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796 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 90

telegráfica daquela ilha já estava fechada, a notícia só dois dias depois foi recebida na ilha do Fogo, que fica a uma distância de pouco mais de vinte quilómetros.
Do que fica dito resulta que da orientação uniformizadora da nossa administração colonial derivou um incontestável retrocesso para Cabo Verde, que assim é vítima do que nos podemos chamar uma assimilação regressiva.
Que pena, Sr. Presidente, não nos confinarmos à observação e à experiência dos que viveram no ultramar e não conseguirmos resistir à tentação de imitar o estrangeiro ou de experimentar inovações!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já no relatório de António Enes se dizia:

Deixemo-nos de uniformidades e simetrias. O vício fundamental da nossa legislação ultramarina é ser em parte a do reino em parte uma imitação ou um simples arreglo dessa, quando, pelo contrário, devia variar não só do reino para o ultramar, senão também de província para província do ultramar, considerando também as variações naturais de toda a espécie que se dão dentro da mesma província.

E, todavia, a uniformização intensificou-se.
Voltando ao caso de Cabo Verde:
Importa considerar que ali não encontramos o traço característico do ambiente colonial: a existência de duas populações distintas que se enfrentam e a que se devam aplicar estatutos pessoais diferentes.
A Câmara Corporativa, reconhecendo-o, afirma que o arquipélago se pode considerar colonizado. Chegou ao termo previsto na assimilação, pelo que deve deixar de ser considerado colónia.
Cabo Verde é, como a Reunião, uma colónia muito semelhante às do tipo antigo, fundada por elementos metropolitanos que se estabeleceram em território não habitado.
É certo que na formação da sociedade caboverdiana interveio também um outro elemento - o africano.
Mas, se considerarmos que o elemento africano apareceu posteriormente, trazido pelo europeu para uma terra estranha, onde passou a viver com ele, em contacto permanente, e nunca se manteve em grupo à parte, antes se diluiu no seio das diferentes famílias europeias, não nos custará a compreender que nenhuma resistência ele poderia opor à assimilação dos hábitos e da civilização dos europeus e que logo os tivesse adoptado.
Diz o parecer que em Cabo Verde existe uma considerável população negra que, embora não seja indígena, também se não pode dizer civilizada.
Pondo de lado a cor, que supomos não ser de considerar, diremos que o que existe em Cabo Verde é precisamente o mesmo que aqui, no continente, se encontra em alguns pontos: não falta de civilização, mas miséria pura e simples; famílias que vivem em furnas ou cavernas, sem roupa e sem pão, no maior primitivismo.
Há que atender ao facto apenas para o remediar, e não para dele concluir a necessidade de um sistema diferenciado de administração.
Apoiados.
Também não é exacto dizer-se que existem em Cabo Verde três grupos étnicos, o que poderia levar à ideia, falsa, da ausência de uma população possuidora de um teor uniforme de civilização e à consequente necessidade de um estatuto que atendesse à diversidade existente.
Em Cabo Verde não se pode, com rigor, falar em grupos étnicos. O que há é, como em toda a parte, diferentes classes, nascidas não do factor étnico, mas do factor económico e do comportamento dos indivíduos perante as oportunidades que se lhes ofereçam ou saibam criar. Como para o Brasil salientou Gilberto Freire, é mais um problema social e de cultura material e moral do que um problema étnico.
Não há que considerá-lo no sistema de administração.
Também se diz que o arquipélago tem uma economia africana. Sob esse aspecto não vemos que difira do da Madeira, que, aliás, muito deve ter influído na sua formação, sabido que entre os primeiros colonos abundavam os madeirenses.
O próprio parecer da Câmara Corporativa conclui afirmando que Cabo Verde poderia passar do estatuto de colónia ao das ilhas adjacentes, apenas pondo em dúvida os benefícios que dessa mudança poderia colher o arquipélago e ponderando que ela deverá ser feita com a maior circunspecção. Apresenta mesmo a respectiva proposta, que eu aceito, embora entenda que será mais próprio de um texto constitucional enunciar o princípio de forma mais categórica, ainda que a sua realização tenha de ser gradual, como é evidente.
Sr. Presidente: quando há cinco anos se discutiram nesta Assembleia as alterações à Carta Orgânica do Império Colonial Português, tive oportunidade de me pronunciar sobre o assunto e, depois de afirmar que tal modificação, constituindo o desenvolvimento lógico do regime de assimilação e prova irrefutável do génio colonizador da Baça, representava para a colónia uma conquista de valor, concluía:

Pràticamente, porém, importa não corrermos atrás de meras vantagens teóricas ou ideais e estudarmos cuidadosamente o que convém a Cabo Verde, já que os próprios arquipélagos dos Açores e da Madeira ainda hoje têm necessidade de um regime especial. E assunto que estou estudando com interesse, e a seu tempo, se for caso disso, apresentarei à consideração de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, visto ser a ele que compete a iniciativa de uma proposta de tal natureza.

Passaram-se cinco anos e hoje existe em mim a convicção radicada de que a integração de Cabo Verde no sistema metropolitano é a única solução que permitirá a realização das medidas de que o arquipélago necessita para o seu progresso e bem-estar.
A sua insuficiência financeira impede-lhe progredir na condição de colónia.
No sistema colonial Cabo Verde é uma anomalia. Integrado no sistema metropolitano terá as condições de vida que convêm ao seu estado de adiantamento e que lhe podem proporcionar um maior progresso, a que tem direito.
Impõe-se, pois, a sua transformação em dois distritos autónomos, com estatuto semelhante ao da Madeira e Açores.
Sei que não é assunto que se resolva inteiramente de um momento para outro. A sua execução demanda algum tempo e terá de ser feita gradualmente. Mas que fique expresso o princípio, deixando-se ao Governo, como não podia deixar de ser, a oportunidade da sua execução.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: diz o povo que Deus escreve direito por linhas tortas.
Quis a Providência, servindo-se da particular simpatia que por nós tem mostrado certa potência, que Portugal não pertença à O. N. U., cuja sanha anticolonialista se tem manifestado sem desfalecimento, a ponto de, nas resoluções de Dezembro de 1949, se ter