11 DE ABRIL DE 1951 789
Ora que poderiam estes esperar no aspecto político da revisão constitucional?
Primeiro que tudo que mais latos poderes fossem atribuídos à Câmara Corporativa e se concedesse maior liberdade na designação dos seus membros.
Não é de estranhar que muitos tenham experimentado neste aspecto, como em outros, uma desilusão bastante amarga, até pesque foi anunciada publicamente a intenção de se reforçarem aqueles poderes - reforço esse porventura a ser obtido à custa das atribuições da Assembleia Nacional.
Organizada a Nação corporativamente, mal ou bem (presentemente pouco bem, mas sem estar anulada a esperança de vir a fazer-se francamente bem), não poderá, logicamente, haver lugar para assembleias chamadas políticas, as quais, além de perigosas, seriam absolutamente inúteis.
Perigosas porque, mesmo contra todas as boas intenções, terão ou poderão ter o efeito de manter latente a vitalidade do vírus do sufrágio e o espírito partidista e até mesmo o de fomentar a sua revivescência quando vier a ser tomada a resolução de definitivamente os eliminar.
Inúteis porque, exceptuando o período transitório, a representação nacional deverá ser total, não ficando, portanto, realidades algumas da Nação excluídas, a justificarem manutenção de anacronismos políticos.
Diz-se em oposição a isto - e eu sei-o muito bem - que o homem não é só profissional, não é apenas chefe de família, não necessita exclusivamente de comer, de vestir e de repousar. O homem é um ser político, quer dizer, tem direito a ser interessado na governação pública. Mas este direito, que se deve traduzir quanto à generalidade dos cidadãos apenas numa intervenção por assim dizer do primeiro grau, exerce-se pelas possibilidades de interferir na administração local e de nomear os seus delegados a uma assembleia onde se vele pelo cumprimento das leis e pelo respeito da sua personalidade.
A esta intervenção, a que chamei do primeiro grau. outras se sucedem na hierarquia política, mas o seu exercício deve já ser da competência exclusiva de certos órgãos ou instituições, dotados de faculdades tanto mais latas quanto mais profundamente se for acentuando a sua independência dos interesses puramente pessoais eu locais, até se chegar a um órgão de independência máxima, representado pelo chefe natural, cujas atribuições e seu exercício não estão à mercê de escolha ou de designação fortuitas. A ele deverá então corresponder o poder supremo, a suprema autoridade.
A representação nacional, em regime corporativo, dirige-se às realidades do País, e não a supostos direitos, aspirações ou fantasias mais ou! menos atraentes.
Os direitos dos seus súbditos exarados na Constituição têm a zelá-los a assembleia dos representantes (dê-se-lhe a designação que se quiser, porque isso é de somenos importância), onde não é lícito pretender-se assinalar a presença de técnicos em oposição à de políticos, porque de facto deverá considerar-se que estão lá apenas pessoas conscientes, esclarecidas e livres.
Dir-se-á, porém, que tal representação visa apenas os interesses especiais e que, além disso e acima disso, existe o interesse geral da Nação.
Pergunto então: quem é que nas democracias (e as assembleias eleitas por sufrágio universal não podem deixar de ser democráticas), regimes essencialmente mutáveis, interpreta o interesse geral, na sua expressão fundamental e permanente?
Nos regimes de partidos ninguém o interpreta, porque ele nem sequer conta em face dos interesses dos grupos, das facções ou até das forças plutocráticas.
Com certeza que não se pretende cair na posição absurda de considerar os interesses especiais, representados pelos que trabalham, pelos que estudam, pelos que pensam, e atribuir a representação do interesse geral ... aos outros.
Mas se não sei quem em democracia pode legitimamente representar o interesse geral, sei, em compensação, muito bem quem é o seu intérprete permanente e natural na nação corporativa, na qual nunca poderá haver distinção entre o país legal e o país real.
A História nos diz que, à parte os acidentes, transitórios por sua natureza, em que uma figura nacional se destaca e consegue polarizar as aspirações da grei
- e alguns casos destes ela refere, mas todos transitórios, até porque dez, vinte 001 trinta anos são um momento na vida multicentenária das nações - foram, constantemente os reis os intérpretes permanentes do interesse nacional e o fizeram sempre com a maior fidelidade e a maior elevação moral.
E qual poderá ser a fonte de informação e elucidação deste interesse? Ao contrário do que sucede no comum das actividades humanas, em que o especial deriva do geral ou o tem por base, na verdadeira representação nacional será o geral! a brotar do conjunto harmónico e colaborante dos legítimos interesses especiais.
Não digo que seja a soma dos interesses especiais (soma é uma operação aritmética puramente democrática), digo, sim, que resulta, e a tal ponto que, se fosse possível na nação o desaparecimento dos interesses especiais, também o interesse geral não teria significado, por ausência de base. Digo que resulta, como diria que o interesse da família não é a soma dos interessas dos pais e dos filhos, da mesma maneira que as propriedades da água pura não derivam da soma das do oxigénio e do hidrogénio, seus elementos constituintes. É o poder criador das sínteses - já suficientemente invocado -, e de que o Mundo anda tão afastado, talvez por excessiva, preocupação da análise.
Não posso, por isto, regozijar-me com a consagração das assembleias políticas e gostaria até que a sua existência fosse encurtada ao máximo possível. E comigo
- posso afirmá-lo - pensa toda a parte não democrática, o que praticamente equivale a dizer: toda a parte não republicana do País.
E se, em resposta a estes motivos portugueses, se quiser argumentar em americano, também se pode aceitar a discussão, embora não estejamos a apreciar uma Constituição para a América ou para o Mundo, mas apenas para Portugal. Desde já dou para isso o seguinte subsídio:
No parecer da Câmara Corporativa lê-se:
Durante a presidência de Franklin D. Roosevelt a recusa da promulgação de providências votadas pelo Congresso - o veto - verificou-se 505 vezes, ou seja 30 por cento, só nessa presidência, de todos os vetos formulados na história constitucional dos Estados Unidos (1:635).
E, talvez em consequência disto, a revista americana The Cross and the Flag escrevia no seu número de Março do corrente ano:
Durante a vida de Franklin D. Roosevelt a Constituição foi ameaçada, falseada e iludida ...
Se ele tivesse tido êxito (nas suas tentativas) ter-se-ia tornado, de facto, ditador.
505 vetos! 1:635 vetos!
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª está pondo a questão de uma república democrática, com o parlamentarismo, ou está pondo a questão de uma república presidência-