22 DE FEVEREIRO DE 1951 343
pacto de almas que fazia o desfazia com seu sopro maldito...
Passou-me, então, em rápida revoada pelo pensamento tudo o que naquele dia havia visto: o volume e a grandiosidade da obra que como técnico seguira friamente; a estrada e a ponte em que, antecipando-me ao tempo, havia já percorrido debaixo de água; a velha povoação da Venda Nova, que vai ser submergida, e de que a custo sentia apartarem-se, com os olhos rasos do água, muitos daqueles que à sua sombra haviam sido nados e criados; a jovem povoação da Venda Nova, garrida e moderna, olhando Segura do alto da sua colina a sua antepassada; aquele cemitério tão triste e tão só, numa encosta em frente, já sem a sombra amiga de uma cruz e cuja terra revolvida me deu a angustiosa sensação de ouvir o ruído. das preces de um pó santo que terá de ser lavado e girado nas turbinas do progresso, em holocausto à grandeza da sua pátria...
Sem saber porquê, vieram-me à ideia aquelas páginas de Selma Lagerlõf - essa adorável feiticeira da fantasia sueca - quando descreve o encontro do pequeno Nils com a cidade encantada de Vineta, que numa só noite em cada século emerge das águas durante uma hora o que o gnomozinho poderia ter retido para sempre à superfície da Terra se tivesse apanhado a tempo a única moeda de cobre corroído que teria tido esse poder.
Hesitei um momento na confusão de tantos sentimentos e ideias contraditórias, mas logo distingui perfeitamente, através dos séculos, o murmúrio das mil vozes do sacrifício de todos os nossos heróis, exprimindo unanimemente o voto de que também em Portugal nunca ninguém encontro a moeda de vil metal, corroída pelo azebre da maldade, do receio ou da indiferença, que possa deter o seu progresso, fazendo parar o pulsar constante das águas das suas barragens o que periodicamente há-de fazer voltar à clara luz do dia a memória desses lares e desses pedaços de terra que foram a luz dos olhos e da alma de tanta e tão pobre boa gente.
Que essa misteriosa alquimia dos sofrimentos, transformados em elevação, se repita, pois, pelos tempos fora nesta bendita terra que pisamos e que esse "Portugal eterno, nos ares, nos continentes e nos mares, possa continuar a erguer-se, sempre altivo, como um monumento sagrado às virtudes dos seus maiores e ao sacrifício anónimo de todos os seus pequenos e grandes heróis desconhecidos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu:- Sr. Presidente: se fosse lícito admitir que a Assembleia Nacional é constituída por representantes de classes e de interesses sociais nas suas diversas modalidades, como o é a Câmara Corporativa, bem podia dizer-se que a lavoura estava larga o brilhantemente representada.
Poder-se-ia mesmo acrescentar que nenhuma outra actividade de ordem administrativa, económica, cultural ou social tem na presente legislatura, um escol tão numeroso de competências técnicas e práticas. Disto tem havido sobejas provas na anterior e na decorrente sessão legislativa. E ainda bem que assim sucede, porque, como ainda há pouco li, a lavoura é o suporte da economia nacional.
Nestas circunstâncias, mais estranho deve parecer que em assuntos de lavoura se intrometa quem se limita ao granjeio de dois palmos de terra de que, afinal, principalmente beneficiam os humildes trabalhadores que aí empregam o seu braço. O que, aliás, não impediu que o órgão clandestino de uma seita, que quer convencer pela força e só pode viver da mentira, me catalogasse entre os grandes potentados da lavoura portuguesa!... Nem mais nem menos!
Seja-me, pois, relevado o abuso desta intromissão, aliás simples e limitada. E não é unicamente o interesse da lavoura que a determina: é, com o dela, e da Nação.
Andam alarmadas as populações rurais de várias regiões vinhateiras do País e, ao que parece, nomeadamente as do distrito de Aveiro. Alarmados os lavradores e os trabalhadores, que na vitivinicultura têm o campo quase exclusivo da sua actividade o muitos a única possibilidade de vida. E basta acrescentar que neste ramo se empregam 20 por cento ou mais da mão-de-obra agrícola do País para se justificar a importância do problema e a sua gravidade.
É que se tem propagado assustadoramente a moléstia que desde há anos a esta parte estava flagelando os vinhedos, ou seja uma cochonilha com a designação de
amola algodoeira" ou "algodão da vinha" e no vulgo por "ferrujão", devido, porventura, a as plantas e os frutos parecerem cobertos de ferrugem.
Destrói os pâmpanos e os cachos e acaba por matar a planta.
A praga, cujo veiculo principal é a formiga argentina, não tem sido combatida decidida e eficazmente, nem o pode ser só por simples iniciativa e acção dos particulares: uns porque não sabem, outros porque não podem, e todos porque a propagação é tal que torna irrelevantes os esforços que não sejam conjugados, a actuação que não seja geral e sistematizada. E, em qualquer caso, os tratamentos redundam em pura perda, se não forem realizados também nas propriedades vizinhas, ou mesmo em toda a região, com persistência o energia.
Os grandes e pequenos viticultores ainda não sabem combater radicalmente o mal, porque as indicações dadas e as experiências feitas não resultam eficientemente satisfatórias. E os pequenos lavradores não podem combatê-lo, porque não lhes foi apontada, nem porventura, existe terapêutica compatível com os seus modestos recursos, que mal chegam para o granjeio normal de uma das culturas da terra mais dispendiosas, absorventes e exaustivas.
Aconselha-se o descasque das copas, para que o parasita não se entranhe e as geadas o castiguem, e a aplicação de Otoclore, de calda sulfocálcica e outras substâncias oleosas.
Mas o efeito tem sido precário.
O Sr. Manuel Domingues Basto:- V. Ex.ª dá-me licença?
Se a organização da lavoura fosse o que devia ser, é evidente que, por intermédio dela, já teria sido chamada a atenção do Governo para o problema. Infelizmente, estamos perante a deficiência da organização da lavoura, que se patenteia neste e em muitos outros casos.
O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.
Os resultados estiveram particularmente à prova em 1950.
Eis os motivos por que se impõe uma intervenção mais completa e eficiente do Governo na resolução deste importante problema da economia nacional.
Decerto ele, através dos serviços competentes, não está alheio e indiferente ao assunto e reconhece a sua gravidade.
Mas julgo necessário proceder rápida e energicamente como:
Através da Direcção-Geral respectiva ou da Estação Agronómica Nacional, ou da Junta Nacional do Vinho, completar, se ainda é necessário, o estudo da moléstia e divulgar processos químicos ou biológicos simples e eficazes para o tratamento, concentrando de preferência este serviço num só departamento;