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10 DE MARÇO DE 1951 585

O Orador: - Simplesmente, em política também, de quando em vez, é bom refrear as emoções.

O Sr. Manuel Lourinho: - Mas não falsear a verdade. ..

O Orador: - Não é para falsear a verdade que aqui estamos, Sr. Deputado.
O Sr. Dr. Carlos Borges, impugnando a afirmação do Sr. Deputado Sá Carneiro de que os notários das freguesias pouco mais faziam do que reconhecimentos, chamou a atenção da Câmara para o facto de que esses notários fazem também escrituras dos mais variados contratos, testamentos e todos os actos próprios do seu oficio.
E disse que, em ordem a servir a comodidade dos povos, por essa razão, deveriam manter-se os lugares actualmente existentes.
É preciso salientar à Câmara, mormente àqueles dos nossos colegas que não têm contacto com estes serviços, o seguinte facto: é coexistente exigência da lei que para o testamento e para a escritura se apresente ao notário um documento comprovativo, que fica a fazer parte do arquivo de documentos respeitantes ao acto que se pratica, em que se certifique a inscrição matricial e a descrição predial do prédio ou prédios a que o acto se refere.

O Sr. Carlos Borges: - Para o testamento e para que mais?

O Orador: - Para o testamento e para as escrituras.
Só em casos excepcionais, e para o testamento apenas, havendo urgência em fazer testamento, é que o notário pode dispensar os outorgantes da apresentação desses documentos.
Daqui se tira necessariamente a conclusão de que a comodidade dos povos, se é servida com a existência do cartório notarial na freguesia, é desservida com a exigência da lei que, na maioria dos casos, obriga a deslocações à sede do concelho para obter esses documentos...
Aqui tem VV. Ex.ªs em que medida podemos considerar e admitir como procedente o invocarei o argumento da comodidade dos povos.
Por outro lado, há razões, à primeira vista muito especiosas, de que existem cartórios muito velhos, de alguns séculos, e nessas condições, porque velhos, nada há de estranhável em que sejam suprimidos. Mas a sua sobrevivência através de tantas décadas, de alguns séculos até, pode ser que não se justifique hoje, porque, se nesses tempos era preciso ter em conta as dificuldades de meios de transporte, actualmente esse problema quase não se põe.

O Sr. Salvador Teixeira: - Nem em toda a parte. No meu distrito - o de Bragança - a crise de comunicações é muito grande.

O Orador: - Talvez V. Ex.ª não possa dizer qual ou quais cartórios nessas condições existem no distrito de Bragança.

O Sr. Salvador Teixeira: - Exactamente por isso me sinto mais à vontade. Mas devo dizer a V. Ex.ª que me sinto impressionado por não se ter pelas populações rurais o carinho que lhes é devido.
É certo que essas populações não podem ir pagar quantias elevadas pelas suas propriedades, mas faço votos para que se possam dotar essas populações, que não podem deslocar-se em magníficos Packards, mas somente a pé, com as condições mais favoráveis.

O Orador: - O problema, então, não é o de haver mais ou menos cartórios, mas mais e melhores meios de comunicações entre os povos.

O Sr. Salvador Teixeira: - Tudo o que se fizer pelas populações rurais redunda em beneficio da Nação, em beneficio da sua independência, que assenta nessas populações. Por isso tudo, o que fizermos em seu benefício será em benefício da Nação que havemos de legar aos nossos filhos.

O Orador: - Quanto a este aspecto, posso prestar alguns esclarecimentos, porque sou um provinciano bem ruralizado. É até agradável ao nosso homem da terra ter o seu dia de folga quando vai melhorar o rancho na estalagem da vila e o aproveita para fazer o que precisa.

O Sr. Pinto Barriga: - Enquanto V. Ex.ª faz a sua deslocação de automóvel, essas populações rurais fazem-na a pé.

O Orador: - Mas, quando a fazem a pé, mesmo assim redunda em benefício para si, porque a marcha ú um salutar exercício físico.
Ao focar aquilo a que chamo o aspecto moral que justifica esta parte da proposta de lei, posso, em parte, responder àquelas razões de existência de velhos cartórios notariais.
Em tempos, sabemos nós, os que somos da província, chegaram a dar-se cartas de tabelião de notas a múltiplos sujeitos que dispunham de uns quantos votos para mobilizar em alturas de eleições.

O Sr. Carlos Borges: - E só aos tabeliães? V. Ex.ª é muito jovem o sabe pouco de história política.

O Orador: - Mas tenho dela a informação que V. Ex.ª tem.
Conheço o caso da minha comarca, em que chegou a haver dez tabeliães de notas!
Só em Avança havia dois e, então, esses tabeliães calcorreavam toda a área do concelho na sua velha mula, fazendo testamentos, um. cada semana, e muito maior ainda a volubilidade dos testadores, porque o dinheiro era muito, escrevendo ao mesmo tempo cartas às mulheres com os maridos ausentes, cartas aos emigrantes com as saudades da terra e as esperanças de regresso feliz. Foi assim que se fizeram muitos desses cartórios. Havia também muita imoralidade a servir interesses políticos. Hoje tudo isto está posto de parte, dada a revolução a que assistimos no sentido de morigerar os serviços públicos. E, voltando ao argumento da facilidade de transportes, citarei este exemplo vivo:
Eu sou de uma região em que as peixeiras já não sabem calcorrear a pé os 8 quilómetros que separam a praia da vila, mas obrigam-se, por conta dos fregueses, a transportar-se em camioneta. Esta revolução de costumes e regras de vida é que exprime e realiza a verdadeira comodidade dos povos.
Mas continuemos a considerar sob o aspecto de moralidade dos serviços o caso dos cartórios com sede fora da sede do respectivo concelho.
Esses cartórios, por via de regra, são de rendimento mínimo, de rendimento insignificante. Ocorre-me agora o facto de um contemporâneo meu, de Coimbra, provido num cartório em tal situação, que, quando se lhe deplorava que servisse um lugar de tão exíguos rendimentos, respondeu:
- Sim, é na verdade pouco, e sobretudo para aqueles que, como eu, querem cumprir a tabela ... com uma certa decência!.