348 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 72
sem pretender ultrapassá-lo nem prejudicá-lo, e que tanto uni como outro sejam quanto possível confiados ao natural espírito de iniciativa da população, activado por toda a possível liberdade nos preços e na movimentação dos produtos agrícolas.
Temos de caminhar decididamente para a extinção de todos os artificialismos, mais ou menos discutíveis, que actualmente dominam e complicam estèrilmente a política de preços da maior parte dos produtos de origem agrícola.
No que respeita ao fomento industrial, satisfaz-me o espírito que informa a proposta de lei que virá a ser discutida nesta Assembleia sobre a modificação do condicionamento industrial, pelo que ela contém de sentido de maior liberdade consentida à iniciativa individual, e declaro-me sinceramente convencido de que, persistindo nessa orientação, conseguiremos, entre outros resultados, aliviar enormemente o Estado e o seu Tesouro dos seus encargos de assistência e das suas responsabilidades de banqueiro a que as circunstâncias anteriores o levaram.
Com tal orientação creio bem que conseguiremos melhorar grandemente as condições de vida de grande parte da nossa população, daquela parte, modesta mas numerosa, que moureja na província, e que, com dar-lhes mais trabalho e mais pão, pouparemos em despesas com hospitais e sanatórios, com esses gigantescos
falanstérios da doença que arranham os céus e também a nossa sensibilidade.
Discordei da orientação que nos últimos anos se adoptou com o investimento de dinheiros públicos em empreendimentos que, por sua natureza e fins, deveriam ficar exclusivamente a cargo da iniciativa particular.
Além de terem absorvido enormes somas que tanta falta fazem ao fomento directo da riqueza fundiária colectiva da Nação, essas participações financeiras do Estado em alguns casos assumiram aspectos cie favor impensados e por via de regra transformam-se no decurso da vida das empresas beneficiadas numa espécie de túnica de Nesso que lhes garante a generosa fidelidade do Estado consorte em matéria de isenções e privilégios tributários, em garantia de preços, em direitos de requisição e expropriação, a maior parte das Vezes para elas comodamente realizarem fiais opostos ao espírito do artigo 33.º da nossa Constituição: em lugar de maiores benefícios sociais, prejuízos que derivam de um parasitismo restrito incrustado no sistema económico colectivo, ao mesmo tempo que outras vezes, com empreendimentos tanto ou mais úteis, tanto ou mais necessários, mas que não conseguiram colaboração financeira do Estado, a atitude deste é exclusivamente de preocupação fiscal.
Há, a meu ver, também que proceder a uma reforma no regime de relações fiscais entre o Estado e as empresas, porque todos os corolários que derivaram da reforma tributária de 1929, no que respeita a sociedades anónimas e por quotas, muito têm contribuído para afugentar o capital particular do investimento em iniciativas interessantes e com isso têm forçado, repito, o Tesouro a suprir essa falta, levando-o à situação de quase esgotamento em que veio a
encontrar-se.
Modificando essa situação, e em face da viragem que se desenha na conjuntura económica nacional, é legítimo esperar que em breve o Tesouro Público volte a dispor de avultadas disponibilidades e que se possa contar com um mínimo anual de 1 milhão de contos para consignar ao fomento directo do País, excluindo deste conceito de fomento aquelas despesos a que se refere o Sr. Presidente do Conselho no seu último discurso, as que são exigidas pelo desenvolvimento dos serviços, mas não podem considerar-se reprodutivas, e também aquelas exigidas pela defesa nacional, que deveriam ter no orçamento ordinário o seu lugar e a sua provisão.
Não quero terminar, Sr. Presidente, sem aqui deixar consignada uma palavra de sincera homenagem ao nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, pela insuperável tenacidade com que desde sempre se tem dedicado ao estudo do levantamento económico do País, formulando o meu ardente voto de que, pelo menos, resulte deste debate a corporização da sua velha ideia da necessidade de uma junta central de economia. Quero crer, Sr. Presidente, que se tal organismo já existisse, com as funções e a competência que devem ser-lhe atribuídas, não deixaria consumar-se agora, por exemplo, este tremendo erro económico da instalação em Lisboa de um matadouro gigante, cujo funcionamento vai representar um prejuízo de centenas de contos por ano para a pecuária nacional, com a perda de milhares de calorias para a economia alimentar do País.
Agradeço a V. Ex.ª e à Assembleia a magnífica paciência com que se dispuseram a escutar-me (não apoiados) e espero também que da discussão do meu aviso prévio resulte, como há dezasseis anos, mais uma manifestação da nossa fé inquebrantável nos destinos de Portugal e de confiança na clarividência e no patriotismo dos homens eminentes a quem eles neste momento se encontram confiados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sequeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Considero generalizado o debate.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : a intervenção do nosso ilustre colega Sr. Major Mendes do Amaral é sempre útil e proveitosa.
Mais uma vez a sua brilhante inteligência pôs perante a Câmara um dos problemas de maior interesse e de maior actualidade.
Cumpro-nos, secundando a sua brilhante acção, procurar dar satisfação ao desejo expresso por S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, pronunciando-nos sobre o programa futuro da reconstituição económica.
Terminada a vigência da Lei n.º 1:914, apesar do espantoso desenvolvimento que sob a sua influência foi possível realizar, surgiram algumas críticas.
Não é para admirar que tal suceda, pois, em matéria tão vasta e de tão grande alcance, milagre seria coincidirem absolutamente todos os critérios. Mas regozijemo-nos por que assim seja, por que, felizmente, essa crítica apareça, pois, na verdade, ela ó a prova iniludível de que existe o objecto criticado, isto é, existe uma obra de reconstituição económica, em que se gastaram, não os 6.500:000 contos prometidos, mas o dobro ou mesmo mais, se tivermos em consideração os empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e das caixas de previdência e ainda a colaboração dos organismos de coordenação económica.
Uma obra que marca uma época e o valor dos que a ela presidiram, a orientaram e tornaram realidade; uma obra que, se puder ser continuada, mudará os destinos do País, aliás já bem diferentes daquela mísera estagnação em que se viveu até 1926.
Entre as críticas que tenho ouvido, já por ser a mais recente, já pela posição de relevo que ocupa quem a produziu, uma das que mais me impressionaram foi aquela feita aqui ultimamente durante a discussão da Lei de