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12 DE ABRIL DE 1951 821

Escusado é dizer que as disposições do novo estatuto fundamental das províncias ultramarinas terão uma projecção tanto maior, a sua repercussão no desenvolvimento e progresso desses territórios será tanto mais acentuada quanto mais elas corresponderem às legítimas reivindicações, quanto mais elas satisfizerem as aspirações razoáveis e justas de seus povos, numa palavra, quanto mais elas se enquadrarem na presente época, cujas características, cujas exigências são bem diferentes das que assinalaram os tempos idos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em virtude do Decreto com força de lei n.º 18:570, de 8 de Julho de 1930, o texto do Acto Colonial, promulgado por esse decreto, que o considerava de natureza constitucional, vai ser integrado na Constituição.
A primeira consequência que disso resulta é que desaparece da legislação portuguesa o Acto Colonial. E está bem que assim seja. A denominação "Acto Colonial" havia sido acolhida muito desfavoràvelmente.
Já me não refiro a meios coloniais, cujo desagrado era tanto mais justificado quanto é certo que, principalmente em virtude da ideologia que fez curso depois da guerra mundial de 1914, à palavra a colónias era atribuído um sentido pejorativo.
Mas, como disse, eu nfio quero insistir no descontentamento dos que, em face deste diploma, eram coloniais. Quero mas é acentuar a atitude hostil com que aqui os portugueses da metrópole se insurgiram contra a designação de Acto Colonial, considerando-o como uma importação do estrangeiro, um eco do Colonial Act dos ingleses.
Além disso, o Acto Colonial parecia ser antes um instrumento de cisão da Nação, cuja unidade política, aliás, era afirmada na Constituição (apoiados). O texto do Acto Colonial separado do da Constituição dava a impressão de que a Nação Portuguesa se compunha de duas partes: a metrópole e as colónias, com o seu duplo estatuto fundamental - a Constituição para a primeira e o Acto Colonial para as segundas.
Apoiados.
Já não sucederá o mesmo. Agora teremos a unidade da Nação irrefragàvelmente afirmada e nitidamente realçada na unidade do texto constitucional.
Outra alteração de longo alcance político que a proposta em discussão introduz é a substituição da palavra colónia por província ultramarina.
A opinião internacional é manifestamente hostil ao regime colonial. Os mandatos que o Pacto da Sociedade das Nações crioii após a guerra mundial de 1914-1918 e o regime de tutela que a Carta das Nações Unidas introduziu após a última guerra, aplicando-o não só aos antigos mandatos, mas ainda às colónias dos países vencidos e a outros territórios não autónomos, que os Estados que os governam e os administram lhe sujeitarem, e ainda várias outras disposições da mesma Carta são a mais exiplícita e formal condenação do princípio do colonialismo. Não só tanto. A própria expressão "colónia" foi proscrita para ser substituída por. várias outras denominações, sendo uma delas "territórios não autónomos".
Na legislação portuguesa vai eaia ser substituída por "província ultramarina". Objecta-se que o termo "província" não tem em Portugal tradição que o recomende. Não é tanto assim. Nas antigas crónicas frequentemente se designam por "províncias" as terras descobertas e conquistadas. Quem o ignora?
Mas não eram só os cronistas que usavam essa expressão. Desde remota antiguidade foi ela adoptada na linguagem oficial em diplomas régios.
Aí está, por exemplo, o Alvará de 18 de Março de 1605 que proibia a entrada de navios estrangeiros na "índia, Brasil, Guiné e ilhas ou outras províncias de Portugal".
Temos ainda o Alvará de 2 de Janeiro de 1606 que, resolvendo dúvidas sobre a jurisdição do Conselho da Índia e da Mesa da Consciência, atribuía a esta a provisão de certos ofícios e outros assuntos "assim do reino, como das províncias e lugares do ultramar".
O Regimento, do Escrivão da Puridade, de 12 de Março de 1663, atribuía a este a expedição de "todos os regimentos, ordens e cartas que se houvessem de dar e escrever aos vice-reis e governadores das províncias e praças ultramarinas para o bom governo delas".
No Regimento dos Governadores, de 10 de Abril de 1666, referente à nomeação de Tristão da Cunha" para Angola, ordenava-se um inquérito "sobre a situação militar, religiosa e administrativa e -ao estado dos indígenas da província".
Não será fora de propósito relembrar que data de 1642 a criação de um Conselho Ultramarino e de 1736 a da Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar.
Mas as antigas províncias teriam todas as características que hoje têm os territórios que se chamam colónias? Não. evidentemente. Não vamos buscar a épocas tão distantes as modernas concepções do direito administrativo. Não pretendamos aplicar às antigas províncias as noções de um ramo de direito que está sujeito a uma contínua evolução.
O testemunho dos antigos cronistas que invoquei, os documentos régios que citei provam exuberantemente que o termo "província", designando asterras sob a soberania de Portugal, tem uma tradição de séculos.
Foi essa tradição que levou o III Congresso Nacional, realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1930, a, apreciando o projecto do Acto Colonial, votar a seguinte conclusão:

Os territórios portugueses de além-mar deverão, de preferência, denominar-se províncias ultramarinas, regressando-se deste modo à nossa tradição histórica.

Há, porém, quem entenda que deve ser mantida a palavra "colónia". Mas que tradição tem em Portugal esta palavra? Aparece ela pela primeira vez com o cunho legal em 1910. Logo após a proclamação da República veio o Decreto de 8 de Outubro desse ano, que, reorganizando os Ministérios, chamou ao antigo Ministério da Marinha e Ultramar Ministério da Marinha e Colónias. Meses depois o Decreto de 23 de Agosto de 1911 criou o Ministério das Colónias, separando-o do da Marinha. Esses dois decretos são os mais antigos pergaminhos de que o termo "colónia" pode gabar-se.
Note-se, porém, que a República, legalizando a expressão "colónia", não suprimiu, não proscreveu as palavras "província ultramarina". A Constituição Política da República Portuguesa de 1911, em algumas das suas disposições, como os artigos 9.º e 25.º, fala em "províncias ultramarinas". E o título V da mesma Constituição é assim concebido: "Da administração das províncias ultramarinas".
O próprio Estado Novo publicou em 1933 um diploma com os preceitos a que deve subordinar-se a administração das colónias. Chamou-se a esse código Reforma Administrativa Ultramarina, e não Reforma Administrativa Colonial.
Com a substituição da palavra "colónia", que, quando muito, tem por si uns quarenta anos, por "província" regressa-se, pois, à tradição histórica real, que, como vimos, vem de muito longe...