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968 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

tinto ou a genial compreensão de que, em boa verdade, a Língua seria a mais profunda instituição política da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bem o compreendera João de Barros quando escrevia no Diálogo em Louvor da nossa Linguagem:

As armas e padrões portugueses postos em África e em Ásia, e em tantas mil ilhas fora da repartição das três partes da Terra materiais, são e pode-as o tempo gastar, pêro não gastará doutrina, costumes linguagem que os portugueses nestas terras deixarem.
Mais do que pelas armas, foi pela Língua que Portugal realizou a verdadeira expansão no Oriente. E de tal forma o fez que ainda em nossos dias, quando o juiz e poeta Alberto Osório de Castro passou de viagem por Malaca em direcção a Timor, ouviu na igreja, nas lojas e até nos escritórios da Companhia Inglesa dos Estreitos vozes de malaqueses e malaquesas que lhe falavam na nossa língua. E o mesmo acontece por toda a Oceânia, onde ainda hoje os reis indígenas são proclamados oficialmente em língua portuguesa!
A Universidade Portuguesa de Goa já no fim de Quinhentos contava mais de dois mil estudantes, vindos de todos os países do Oriente. E até alguns de países ocidentais! Ali se instruíam, depois de aprenderem a língua portuguesa, estudantes que entre si falavam dezasseis línguas asiáticas!
Pois actualmente, «Sr. Presidente, nestas mesmas terras da Índia, a que a Língua tem dado uma nacionalidade portuguesa tão. magnificamente afirmada perante o Mundo, começa a não haver escolas que garantam a continuidade da nossa língua!. Os portugueses de Damão que pretendam seguir um curso, mesmo apenas secundário, têm de trocar o nosso idioma por um idioma estrangeiro para cursarem as escolas mais próximas, que são as de Bombaim, onde irão assimilar uma língua e uma cultura estranhas!
Porém, não é só em Damão que o caso se passa. A quase totalidade dos portugueses da Índia está fazendo a sua educação numa língua estranha. O hábito de cursarem escolas estrangeiras e a propaganda que daí dimana desabitua os luso-indianos de frequentar as nossas próprias escolas. Fecharam-se os dois liceus municipais de Margão e Macupá. E isto é grave, porque, ao passo que desaparecem as escolas portuguesas, informa-nos o Dr. Sebastião Correia, ex-reitor do Liceu de Goa, encontram-se pletóricas de alunos as muitas escolas inglesas espalhadas por toda a nossa Índia! De Goa, as English High Schools lançam filiais até nas próprias aldeias! Em 600:000 habitantes, apenas 400 alunos frequentam o liceu português! O resto da população escolar frequenta escolas inglesas!
Não se pode dizer que a Inglaterra não tivesse aprendido bem a lição da política da linguagem que nós demos na Índia há mais de cinco séculos, e que agora nesse mesmo Estado que ali fundámos está sendo utilizada contra nós, e de tal maneira que as novas gerações já quase não sabem falar português!
Apoiados.
E como entre a Língua e a alma existe uma influência reciproca, um ciclo sem fim, cujos elos são alternadamente a alma e o verbo, o verbo e a alma, segue-se que o próprio espirito lusíada continuará a bater em retirada se não houver perante os nossos domínios do ultramar uma política eficaz da Língua (apoiados) que seja o corolário lógico do conhecimento desta verdade, cujo largo alcance político é necessário abranger na sua mais larga
expressão: a A Língua é a mais alta constituição política de uma nação 9.
E é por lhe faltar essa constituição que a tentativa de autonomia estadual indiana está condenada a uma falência de realização, pelo menos na actualidade, e durante muito tempo oscilará entre o caos étnico e as influências estrangeiras do bárbaro do Norte, que explora o seu nacionalismo (ao qual falta a estrutura de uma língua unitária) para combater o poderio da mesma nação que, apesar de tudo, lhes protege as ambições no Extremo Oriente!
A existência de 179 línguas com as suas 044 variantes impede por completo a homogenia indispensável à unificação política. E embora muitos desses dialectos sejam de quase nula importância, permanecem sempre dois grupos de raízes distintos - sanscritóides e dravídicas -, que dificilmente se conjugarão para uma unidade nacional. Nestas condições, e enquanto se não realizar a unidade linguística que substitua o inglês, faltará a maturidade necessária para realizar com a comunidade da língua uma autonomia intrinsecamente perfeita. E, apesar do tumulto do momento, a acção da língua não permitirá que a Inglaterra perca tão cedo a partida.
Desnecessário será frisar a importância de que estas considerações se revestem ao meditarmos no futuro da Índia Portuguesa, encarando este aspecto do problema que se refere à defesa da nossa língua e duma cultura a que ela sirva de base.
Sr. Presidente: fenómeno idêntico a este, que na Índia atingiu no actual momento histórico particular relevo, é o que de ano para ano se vem acentuando na nossa província de Moçambique. As novas gerações vão estando sujeitas de cada vez mais à atracção cultural das escolas superiores da África do Sul.
E todos aqueles que, através da história do Mundo, souberem olhar para os graves fenómenos sociais de que a Língua se revela geradora poderosíssima, persistente o fatal, compreenderão quanto é de temer para o futuro a influência dominadora que através da cultura pode ser exercida por uma língua estranha. E avaliarão da importância que para a constituição política de uma nação colonial representa o proceder de acordo com o mandato contido no novo artigo cuja inclusão se propõe a esta douta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- O problema de atracção cultural dos portugueses de Moçambique haverá, mais tarde ou mais cedo, de se resolver pela criação de escolas superiores na província ou pela facilitação de deslocamentos e estágios nas Universidades metropolitanas. E que o seja antes mais cedo do que mais tarde.
Apoiados.
As mesmas considerações devemos ter presentes ao atentarmos no auspiciosíssimo futuro de Angola, se bem que aí o problema da desnacionalização não tenha por enquanto motivos que se imponham. Há que criar em Portugal o grande lar universitário dos portugueses de além-mar, facilitando-lhes as viagens, pois semelhante encargo para o Estado será no futuro altamente producente.
Sr. Presidente: as condições da vida moderna estão dando uma feição inteiramente nova ao aspecto ecuménico do Mundo. A difusão dos povos através das linhas terrenas das fronteiras vai dispersando pelo Mundo fora multidões de indivíduos de diferentes estados, que umas vezes se diluem nos meios sociais que os absorvem, outras vezes se organizam aqui e além em núcleos étnicos mais ou menos importantes, que se vão incrustando nas metrópoles estranhas ou em domínios ou províncias separados da terra que os viu nascer.