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580 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82

n.º 37:666, apenas excluindo da matéria de lei a referência aos quadros do pessoal.
Salvo o devido respeito, o problema não é apenas de forma, mas de respeito pela Constituição. É nesta que têm de buscar-se os princípios mediante os quais a doutrina deve estremar as diversas fontes de direito.
À lei ordinária é vedado interferir no problema, porque das duas uma: ou se limitava a aplicar a Constituição, e seria inútil; ou não a respeitava, o que era inconcebível.
É certo que há precedentes no sentido de a própria lei ou decreto-lei preceituarem o que no diploma constitui matéria legislativa.
A Câmara Corporativa invoca o preceito transitório do artigo 141.º, § único, da Constituição, segundo o qual as restrições constantes deste artigo não abrangem os decretos-leis que preceituem o que neles constitui matéria legislativa.
E refere também o seu anterior parecer sobre a proposta n.º 242, em que se converteu o Decreto-Lei n.º 36:816 (Estatuto das Estradas Nacionais).
O certo, porém, é que tais precedentes não podem ter o efeito de destruir o princípio de a distinção entre a lei ou decreto-lei e os diplomas de menor categoria ser geral e não depender do arbítrio de quem fez aquela.
Há no nosso direito, repetimos, princípios consagrados de distinção e, por via deles, é fácil determinar a espécie do diploma em que cada caso peculiar deve ser publicado.
O parecer da Câmara Corporativa reconhece ter sido preocupação instante da Constituição de 1933 fixar regras de orientação tendentes a definir o campo de aplicação da lei ou do decreto-lei e do regulamento.
E tais princípios devem pautar a acção do Governo para o efeito de adoptar o decreto-lei, o decreto simples, o regulamento, a portaria ou as simples instruções.
Não constituirá, porém, estorvo à acção futura do Governo a circunstância de esta reorganização vir a constar de uma lei?
Entendo que não.
A Assembleia, pela força das circunstâncias, é mais uma vez obrigada a transgredir o artigo 92.º da Constituição, segundo o qual as leis por ela votadas devem restringir-se à aprovação das bases gerais do regime jurídico.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
A própria Constituição estabelece que, quando se dá a ratificação com emendas, o decreto se converte em proposta de lei, e, portanto, não somos nós que estamos a transgredir o princípio.
V. Ex.ª está dentro da boa orientação.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª É claro quê, pela Constituição, o decreto-lei se transforma em proposta de lei; mas se, como aqui acontece, o decreto-lei for, ao mesmo tempo, regulamento, o facto de seguidamente se converter numa lei formal pode obstar a que, de futuro, o Governo exerça, em divergência com a Assembleia, a faculdade de legislar? Parece evidente que não.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço desculpa, mas parece evidente que sim, desde que se trate do exercício da faculdade regulamentaria.

O Orador: - Aceito com prazer a lição de V. Ex.ª, no entanto, espero demonstrar o meu asserto.

O Sr. Carlos Borges: - É um problema de conflito entre uma disposição da lei e aquilo que o Governo venha a regulamentar.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço desculpa a V. Ex.ª - e isto não está ligado a posições tomadas pela Comissão -, mas não é constitucionalmente admissível um regulamento contrário à lei.
Há uma disposição constitucional que diz deverem as leis votadas pela Assembleia restringir-se às bases gerais dos regimes jurídicos, mas logo acrescenta que não pode ser contestada, com fundamento neste princípio, a legitimidade constitucional de quaisquer preceitos nelas contidos. Como há-de então admitir-se um regulamento de execução da lei contrário à lei?

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Eu digo que, mesmo que se considere abstractamente determinada matéria como regulamentar, ela será matéria de lei desde que na lei figure.

O Orador: - Peço licença para manter o meu critério.
Desde que o diploma em apreciação se converteu em proposta de lei, a Assembleia não pode abster-se de discutir a parte regulamentar daquele.
Formalmente, votaremos uma lei; mas nela compreendem-se muitas normas que constituem regulamento.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Gostava que me esclarecesse sobre este problema. O que a Assembleia vota, mesmo que não seja a base legal do regime jurídico, é a lei. O regulamento a que V. Ex.ª se refere é o regulamento para execução da lei e, como é o regulamento para execução da lei, não pode conter princípios ostensivamente contrários ao próprio conteúdo da lei.
O que pode acontecer é que o texto da lei seja duvidoso e que para a executar seja preciso definir o seu sentido, e então é preciso defini-lo, não por lei, mas por regulamentos, por instruções e por portarias.
Se esse princípio é definido por instruções ou por portarias, das instruções e portarias há recurso por ilegalidade. E se for por regulamentos ? Há ou não há recurso?
Este é outro problema.
Há quem sustente que há recurso e quem sustente que o não há.

O Sr. Melo Machado: - E como se protesta contra a ilegalidade?

O Sr. Mário de Figueiredo: - O regulamento é ilegal, porque é inconstitucional e desta inconstitucionalidade só a Assembleia pode conhecer.
Há quem sustente esta orientação, e eu sou um deles; há grandes tratadistas de direito público que sustentam essa opinião e há grandes tratadistas de direito público que sustentam a opinião contrária.

O Orador: - Não há dúvida de que o artigo 124.º da Constituição diz que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar leis, decretos ou quaisquer outros diplomas que infrinjam o disposto na Constituição ou ofendam os princípios nela consignados.
O § único acrescenta que a inconstitucionalidade orgânica ou formal da regra de direito constante de diplomas promulgados pelo Presidente da República só poderá ser apreciada pela Assembleia Nacional e por sua iniciativa ou do Governo, determinando a mesma Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa, porém, das situações criadas pelos casos julgados.
Todavia, neste momento, a inconstitucionalidade não nos interessa, importando apenas decidir se deixarão de ser regulamentares preceitos com essa índole intrínseca, só porque casualmente constam de uma lei.
A hipótese de um conflito entre a lei e o regulamento não é aqui de pôr, porque só por lapso de revisão isso poderia acontecer num mesmo e único diploma.