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416 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74

ção a ninguém deve mais do que à Igreja Católica. Suo conhecidas as opiniões a este respeito de Mazzini, Guisot, Minghetti e outros mais recentes.
Sendo assim, é preciso dar à Igreja a possibilidade de defender e continuar a sua obra. Urge armar espiritualmente o Ocidente, dando aos valores espirituais a sua plena eficiência, sem receio de ir até ao fim. A uma negação total há que opor a afirmação total de tais valores-de Deus, da pessoa humana, da missão redentora de Cristo, prolongada no tempo e no espaço pela sua Igreja. Na mobilização geral de energias que vai pelo mundo ocidental, para enfrentar os riscos desta hora, as energias morais não podem ser dispensadas.
Finalmente, qualquer alteração a introduzir neste título da Constituição há-de exprimir o actual grau de relações entre a Igreja e o Estado e da situação religiosa do País, pois não seria bem que ela estivesse ou parecesse estar em desarmonia com as realidades nacionais.
Ora, desde 1933 para cá há mudanças substanciais a registar nesta matéria. Celebrou-se uma concordata entre Portugal e a Santa Sé, na qual se resolveram vários problemas de interesse comum, se regulou, «de modo estável, a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal» e se estabeleceram «relações amigáveis» entre os dois poderes. A Igreja e o Estado têm-se dado as mãos em actividades de interesse verdadeiramente nacional, como a educação da juventude, as missões ultramarinas, a defesa da tranquilidade pública e dos bons costumes e outras. Já longe da hostilidade de há quarenta anos, ou mesmo da simples neutralidade agnóstica de marca liberal, o Estado, na pessoa dos seus mais altos representantes, tem assistido a actos religiosos nos templos e fora deles, procurado, com vivo interesse, assistência religiosa em institutos educativos e assistenciais e tomado a iniciativa de determinadas cerimónias religiosas em festas e comemorações oficiais.
E se à verificação consoladora e altamente nobilitante destes factos acrescentarmos que mais de 90 por cento dos portugueses se declararam livremente católicos no censo de há dez anos, que a Igreja se tem internamente fortalecido e purificado e externamente consagrado a uma obra eminentemente apostólica e benfazeja, que, ao contrário do que poderia parecer, o nível religioso da população portuguesa se tem elevado nos últimos tempos em escala sempre crescente, como provam as estatísticas, teremos encontrado razões mais que suficientes para justificar as modificações que nos vamos permitir apresentar à proposta de lei do Governo.

II

Exame na especialidade

ARTIGO 45.º

1. Há na proposta de lei governamental, a nosso ver, uma falta grave: não confessar expressamente Deus. Não se admitindo ou ignorando-se Deus, não tem razão de ser o «culto nem vale a pena legislar sobre ele. Não admitindo a nossa Constituição formalmente a existência de Deus, não vai, neste ponto, muito além da Constituição Soviética, que também afirma a Liberdade de exercer os cultos- religiosos (Constituição de 1936, artigo 124.º). E certo que se afirma essa liberdade em teoria, mas nega-se depois Deus em toda a vida oficial e difunde-se pelos órgãos oficiais de legislação, de governo, de ensino e de propaganda o ateísmo absoluto. Só há, porém, vantagem em evitar qualquer espécie de paralelismo com ela. Se Deus existe, há que confessá-lo, reconhecer o Seu domínio supremo e prestar-Lhe o devido culto. E esta obrigação impende tanto sobre os indivíduos singularmente considerados como sobre o próprio Estado, que os representa.

2. O nome de Deus é expressamente invocado na Constituição de várias nações. Assim, para só citar alguns exemplos, a Constituição brasileira fá-lo numa espécie de preâmbulo, por estas palavras: «Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a protecção de Deus, em Assembleia Constituinte»; a da Irlanda, no artigo 44.º, em que trata da religião, desta maneira: «O Estado reconhece que a homenagem de culto público é devida a Deus Omnipotente. O Estado prestará reverência ao Seu nome e respeitará e honrará a religião», e, finalmente, a Constituição polaca de 1921, que vigorou até à invasão russa, começa pelas palavras: «Em nome de Deus Omnipotente», e o Chefe do Estado inicia o seu juramento dizendo: «Juro perante Deus Omnipotente, único na Trindade Santa», e termina-o assim: «Que Deus e a Santa Paixão de Seu Filho me ajudem. Amém».

3. Três razões poderiam ser apresentadas contra a inclusão do nome de Deus, agora, ma nossa Constituição: tratar-se de uma simples revisão, e não de uma Constituição nova, não agradar isso possivelmente a algum s portugueses e ir-se de encontro ao princípio dia neutralidade do Estado.
A primeira não colhe, porque a invocação do nome de Deus pode ser feita neste mesmo artigo 45.º, onde aliás fica bem, como acontece na Constituição irlandesa, e nada mais implicará do que tornar explícito o que está implícito e completar o que está incompleto. Noutros títulos a revisão chega a introduzir matéria nova e não se vê nisso inconveniente.
A segunda diremos que a grande maioria dos portugueses aceitará e aplaudirá a invocação de Deus, o que, só por si, basta para tornar improcedente a objecção; e acrescentaremos que nada vale contra o direito de Deus a opinião, aliás infundada, de alguns homens. Por nossa parte não podemos ficar de consciência tranquila miem Deus abençoará o nosso trabalho se, por tão insignificantes razões, deixarmos de O confessar.
Poderia ainda argumentar-se com a neutralidade do Estado. Mas, além da verificação do facto acima feita, se tivermos presente que o Estado nada mais é do que a união de indivíduos politicamente organizados; que tanto os indivíduos como a sociedade tiram a sua existência de Deus, autor da natureza, humana - pois a natureza humana necessita de viver em sociedade para conservação e aperfeiçoamento da vida física, intelectual e moral, conservação e propagação do género humano e defesa comum do património jurídico -, e, ainda, que toda a pessoa física ou moral, dependente de outrem, deve reconhecer a sua dependência, já nos não será difícil admitir que a própria sociedade política deve confessar a sua dependência de Deus, tributando-Lhe o culto que merece.
O Estado Novo, numa frase histórica do Sr. Presidente do Conselho, não discute Deus. Reconhece-O, portanto, e, reconhecendo-O, não pode negar-se a cumprir o seu dever para com Ele.

4. A redacção governamental deste artigo merece-nos também reparo quando emprega a palavra «separação». Em toda a parte, mas especialmente em Portugal, ela conserva um sentido pejorativo, odioso e hostil, que não está por certo no animo dos legisladores. Recorda a lei iníqua que em 1911 tanto agravou e humilhou a Igreja e a bandeira que presidiu à perseguição religiosa dos primeiros tempos da República. Não é palavra de paz, é grito de guerra; não significa união, mas divisão, da família portuguesa. E se no tempo em