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15 DE MARÇO DE 1951 613

O Sr. Mário de Figueiredo: - Imagine V. Ex.ª que raciocinava para Todo o País, em vez de estar a raciocinar para Pernes.

O Orador: - Não estou a raciocinar para Pernes. O que digo é que não há razão nem argumento que levem a suprimir aquilo que já existe.
Se a tendência é para satisfazer as necessidades públicas, não há razão para se suprimir um benefício àqueles que já o desfrutam, isto só porque outros ainda o não têm.
Se porventura tivesse passado para a sede do concelho a 4.ª classe de instrução primária, se passassem também todos os notários para a sede do concelho, amanhã iria também o padre para fora da freguesia rural, isto numa questão de plano de geometrismo, porque seria mais cómodo, para funcionamento do sistema, fazer a concentração.
Ora o que interessa não é o geometrismo do sistema, mas sim o interesse das populações, porque o interesse público é criado para servir as populações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Portanto, não me parece que seja de aconselhar o privarem-se as populações rurais deste pequeno benefício.
Nós, que tanto falamos contra o êxodo das populações para os centros urbanos, estamos, afinal, indirectamente, a fomentar o abandono dos campos. Todo o condicionamento industrial e todas as indústrias vão para os grandes centros urbanos, todos os serviços públicos vão para os grandes centros urbanos.

O Sr. Melo Machado: - Por este caminhar talvez cheguemos a um critério do retirarem às populações rurais os professores primários e os padres.

O Orador: - E agora digamos uma palavra sob o ponto de vista social.
As populações rurais, Sr. Presidente, precisam de ter dentro de si aqueles elementos de elite que as enquadram: o padre, o professor, o médico, o veterinário e até o agrónomo, que são elementos que contribuem para a elevação do nível das populações. Eu queria ver mesmo uma maior desconcentração dos serviços. Eu vou mesmo até ao ponto de que todos os concelhos, isto é, todas as câmaras, tivessem o seu engenheiro agrónomo, como têm o seu médico e o seu veterinário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estendendo até às populações rurais estes elementos de valia contribuiríamos para a valorização dessas populações.
Há ainda um outro elemento de ordem social que eu considero de grande vantagem. O próprio diplomado só teria vantagem em começar a sua vida nos meios mais simples, e esses são os das populações rurais. Muitos dos grandes homens deste País começaram a sua vida com profissões bem modestas. Recordo a propósito um conterrâneo meu, João Franco, que começou a sua vida como administrador num concelho rural, foi subindo gradualmente e chegou até onde todos nós sabemos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É por isso que nós vamos para os concelhos. Digo isto por causa de João Franco, que foi administrador de concelho e não foi, que eu saiba, regedor em qualquer freguesia.

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que há elementos desta Assembleia que têm sido e são simples presidentes de juntas de freguesia, e V. Ex.ª que, segundo creio, nasceu num meio rural, sabe qual o carinho que as populações rurais nos devem merecer.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E merecem. Simplesmente a dúvida está em saber se se protegem melhor de uma maneira ou de outra. A minha dúvida é só esta: será melhor deixar os cartórios que lá têm ou transferi-los para a sede do concelho? Temos de olhar para esse aspecto do problema, evitando, é claro, esse fenómeno, horrível do urbanismo a que estamos a assistir. Só tenho dúvidas em saber qual a melhor posição que se deve tomar no problema e em saber como é que se protege melhor o interesse dessas populações: se de uma forma ou de outra.

O Orador: - V. Ex.ª tem as suas ideas e quando subir à tribuna dirá os seus argumentos. Eu estou expondo os meus, e entendo que é da maior conveniência para as populações rurais e só lhes traz benefícios o manterem-se esses cartórios. É assim que nós as defendemos.
Considere-se agora a eficiência do serviço e o seu melhor funcionamento.
É evidente que é razão a aduzir, para justificação de qualquer reforma, a melhor eficiência do serviço.
A maior parte dos concelhos rurais tem, segundo a nota que acompanha o decreto, um só notário.
Pergunto: esses notários exercem mais eficientemente o serviço estando nas vilas do que estando nas aldeias?
A minha experiência e a minha observação de longos anos de advocacia dizem-me que, tendo-me passado pelas mãos centenas, porventura milhares, de instrumentos notariais, nunca verifiquei que os instrumentos notariais elaborados nas notas das freguesias rurais fossem mais imperfeitos do que os que são elaborados nas cidades ou nas sedes dos concelhos.
E até, normalmente, sobretudo quando se traía de instrumentos cujo conteúdo é a propriedade imobiliária, o notário de aldeia redige com mais conhecimento de causa, dando, portanto, uma melhor expressão à realidade do contrato do que o próprio notário da vila ou da cidade, porque o notário da freguesia rural conhece a propriedade, conhece a courela, conhece as confrontações, conhece, porventura, as razões que determinaram esse contrato, a partilha, a compra e venda, a cessão e exprime com mais clareza e realidade aquilo que de facto se passou entre as partes contratantes.
Portanto, não se diga que o sistema poderá funcionar com mais eficiência se suprimirmos os notários que existem nas freguesias rurais.
Não há, a meu ver, nenhuma conveniência para o serviço, antes me parece que há vantagem em deixar permanecer os notários onde estão. E parece-me que há vantagem na desconcentração, e não na concentração, e em levar esse melhoramento às populações que ainda o não possuem, em lugar de o tirar àquelas que, felizmente para elas, já o têm.
Ora, se não advém eficiência para o serviço nem economia para a despesa pública, então eu pergunto, como há pouco fez o Sr. Dr. Carlos Borges: qual a razão que determina a supressão dos lugares de notários nas freguesias rurais?
Não é uma razão de ordem local que me leva a produzir aqui os argumentos em defesa deste ponto de vista; é uma razão de impenitente aldeão, de homem que nasceu na aldeia e nela se criou, que viveu e sentiu as amarguras dos seus conterrâneos, que sentiu as dificuldades dessa vida e o abandono a que essas povoações eram votadas.