22 DE FEVEREIRO DE 1951 341
Para quem assistiu a esse acto e não viveu, em todos os seus escaninhos, os esplendores e misérias do problema, num passado ainda próximo, ele talvez pouco mais representasse, de facto, que a consagração solene e lógica de um esforço que mais concentrada e afincadamente vinha desenvolvendo-se de há meia dúzia de anos para cá.
A inauguração oficial dessa central, bem como a da de Venda Nova, no Cávado, que se lhe vai seguir, hão-de ficar a marcar, porém, na história do nosso tempo como bom mais alguma coisa do que isso.
Vozes - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não falo da grandiosidade da obra, nem das consequências materiais que se podem esperar para o País de tais empreendimentos.
Diga-se o que se disser, tirem-se todas as conclusões que, com inteligência mais ou menos aguda, nos julguemos na obrigação de tirar.
A verdade será sempre esta: sem energia, os corpos, mesmo inanimados, não andam e o próprio espírito do homem se esvai nas sonolôncias mórbidas de uma vida puramente vegetativa.
Sem energia a Nação não poderá progredir nem desenvolver-se, e a sua alma, minada por mil complexos de inferioridade o preocupações, de fundamento material, voltará a tender perder-se, outra vez, numa crise de aguda introversão psíquica e de paralisia de acção, de que tanto tem custado a arrancá-la nestes últimos vinte e cinco anos!
Não falo também dos benefícios de ordem pessoal que cada um de nós pode pensar em tirar de tal obra, porque há coisas sobro as quais, mesmo como técnico, tenho sempre um certo escrúpulo em fazer cálculos, e a vida e a prosperidade da Nação são das tais que não podem ter outra medida nem outro preço que não sejam aqueles que cada um de nós lho atribuir e está disposto a fazer vingar do mais fundo da sua consciência.
Não falo do nada disso.
Que coisa estranha foi essa então a que me quero referir, que não tem matéria, nem forma, nem preço, nem medida e que não ó vantagem nem lucro, mas que fez pulsar mais ligeiro o coração dos velhos e arrancar de suas arcas recordações antigas; que fez sonhar os novos o guardar em sua memória uma linda recordação de amanhã; que andou, enfim, no ar nesse dia de romaria, em que o bom povo português, vindo de longe, se mirou enlevado na profundidade de umas águas o se alcandorou por fragarias e alturas, dando-nos a sensação de um alerta geral num altivo castelo de uma pátria?
Para compreendermos bem o que se passou nesse dia temos de regressar, em espírito, meio milénio atrás, a essa época da ínclita geração, em que um infante, tão grande de génio como de virtudes heróicas, se isolou no culto teimoso de uma fé e levou os seus compatriotas a vencerem-se a si próprios e a um mundo de falsas superstições, simbolizado no derrotismo do célebre «Cabo Não», de que se voltaria ou não ..., mas que uma vez dobrado descobriu horizontes que muitos séculos depois ainda não tiveram fim!
Pois, meus senhores, para quem viveu e assistiu em nossos dias a essa angustiosa luta, travada longos anos, entre a fé inabalável de meia dúzia e a indiferença e o derrotismo quase colectivo - que chegou à ignomínia de duvidar da capacidade de recuperação e realizadora dos portugueses e de advogar em voz alta a entrega. a mãos estranhas de alguma coisa que era carne da nossa carne e alma da nossa alma! -, a inauguração a que me estou referindo significou principalmente isto, só isto, meus senhores: mais uma vitória estrondosa de um espírito gémeo do desse infante, precisamente sobre um derrotismo análogo, esse novo gigante Adamastor, cuja sombra maldita ainda vimos em nosso tempo, tolhendo-nos miseravelmente o passo nas sendas de um presente e de um futuro gloriosos, vividos apenas na satânica e sádica preocupação de uma autocrítica e humilhação sem limites !
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Poderá assim ainda quem quiser continuar a proferir o rastejar na sombra de todas as mediocridades e a exploração fácil de erros e insucessos
- sempre possíveis em toda a acção -, esquecidos, ou fazendo-se esquecidos, de que a inacção ó em si mesma o pior dos erros, senão um verdadeiro crime de
lesa-pátria e de lesa-consciência.
A parte sã da Nação terá, porém, compreendido mais uma vez que o único lugar digno para o seu espírito ó nas alturas, nessas cumeadas de ares límpidos e cintilantes horizontes onde a fé do homem quase chega a roçar os pés da própria divindade!...
Não destruamos então o milagre desse novo estado de alma, deixando insinuar-se no nosso espírito essa larva negra e sombria da dúvida ou da especulação malévola que começam já a deslizar por ai, alimentadas pela demora de um esclarecimento público, cujo retardamento nenhum benefício poderá já trazer ao problema do fundo da questão, e antes só o poderá agravar.
Disse o Sr. Presidente do Conselho no seu último discurso, de 12 de Dezembro passado, com aquela sinceridade e autoridade moral que quebram a frieza e a desconfiança dos espíritos mais cépticos, que «Governar, dirigindo a consciência nacional, eis a única função verdadeiramente consistente e séria».
Não percamos então mais tempo em dar claramente a conhecer o que se pensa afinal em matéria de uma política nacional da energia, problema de consequências tão transcendentes para o futuro do País, mas que nos pareço ver às vezes conduzido com uma hesitação ou falta de confiança que nos desorientam.
À parte cortas fatalidades resultantes da nossa inexperiência, modo de ser próprio ou motivos de força maior - que, acentue-se bem, de passagem, para evitar confusões, eram quase inevitáveis em tarefa de tanta envergadura -, não há na obra realizada nada de que nos tenhamos de envergonhar. Pelo contrário, e já aqui o demonstrei em sessão de 29 de Novembro passado, temos nela muito e muito de que nos orgulhar.
Para quê então essa hesitação, que se pressente visivelmente, em se dar uma satisfação pública sobre o assunto, se a maior parte das populações interessadas já hoje sabe que, por esta razão ou por aquela, houve qualquer coisa para que se não chamou a sua atenção a tempo e que agora não tem outro remédio senão moderar um pouco o somatório de benefícios pessoais com que contava?
Por Deus! Haja a coragem de se dizer tudo o que se deve, e quanto mais depressa melhor!
Se, por exemplo, se tem já a certeza, como tem constado por vezes, de que se terão de agravar em média de 30 a 40 por cento as tarifas de parte importante da região norte do País, não se esconda essa realidade e muito menos se iluda a mesma, por exemplo, com o subterfúgio do recurso a quaisquer fundos, que o resto da Nação terá de pagar, apenas com o fim de manter preços artificiais, que só servirão afinal para desorientar os próprios beneficiados, que possivelmente amanhã terão de suportar então um aumento bem mais forte e brusco do que o actual.
Vozes: - Muito bem, muito bem!