11 DE ABRIL DE 1951 795
Mas, Sr. Presidente, já me alonguei mais do que desejava e é tempo de pôr termo a estas considerações gerais e passar a ocupar-me do chamado caso de Gabo Verde.
Na sessão de 5 de Abril de 1949 tive ocasião de afirmar que o progresso económico de Cabo Verde dependia da resolução de um outro problema - a sua organização administrativa. E depois de me referir à opinião de notáveis estadistas, como Sá da Bandeira, Oliveira Martins, Ferreira do Amaral, Dias Costa e, nos nossos dias, o Doutor Vieira Machado, que reconheciam todos a condição especial de Cabo Verde e admitiam a hipótese da sua desintegração do sistema colonial, acrescentei:
É que, na verdade, Sr. Presidente, Cabo Verde não apresenta aquilo que mais caracteriza as colónias: a existência de uma população com língua, organização social, religião e usos próprios que determinem a necessidade de se lhe aplicar uma legislação diferente.
Como é sabido, as ilhas de Cabo Verde não eram habitadas quando foram descobertas e o seu povoamento fez-se com elementos idos da metrópole, sobretudo do Algarve e da Madeira, aos quais se juntou depois o elemento africano, trazido da costa da Guiné.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A colonização fez-se, pois, inteiramente à vontade do elemento metropolitano, sem necessidade de respeitar quaisquer usos ou de transigir com instituições Locais, que não existiam.
Constituiu-se, assim, uma sociedade nova, em tudo semelhante à que os colonos haviam deixado na Europa, e, por isso, quem da metrópole for visitar o arquipélago nenhuma novidade encontrará, pois, salvo uma pigmentação mais forte, derivada certamente da sua localização entre os trópicos e de uma maior percentagem de sangue africano, o cabo-verdiano, não apresenta diferenças essenciais do metropolitano: vive como ele, ainda que, em geral, mais pobremente, fala a mesma língua, se bem que corrompida e semeada de arcaísmos, tem a mesma religião, veste-se da mesma forma e até apresenta uma taxa de analfabetismo inferior à de muitos dos distritos do continente.
E assim é que o metropolitano se sente absolutamente no meio quando chega a Cabo Verde, do mesmo modo que o cabo-verdiano não estranha o ambiente da metrópole.
Até 1879 esteve a Guiné administrativamente ligada a Cabo Verde, formando o conjunto um governo-geral.
Compreendia-se então que tais territórios, abrangendo uma população ainda não totalmente assimilada e parte da qual, possuindo usos e costumes próprios, se encontrava em atraso, necessitando por isso de leis adequadas que lhe garantissem uma certa protecção, estivessem submetidos a um regime especial, como aquele que se adopta para as colónias.
Hoje, porém, existindo no arquipélago apenas civilizados, não há razão para que continue a reger-se por leis administrativas que se destinam aos povos atrasados, quando as outras leis, como o Código Civil, o Código Comercial, os Códigos de Processo, ali se encontram em pleno vigor e se aplicam indistintamente a todos os seus habitantes.
Dissemos há pouco que a política colonial portuguesa se orienta no sentido da assimilação, cujo termo final é a integração da colónia no sistema metropolitano.
Ora Cabo Verde, como se vê, atingiu já o grau de civilização suficiente para se incorporar na administração metropolitana.
Não o admitindo, a metrópole renega a sua própria obra. Há dezenas, há mais de uma centena de anos, já os estadistas consideravam o arquipélago bastante adiantado no caminho da integração. O próprio Girault, no seu livro, publicado em 1907 (vol. I, p. 57), expressamente admitia essa possibilidade.
Queremos nós afirmar que foram inteiramente perdidos os sessenta anos que decorreram desde que Ferreira do Amaral anunciou que Cabo Verde se encontrava já na transição da condição de colónia para a de arquipélago adjacente?
A Espanha considera as Canárias uma província metropolitana, e, todavia, não estão muito mais próximas da metrópole do que Cabo Verde.
A França equiparou aos departamentos metropolitanos os territórios da Reunião, da Martinica, da Guiana e da Guadalupe, todos eles também mais distantes.
Devo dizer que Cabo Verde não se sente menos português na sua actual condição de colónia. Tem pelas outras províncias do ultramar o carinho fraternal que a solidariedade que sempre lhe manifestaram bem justifica. Simplesmente a Reforma Administrativa Ultramarina, feita para territórios em que, ao lado dos civilizados, existem populações ainda em atraso, é inadequada a Cabo Verde, onde só têm aplicação aquelas disposições que são comuns a todos os códigos administrativos.
Ao contrário, o Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes adapta-se-lhe inteiramente, cumprindo apenas ter em conta que, sendo o grosso das receitas constituído pelos impostos indirectos, haverá que adoptar um critério diferente na distribuição das receitas cobradas.
Cabo Verde tem sido vítima da sua condição de colónia e do sistema administrativo adoptado para as colónias.
O retrocesso administrativo verificado nos últimos anos é confrangedor. De doze câmaras municipais que funcionavam há vinte anos restam apenas duas, tendo as outras sido substituídas por juntas locais, de acção limitada e de recursos reduzidos.
Eleições administrativas, cuja animação era índice seguro do interesse dos administrados, nunca mais só fizeram. Ao tempo existiam três comarcas e em cada ilha funcionava, pelo menos, um julgado municipal, com um juiz e um subdelegado. Hoje há só duas comarcas - em S. Vicente e na Praia - e nos restantes concelhos funcionam como juizes instrutores os respectivos administradores, com todos os inconvenientes que resultam, sobretudo nas terras pequenas, da concentração de funções administrativas e judiciais nas mãos do mesmo indivíduo.
Os juizes municipais e os subdelegados eram outrora, por assim dizer, fiscais dos administradores, a cujos possíveis desmandos serviam de travão, para garantia e tranquilidade dos cidadãos.
Hoje, tal como sucede no sertão, os administradores são omnipotentes e não há recurso operante dos excessos que possam praticar, pois, como dizia surpreendido
aquele funcionário a que se refere o Dr. Brito Camacho, as ilhas são separadas umas das outras e as comunicações são hoje mais difíceis do que antigamente.
Dir-se-á que existe o telégrafo. Mas, além de que só serão transmitidos os telegramas que o administrador do concelho considere como não alarmantes ou tendenciosos, da eficiência, das comunicações telegráficas em Cabo Verde talvez VV. Ex.ªs já tenham avaliado se leram no Diário de Noticias de 29 de Março último uma correspondência publicada sob o título «Navio desarvorado em águas de Cabo Verde».
Nela se lê que à Brava chegou um bote que o navio em perigo enviara a pedir socorro, mas, como a estação