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794 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 95

E o mesmo ilustre professor implicitamente o reconhece quando, a propósito do artigo 2.º do Acto Colonial, afirma: a nenhuma das nossas populações era com ela diminuída; a tarefa colonizadora pertencia a toda a Nação».
A política da assimilação está na nossa maneira de ser, na nossa mentalidade e nos nossos hábitos. Quando das visitas do Chefe do Estado ao ultramar, a sua primeira afirmação foi: «Aqui é Portugal», afirmação que não representava um mero cumprimento ou uma frase de efeito, antes traduzia o pensar e o sentir de todos os portugueses.
Se pode causar estranheza que nós, partidários da assimilação, condenemos a uniformidade administrativa, o que se nos afigura incompreensível é que a mesma uniformidade se já defendida por aqueles a quem repugna a ideia de assimilação.
Já dissemos que consideramos a assimilação como uma tendência que não pode ser levada até ao extremo e que, como aconselhava Girault, deve ser corrigida com uma adequada descentralização.
Ocorre salientar que entre nós se tem continuado a confundir a descentralização, que diz respeito aos órgãos locais não dependentes do Governo, com a desconcentração de poderes, que amplia a esfera de competência das autoridades dependentes do Governo. Diz o citado tratadista francês que a desconcentração era própria do regime de sujeição, em que era necessário conceder aos governadores poderes latos, e refere que o governador de Batávia tinha tão grandes poderes que bem se podia dizer que o Ministro das Colónias não era senão o seu correspondente e representante na Europa.
Contra a excessiva concentração que se adoptou entre nós manifestou-se António Enes no seu relatório sobre Moçambique, escrevendo:

O regime das relações entre o governo central e o provincial precisa ser alterado, e alterado em dois sentidos: ampliando-se a esfera de acção ordinária e legal deste último governo e restringindo-se-lhe a esfera de acção extraordinária ou ilegal. Presentemente esta esfera é indefinida e aquela demasiadamente acanhada. Os governadores-gerais mal podem mover-se dentro da lei, mas permitem-se-lhes com absoluta irresponsabilidade todos os saltos e todas as correrias fora da legalidade. Em princípio, é o Terreiro do Paço quem governa todo o mundo português, mas como o Terreiro do Paço não pode nem com o mero expediente de tanta glória, abdica, e abdica arbitrariamente no arbítrio das autoridades provinciais. Esta abdicação é inevitável e, não podendo a legislação evitá-la, tem de regularizá-la.

A descentralização, que é mais própria do regime de autonomia, consiste em intensificar a administração local, que fica entregue aos próprios interessados, limitando-se o governo central e as autoridades dele dependentes a mera fiscalização.
A sua utilidade é evidente. Além de ser de presumir neles um melhor conhecimento dos problemas locais, os administrados, compartilhando da administração, não só tomam mais interesse pela coisa pública, como ficam em condições de apreciar com mais justiça os actos do Governo.
Depois, convém não esquecer que a participação na administração local é a melhor preparação para a arte de governar.
E, porque assim é, julgamos que à política da assimilação, tal como a entendemos, não repugna, antes convém, uma certa descentralização administrativa.
É claro que nos referimos a uma descentralização que o seja na verdade.
A Constituição de 1911, as Leis n.ºs 277 e 278, de 15 de Agosto de 1914, e vários diplomas posteriores, incluindo o Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Colonial, prescreveram para as províncias ultramarinas o regime de descentralização administrativa e a autonomia financeira.
A verdade é que tudo isso não passou do papel.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A administração local, salvo uma ou outra rara excepção, tem estado entregue a comissões nomeadas pelos governadores e compostas, na sua maioria, de funcionários públicos, quase sempre sem outra ligação à terra que não seja a residência temporária nela.
Quanto à autonomia financeira, bastará para elucidação da Assembleia que eu refira a VV. Ex.ªs um caso que se passou em Cabo Verde.
O arquipélago tem, como se sabe, uma vida financeira difícil. De entre as suas receitas, logo depois dos direitos de importação, que ocupam o primeiro lugar, sobretudo por causa dos combustíveis importados para fornecimento à navegação, avulta o rendimento das taxas telegráficas que são pagas pelos telegramas que transitam pelos cabos submarinos que amarram em S. Vicente.
Essa receita andou largos anos desviada dos cofres de Cabo Verde e foi necessária uma verdadeira luta para que a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones da metrópole, então dirigida por um dos grandes chefes políticos da época, consentisse na sua entrega à colónia, apesar de haverem sido promulgados alguns diplomas legais que tal determinavam.
Pois bem! Pelos Decretos-Leis n.ºs 28:415, de 15 de Janeiro de 1938, e 29:039, de 6 de Outubro do mesmo ano, foram reduzidas de um terço essas taxas de trânsito, estabelecendo-se ainda que não haveria duplicação, do que resultou ficar Cabo Verde a receber dois terços do que dantes lhe cabia nos telegramas que não transitam por outra estação em território português e apenas um terço naqueles que transitam.
Esclareço desde já que não estou a criticar a medida tomada, admitindo mesmo que ela tenha sido boa, mas tão-sòmente aponto o facto para salientar que no caso não foi a colónia ouvida ou achada.
Poderá dizer-se que tem autonomia financeira uma entidade à qual se altera, sem a sua intervenção, uma das suas principais receitas?
Em que consiste a autonomia?
Os orçamentos, feitos dentro de normas rígidas, são alterados na metrópole como esta entende e não pode, por si só, o governo da colónia fazer a mais insignificante transferência de verba.
Por outro lado, a existência dos quadros comuns traz por vezes encargos importantes para uma colónia pobre, como Cabo Verde.
Os funcionários para ela transferidos procuram, com certa razão, evitar ou adiar quanto possível o prejuízo material que a colocação em colónia de vencimentos pobres para eles representa e, de passagem pela metrópole, esgotam todas as licenças que possam obter, na esperança de conseguirem a colocação noutra colónia. Só em último caso seguem para Cabo Verde, onde procuram demorar-se o menos tempo possível. E, como as passagens e os vencimentos durante as licenças constituem encargo da colónia onde o funcionário está colocado, Cabo Verde tem pago muita vez vencimentos e passagens e até paga pensão de aposentação a funcionários que nunca lhe prestaram qualquer serviço.