346 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 72
tal. Para este sector, cuja actividade é sobretudo função do trabalho braçal e depende minimamente do equipamento mecânico, a superveniência da guerra é desculpa demasiadamente débil para contrapor ao prejuízo económico que aquele atraso representa para um país que anualmente exporta mais de 1.000:000 de contos de produtos de origem silvícola e que mantém ainda largamente desarborizadas as maiores bacias hidrográficas do seu sistema fluvial.
Em verdade, não se pode acusar o Governo de desinteresse pelo desenvolvimento económico do País, mas o que se pode é lamentar que se não tivesse caminhado um pouco mais depressa e mais orientadamente.
Temos presente que a guerra trouxe dificuldades e restrições a muitas importações necessárias ao equipamento nacional, mas estou convencido de que não foi só por isso que se não iniciaram ou não se activaram mais certas obras de primeira necessidade e urgência. Não me resta dúvida de que se sentiu em dado momento a falta de disciplina de um programa rigoroso de trabalhos e de um organismo coordenador de movimentos entre os Ministérios da Economia e das Obras Públicas responsável perante o Governo pelo cumprimento daquele programa.
Não falta quem afirme que se perdeu muito tempo e muito dinheiro com furtas hesitações e modificações de projectos de muitas obras; mas também se compreende que tal tenha sucedido, sobretudo na fase inicial de audaciosa aprendizagem em que teve de lançar-se a engenharia portuguesa, e manda a verdade que se diga que aquilo que realizou em matéria de estradas, pontes e edifícios públicos será para ela um lídimo padrão de glória e ficará a atestar que cumpriu a divisa imposta pelo Ministro Duarte Pacheco de construir para cem anos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Enquanto se produziu com esta apontada evolução da administração pública a entrada na circulação económica do País de tão apreciável devolução de impostos, a Grande Guerra, alterando profundamente a conjuntara económica universal, fazia entrar em Portugal, por refúgio de capitais estranhos e por incremento anormal de exportações sem contrapartida equivalente de importações, um e outro fenómeno libertos do travão da mecânica cambial, uma tal torrente de recursos monetários que a nossa circulação fiduciária real subiu rapidamente do plafond normal dos 2 milhões de contos para 8 milhões.
E, em que pese aos adversários da teoria quantitativa dos preços, a verdade é que estes reflectiram imediatamente a pressão correspondente.
Nem podia deixar de ser assim, porquanto ao aumento normal e incidental da população do País acresceu a subida específica - pelo menos parcial - do seu nível de vida, e, não tendo aumentado correlativamente - paralelamente - a produção dos bens de consumo, era fatal que o aumento do custo da vida tenderia a traduzir-se pelo multiplicador 4.
Se está apenas perto do multiplicador 3, isso se deve exclusivamente ao apertado policiamento dos preços exercido pelo Governo.
Pelo que se infere da estatística agrícola oficial não houve aumento sensível da média de produção do decénio de 1925-1935 para a média de 1936-1948 dos principais géneros alimentícios: trigo, milho, centeio, legumes, batata e azeite, exceptuando-se precisamente o caso do arroz, graças ao aumento de produção verificado em 1950 com a entrada em serviço da irrigação das albufeiras do vale do Sado.
A produção e consumo de carne acusou neste período de quinze anos uma tendência para aumento, mas este apenas nos ovinos e suínos; mas o consumo de carne bovina, que é neste capítulo o verdadeiro índice da subida do nível de vida média, continua a acusar baixa capitação.
A diferença entre o efectivo bovino de 1870, 520:000 cabeças para menos de 4 milhões de habitantes, e o efectivo de 800:000 previsto para o ano de 1950, para 8 milhões, é sintomática e a conclusão última a tirar nesta matéria é a necessidade de aumentar a área de cultura de plantas forrageiras, o que hoje em Portugal só pode conseguir-se por via de irrigação.
No que respeita à pesca desembarcada, se tivéssemos de fazer fé apenas pelos números da estatística oficial - 211:000 toneladas, com o valor de 197:000 contos, em 1938 e 215:000 toneladas, com o valor de 920:000 contos, em 1949-, teríamos de concluir que este sector económico teria vivido em regime estático quanto à produção e como que à margem da economia dirigida, obedecendo apenas, quanto a preços, à teoria quantitativa da moeda.
Mas devo lealmente declarar que fui particularmente esclarecido de que os números estatísticos oficiais não correspondem à realidade das coisas, porque efectivamente se pesca hoje bastante mais do que em 1938 e que só por circunstanciais de ordem natural que escapam ião domínio da indústria, e ainda pela falta de uma boa instalação frigorífica destinada a compensar as
irregularidades naturais da produção e as oscilações do consumo é que este problema alimentar não está em melhor posição; esta é, de resto, caracterizada hoje por uma relativa carência e consequente tendência para agravamento de preço nas espécies mais1 finas de pescado e por lima efectiva abundância e barateamento de preço das espécies menos apreciadas.
Sem que tenha havido, portanto, o necessário aumento da produção de alimentos, constata-se terem subido apreciàvelmente as capitações de consumo dos géneros para cujo abastecimento concorreu a importação e terem baixado aquelas cujo consumo se limitou à produção nacional: a do trigo subiu de 57kg,5 para 68kg,5; a da batata de 82kg,4 para 106klt,8; a do feijão de 4kB,7 para 5kB,2 e a da carne de 8kg,27 para 9 quilogramas; mas baixou a do arroz de 10kg,2 para 9 quilogramas ; a do grão de lkg,23 para lkg,17, e a do azeite de 8 para 6kg,5, donde se conclui que destes últimos géneros o português teria comido mais se mais tivesse e muito mais ainda se os preços o permitissem.
Subiu de facto o nível de vida ide uma apreciável parte da população portuguesa, roas- o de grande parte, daquela que é constituída pelo funcionalismo público e privado e pelo grande sector do trabalho rural, esse está longe de ser o que deveria ser (apoiados). Se é exacto o índice do custo da vida em 1950, o trabalhador rural alentejano, com o salário, à volta de 16$, que está auferindo, recebe em poder de compra menos do que auferia com 10$ entre 1930 e 1940.
Podemos concluir de um modo geral que relativamente defronta-mos hoje maior carência de alimentos do que há quinze anos: podemos concluir que há um
profundo desequilíbrio, um grande desnivelamento de condições de vida entre as várias classes da população portuguesa, a que é mister acima de tudo obtemperar. Primum vivere ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pelo que acabo de expor, julgo da mais elementar coerência atacar com energia os problemas de cuja solução pode provir maior aumento de