822 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96
Noto, porém, Sr. Presidente, que o projecto insere uma disposição que vai inutilizar o benéfico reflexo que deve ter a justa e oportuna supressão de "colónia".
Refiro-me àquela em que se afirma que "é da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos Descobrimentos sob a sua soberania".
A expressão "é da essência orgânica da Nação Portuguesa" do vigente Acto Colonial provocou justificados reparos. Tomada no seu sentido natural, ela significaria que Portugal foi sempre potência colonial e que Portugal cessaria de existir como nação no dia em que não tivesse territórios a colonizar.
A essência orgânica de qualquer ser é invariável; não está sujeita a alterações, a mudanças. Ora, a essência orgânica da Nação Portuguesa, segundo o projecto, é diferente da que é atribuída à mesma nação no Acto Colonial em vigor. Não insistamos em considerar como essência orgânica da Nação o que quando muito pode ser tomado como imperativo da sua gloriosa História.
Outra disposição que foi objecto de acerba crítica é aquela em que se diz que os territórios ultramarinos constituem o "Império Colonial Português".
Muito grato é verificar que no correspondente artigo 3o projecto foram suprimidas essas palavras. Ainda mais. Em nenhuma das disposições do projecto há referência ao "Império Colonial Português". Esta circunstância leva-me a dizer que é certamente por lapso que o título vii do projecto se epigrafou "Do Império Colonial Português".
Apoiados.
Há um outro ponto para o qual devo chamar a atenção dos Srs. Deputados. Como já frisei, a integração do Acto Colonial na Constituição importa uma nítida afirmação da unidade da Nação.
Ora se assim é, não faz sentido o que se estabelece na parte do projecto referente às garantias gerais. Dispõe-se nessa parte, entre outras coisas, que "os direitos e garantias individuais declarados pela Constituição igualmente são reconhecidos a nacionais e estrangeiros nas províncias ultramarinas".
Isto, antes de mais, é uma redundância. Pelo artigo 1.º da Constituição, o território de Portugal compreende, além do continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores, todas as províncias ultramarinas. Pelo artigo 3.º todos os portugueses residentes dentro ou fora do território referido no artigo 1.º constituem a Nação. Pelo artigo 7.º todos os cidadãos portugueses gozam dos direitos e garantias enumerados no artigo 8.º
Como VV. Ex.ªs vêem, estando assegurados na Constituição determinados direitos e garantias a todos os cidadãos portugueses da metrópole e do ultramar é inútil que na mesma Constituição se assegurem os mesmos direitos e as mesmas garantias a quem é cidadão português do ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o que é mais de notar é que se diga que os direitos e garantias declarados na Constituição são igualmente reconhecidos a nacionais nas províncias ultramarinas, dando assim a impressão de que o artigo 8.º da Constituição, que trata de direitos e garantias, é aplicável só aos cidadãos portugueses da metrópole.
O mesmo se diga da liberdade dos cultos, que está assegurada nos artigos 8.º, 45.º e 46.º da Constituição, sendo portanto inútil o artigo 7.º-C da proposta.
Sr. Presidente: por último quero tratar de um ponto que reputo ser de primacial importância. Refiro-me ao regime político e administrativo das províncias ultramarinas.
A Constituição de 1911, reconhecendo certamente os graves inconvenientes da asfixiante centralização na administração das províncias ultramarinas que vigorava, consignou numa das suas disposições o princípio de descentralização com autonomia administrativa e financeira. De acordo com um tão salutar princípio, o Congresso da República votou em 1914 as bases orgânicas que representavam uma profunda reforma das instituições administrativas do ultramar.
Na revisão constitucional de 1920 definiu-se a competência dos poderes do Estado na administração das províncias ultramarinas. Diplomas posteriores introduziram várias alterações, todas tendentes a aperfeiçoar o regime de descentralização, que, como ficou dito, a Constituição de 1911 assegurara ao ultramar.
Em 1926 a Ditadura decretou novas bases. Contendo disposições acentuadamente centralizadoras, essas bases vieram inutilizar os esforços despendidos na longa jornada que ia de 1914 a 1926. As províncias ultramarinas viram-se novamente no regime de absorvente centralização que por tantos anos predominara.
Em 1928 vieram outras bases e em 1930 o Acto Colonial, orientados pelo mesmo princípio informador das bases de 1926, que foram verdadeiramente marcha à ré, como os classificou o Ministro que as referendou. Verdade é que o Acto Colonial, no seu artigo 26.º, garante às colónias a descentralização administrativa e a autonomia financeira que sejam compatíveis com a Constituição, o seu estado de desenvolvimento e os seus recursos próprios.
Mas não é menos verdade que esta disposição continua fria e inerte nas páginas do Diário do Governo, nada tendo havido até hoje - vão já decorridos tantos anos! - em sua execução.
Anima-me -a certeza de que com a aprovação pela Assembleia Nacional das disposições do projecto sobre o regime político e administrativo das províncias ultramarinas já não será assim. Tenho motivos de sobra para esperar que dessas disposições virá ao Estado da Índia o tão desejado Estatuto.
Explico-me. Foi em 1946. Era governador-geral do Estado da Índia o Sr. Dr. José Ferreira Bossa. S. Ex.ª mandou convocar o Conselho do Governo em 16 de Dezembro desse ano, em sessão extraordinária, para uma comunicação urgente que tinha a fazer. Aberta a sessão, comunicou que a Assembleia Nacional, em sessão de 28 de Novembro do mesmo ano, votara a seguinte moção:
1.º Afirma a sua confiança nos princípios de justiça e do direito das nações a ver respeitada a sua integridade e a inviolabilidade do seu território;
2.º Saúda o Estado da índia, que há mais de quatro séculos faz parte da Nação Portuguesa;
3.º Reafirma os sentimentos de fraternidade que ligam os portugueses de todo o Mundo aos seus irmãos indo-portugueses, que, dentro e fora da Pátria, têm elevado o nome de Portugal pela sua cultura e comum sentido da grandeza da Nação;
4.º Assegura ao Governo e ao governador-geral da Índia todo o apoio na sua acção em defesa dos superiores interesses nacionais.
Depois disto o Sr. Governado-Geral acrescentou:
Interpretando o sentido desta moção e baseado no apoio nela garantido, o Governo propoe-se elaborar um novo estatuto para a Índia.
O governador-geral está autorizado por S. Ex.ª o Ministro das Colónias a comunicar que o Governo da metrópole está disposto a propor à Assembleia