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584 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82

Estava tudo arruinado porque esses cartórios não foram criados arbitrariamente. Não foram criados pelo prazer de dotar uma povoarão com mais um melhoramento, com uni cartório do notário. Foram criados porque representavam realmente uma comodidade para a população rural, de que aqui tanto se fala. Pensam todos que deve combater-se a praga do urbanismo, e eu vejo que, em muitos casos, está longe do satisfazer essa legítima aspiração de pedir ao homem da terra que nela se conserve e se mantenha naquela paz do campo com a serenidade de consciência e com a resignação de viver fora do fulgor das cidades, com todos os perigos e com todas as consequências nocivas da vida das grandes urbes.
Mas, Sr. Presidente, foi precisamente para servir os povos que se criaram os cartórios.
Para tratar concretamente do caso devo dizer que há dois cartórios na comarca e concelho de Santarém que estão a mais de 20 quilómetros de distância da sede.
Para um simples reconhecimento, para uma procuração, pura um testamento que tem de fazer-se rapidamente, em caso extremo, a fim de registar a última vontade de uma pessoa que quer deixar os seus haveres a quem os merece, para tudo isto é preciso ir à cidade, andar 20 quilómetros, correr todos os riscos e dispêndios e demoras que tal deslocação importa.
Não foi justo o Sr. Deputado Sá Carneiro quando declarou que os notários são simples procuradores dos povos.
Os notários são mais do que procuradores dos povos. Não se trata apenas de reconhecer assinaturas.
Fazem escrituras, testamentos, procurações; prestam todos os serviços notariais, e às vezes com mais competência, com mais elevação, com melhor conhecimento das pessoas do que muitos notários das cidades, porque é sempre mais fácil ao notário de uma aldeia ou vila identificar as pessoas do que ao dos centros urbanos, onde quase ninguém se conhece.
Parece que o ponto fundamental neste assunto é o dos ordenados dos notários. Por causa deles sé mantém o regime das secretarias. Não concordo com as secretarias. A secretaria notarial para que serve?
Aqueles notários que sabem e trabalham continuam a saber e a trabalhar, mas os que não trabalham, apesar da distribuição de serviço, continuam a trabalhar menos e mal, sem vantagem para o contribuinte. Quem tem vantagem? São os advogados.
Eu falo pela corporação, porque hoje quem quer um contrato elaborado com clareza e com segurança não recorre, como antigamente, ao notário. Recorre ao advogado, porque é o único que lhe dá garantia de que as cláusulas que constam da escritura são válidas e que as disposições testamentárias são claras e produzem todos os seus efeitos futuros. O advogado faz a minuta, a parte paga, e paga também ao notário. Fica mais caro e não é mais cómodo.
E, como a secretaria notarial importa uma certa despesa, vá de suprimir-se três, quatro ou dez cartórios de notários, simplesmente porque não renderam o suficiente para comportarem um dispêndio de 700 contos. Isto seria ridículo, se não fosse lamentável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A comodidade dos povos está em primeiro lugar, e tem a aboná-la e a garanti-la a existência secular dos cartórios.
Um cartório do concelho de Santarém tem trezentos o trinta anos de existência. E vai suprimir-se com uma penada, simplesmente porque não rende; vai-se suprimi-lo e até suprimir um traço histórico de uma terra próspera que sustenta muito bem o seu notário.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas quando se põe o problema da comodidade a opinião de V. Ex.ª conduziria ao seguinte: há terras, pelo menos, nas mesmas condições daquela a que V. Ex.ª se refere; ora essas terras, para comodidade dos povos, deviam também ter notário, conservador do registo predial, juiz de direito, etc.

O Orador: - Em tese, V. Ex.ª tem absoluta razão: todos os serviços públicos devem estar o mais próximo possível de quem precisa deles. Simplesmente, como isso não é possível, e como há já serviços criados, não se devem suprimir, para bem da comodidade dos povos. Pela orgânica dos serviços, não há vantagem absolutamente nenhuma na supressão dos poucos cartórios notariais disseminados nos sítios mais distantes dos centros urbanos e sob o ponto de vista da economia do Estado também não vejo vantagem; mas ainda que o Estado tivesse de fazer um pequeno sacrifício devia manter esses cartórios, porque os serviços da justiça não são para dar rendimento.
Apoiados.
O Ministério da Justiça não é uma fonte de receita, mas sim um encargo necessário à vida pública do País.
Apoiados.
For vezes faz-se esta confusão: quando as coisas não dão rendimento, não se admitem. E um critério que nos outros Ministérios está bem, mas que no Ministério da Justiça não se admite.
Sobretudo, temos de não descontentar a gente das povoações, essas populações rurais tão trabalhadoras, tão disciplinadas, tão amigas da sua terra, tão resignadas e que pagam tão bem, e com tanto sacrifício, os impostos que se lhes exigem para satisfação de todas as necessidades do País.
Vamos, portanto, ao encontro dessas populações mantendo o que está. Já que se não podem criar mais cartórios, ao menos que não se suprimam aqueles que existem.
Este é o espirito da minha proposta.
É este o ponto de vista que defendo, na certeza, Sr. Presidente, de que defendo a boa causa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: vou afogar, porventura em falta de interesse, a viva curiosidade que a juventude estuante do Sr. Deputado Carlos Borges trouxe ao debate acerca do artigo 1.º
Nem por isso deixo de o fazer, já que estou perfeitamente convencido de que o Sr. Deputado Carlos Borges está fora da razão.
E vou explicar: a solução correcta, a solução verdadeira, a solução exacta do problema proposto está, na verdade, na redacção da proposta do Governo. Salientou-o sob o aspecto, digamos, orçamentológico o Sr. Deputado Sá Carneiro.
Talvez me seja possível dar à Câmara algumas informações preciosas para ajuizar acerca da moralidade dessa redacção, acerca da moralidade que coexiste com o projecto de supressão desses lugares fora das sedes dos concelhos.
Mas, antes de o fazer, seja-me dado responder a uma ou outra das razões emocionalmente mais valiosas que foram postas pelo Sr. Deputado Carlos Borges.

O Sr. Carlos Borges: - Já o velho Gustavo Le Bon dizia que a emoção e o sentimentalismo valem muito em política.