342 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 72
O Orador: - Não se deve criar aí, sobretudo, a falsa e perigosa ideia ao que se a energia não baixa foi porque os aproveitamentos ficaram caros.
Chama-se a atenção muito simplesmente para o facto de que, e o índice geral do custo de vida sofreu um agravamento de mais de 100 por cento com a guerra - e o do custo dois materiais eléctricos foi bem maior do que esse -, não pode de maneira nenhuma pensar-se em descer mais ainda tarifas que já eram boas em 1940.
O confronto daquele aumento mínimo de 100 por cento dos índices de custo com o de 30 a 40 por cento a que me acabo de referir - e mais os 10 por cento já verificados durante a guerra mostra-nos mesmo que as tarifas assim corrigidas ficarão correspondendo a um valor equivalente a cerca de 75 por cento do de antes da guerra.
Quer dizer: já há muito que baixaram por aí mesmas, e bem o dizem, por exemplo, o fulminante desenvolvimento do consumo de energia verificado na cidade do Porto e os deficits de exploração dos respectivos serviços municipalizados.
Quanto a Lisboa, o problema parece ser bastante diferente da do Porto, pois que a simples passagem do sistema de produção térmica a hídrica deveria acarretar um muito sensível benefício tarifário, se se instalações relativas àquela estivessem já amortizadas e pudessem totalmente ser dispensadas. Infelizmente, porém, tal não sucede ainda.
Primeiro, porque a existência de uma única linha de alta tensão entro o Zêzere e Lisboa deve logicamente levar, como medida de elementar precaução, a manter constantemente acesas, ainda que a fogo brando, um número mínimo de caldeiras, isto, é claro, não querendo correr-se o risco de, em caso de avaria grave nessa linha, ter toda a vida de Lisboa parada durante três a quatro horas, à espera que possam ser postas em pressão caldeiras que estejam totalmente apagadas.
Segundo, porque, produzindo a central do Castelo de Bode uma média de 800 milhões de kWh por ano, dos quais 50 milhões, pelo menos, tem de ser destinados ao funcionamento do Amoníaco Português em 1952, a respectiva produção já não chega para cobrir as necessidades actuais satisfeitas através da Central Tejo - para mais crescendo a uma cadência muito perto dos 10 por cento, por ano -, não se podendo, portanto, assim dispor ainda da energia hídrica suficiente para se poder fomentar uma multiplicação rápida desse consumo e a correspondente diluição substancial dos encargos gerais de distribuição porta a porta por um muito maior volume de energia vendida.
E é aqui afinal que está a principal chave do problema dos baixos preços de venda de energia eléctrica em todo o Mundo o que ninguém pense que se poderá resolver só com preocupações ou campanhas de finalidade meramente demagógica.
Resolve-se, sim, com a construção das linhas o contrais que forem precisas, com o fomento nacional do consumo em função das possibilidades ao cada momento, com uma consciência colectiva suficientemente esclarecida para não pedir impossíveis antes de tempo e não se deixar apaixonar a tal ponto que chega às vezes a parecer que só os problemas da energia em Lisboa e Porto são os únicos que contam num conjunto de interesses de oito milhões de portugueses e que estes a única aplicação que ainda lhe encontraram e por que se interessam é a da sua prosaica utilização nos usos domésticos, importantes sim, mas não os principais, e muito menos aqueles em que havemos de fundar a conquista do nosso bem-estar futuro.
É qualquer coisa como isto, segundo receio, que terá de ser dito por quem de direito e de que eu não desejaria ter sido o primeiro a levantar a ponta do véu.
Mas já agora avanço mais: parece mais do que patente que chegou a hora de se definir claramente qual a posição que vamos tomar em matéria de política de energia.
Dispõe-se o Estado a chamar a si a responsabilidade do financiamento e da realização oportuna dos futuros empreendimentos e construção das redes de alta e baixa tensão necessárias a uma electrificação satisfatória do País?
Se se não dispõe, qual a orientação que conta seguir para interessar os capitais particulares nessa tarefa e como pensa, sobretudo, ladear a dificuldade da electrificação de vastas regiões do País - como a do Nordeste, o Baixo Alentejo e o Algarve - de exploração inicialmente não rentável, nem talvez durante muitos anos ainda, mas que também são gente?
E evidente que a primeira solução seria a mais compatível com uma política de energia abundante, acessível geograficamente e barata.
Mas, se o Estado não pode com todo esse esforço e com outros que cada vez mais se lhe podem, então parece melhor que entre não ter energia nenhuma em tão vastas e importantes regiões do País e a de ao pedir um pequeno sacrifício no preço das que estão electricamente mais avançadas não há que hesitar, mas é então também necessário que tal se saiba, desde já, e sem se deixarem criar igualmente aí motivos para outras decepções.
Apoiados.
Em suma, tudo isto são, de facto, aspectos melindrosos e aborrecidos de uma questão das mais vitais para o futuro progresso do País, mas que ao não podem resolver com silêncios, dúvidas ou desconfianças.
t preciso, antes de mais nada, mostrarmos confiança nos trilhos que estamos seguindo e na obra gigantesca que vimos realizando.
Não basta só dizermos que temos fé. É necessário também incuti-la nos outros e não os deixarmos perdê-la por nossa culpa.
Ainda há poucos meses, e por um acaso estranho, me foi dado sentir como nunca esse imperativo em relação aos problemas eléctricos.
Por amável deferência da actual administração clã Hidro-Elétrica do Cávado - que, num esforço exaustivo, tem procurado compensar, com a maior dedicação, as fatalidades de um passado -, encontrava-me, sozinho, numa elevação de terreno que dominava vasta região montanhosa até há pouco desconhecida e perdida humildemente perto da fronteira noroeste do País, entre as serras do Gerês e da Cabreira.
Havia já visitado as obras da barragem, a aldeia velha que vai ser inundada e a nova que a vai substituir e viajado, a quase 100 quilómetros à hora, através de uma ponte e de uma estrada que esperam apenas a passagem de certas peças pesadas para também serem alagadas ...
Era um desses fins de tarde de sonho em que é fértil a paisagem portuguesa do Outono.
À majestade azulina das serranias em volta soldava-se a policromia estranha de um céu de maravilha, a que a terra respondia, em uníssono, com um hino glorioso de tons, de contraluzes e de sombras!
De repente, um raio de luz, coado estranhamente das alturas, fez-me ver, envolta já no anil da neblina de um dia que morre, a linha de alta tensão, que, na suavidade do seu traçado, galgava agilmente o dorso da montanha, desferida como um dardo de prata apontado ao coração do País ...
Confesso que tremi e me comovi: havia qualquer coisa como uma mensagem do Alto naquele espectáculo surpreendente que os meus olhos atónitos estavam vendo, ali precisamente naquele monte, a cujos pós coleava o Cávado e lá ao fundo, bem ao fundo, alvejava, num vértice, de negrume do crepúsculo e dos pinheirais, a velha ponte em que, diz a lenda, Satanás aparecia e tinha um