 veterinários sem colocação.
Não criamos mais gado porque não produzimos alimentos para sustentar um número mais avultado de cabeças; a mosca da azeitona leva-nos uma parte da produção de azeite; o burgo invade os montados, forçando a reduzir a engorda dos suínos ou, antes, o número de suínos a engordar. E ao lado destas insuficiências verifica-se haver muitos agrónomos desocupados.
Se lançarmos as nossas vistas para o ensino, encontramos o seguinte quadro: desde 1926 os liceus masculinos de Lisboa foram aumentados apenas em uma unidade, apesar do acréscimo natural da população da capital e do fenómeno do urbanismo, que se fez sentir consideràvelmente nos últimos vinte e cinco anos. Estabeleceram-se turmas de quarenta alunos, o que, pedagogicamente, toda a gente acha mal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E como há muitas dezenas de professores sem emprego, a criação de novos liceus e o aumento do número de turmas impõe-se naturalmente. Paralelamente, a revisão das propinas no ensino técnico elementar, que fizeram desistir grande parte da população escolar dos cursos nocturnos, impõe-se também como uma necessidade.
E quanto ao ultramar? A este respeito tinha várias coisas a dizer, mas, pensando melhor, achei preferível guardar silêncio, porque não estamos isolados no Mundo. Apenas informo, a título de curiosidade, que no conjunto das províncias ultramarinas - regiões particularmente propícias ao desenvolvimento agro-pecuário - exercem a sua actividade cinquenta e sete veterinários e cinquenta agrónomos.
Tem-se falado muito na riqueza mineira de Angola. Ora o inventário dessa riqueza supõe estudos de prospecção. Para isso a Repartição Central dos Serviços Geológicos e de Minas dispõe de... um geólogo. E este mesmo .sujeito ao anátema lançado sobre a sua profissão: contratado em categoria inferior e sem direito a acesso.
E quantos botânicos, e quantos entomologistas, por exemplo, há em serviço nas províncias ultramarinas?
Mas há missões científicas... Sim, isso é bem louvável e muito necessário, mas, salvo o devido respeito, não me furto a dizer que o trabalho contínuo é que é lucrativo; o outro, quando rende 50 por cento já é muito bom, porque a outra metade perde-se em passeios.
Sr. Presidente: parece que, em face destes elementos, não será arrojo afirmar-se que no campo restrito da organização dos serviços a consideração de alguns problemas, sob um prisma mais actual, pode contribuir largamente para a redução do proletariado intelectual.
E, por último, não quero deixar de fazer referência ao remédio mais doloroso - a limitação de frequência dos cursos superiores.
Este remédio não poderá deixar de ser posto em prática desde já, para ajustar a frequência dos estabelecimentos de ensino à sua lotação normal; e, num futuro mais ou menos próximo, em maior extensão, para regular, se assim for necessário, a frequência das Universidades em harmonia com as possibilidades de absorção por parte do País, guardando-se embora a liberdade de em regime especial, todos os que o quiserem poderem adquirir cultura literária ou científica ou aumentarem a que já possuem.
É uma medida violenta? Parece-o mais do que, de facto, o é. Porque há-de toda a gente, homens e mulheres, poder ser médico ou engenheiro, se actualmente já só a alguns é permitido ser oficial do Exército ou da Marinha ou mesmo professor primário? Nem mesmo a qualquer é permitido abrir loja de padeiro ou de barbeiro onde lhe apetecer.
É, contudo, um problema que suscita diversos outros problemas, e muitas pessoas perguntarão desde já: e qual será o critério de selecção na admissão?
Por mim acho que não temos, ao discutir o assunto em tese, de nos prender com as modalidades de aplicação que poderão surgir quando forem, se chegarem a sê-lo, transportadas para o campo prático. Decerto, haveria muitos factores a atender e seria legítimo a todos alimentar receios neste país, onde o favoritismo e o empenho são uma sólida instituição nacional. Mas isso não deve obstar a que os problemas sejam encarados com coragem e com inteligência.
O Sr. Melo Machado: - Não parece a V. Ex.ª que as medidas que preconiza viriam transferir a crise para outras classes?