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970 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª esse interessantíssimo esclarecimento, que é altamente significativo.
Sr. Presidente: eu quis apenas, ao justificar a minha assinatura na proposta em discussão, pôr em evidência que o problema da Língua tem raízes mais fundas do que as de uma simples sensibilidade literária. Que não se trata de considerações apenas de ordem subjectiva, mas antes de uma tentativa bem concreta e objectiva para valorização de realidades que é perigoso menosprezar.
Muito haveria a dizer sobre o assunto. Não devo, alargar por mais tempo as minhas considerações. Entretanto não deixarei de instar pelo interesse do Estado, para a defesa da Língua Pátria no próprio continente; defesa da sua prosódia, a cada passo adulterada; defesa da sua sintaxe, a cada passo desnacionalizada; defesa do seu carácter, que é necessário não deixar abastardar; defesa da sua pureza, que se vai poluindo; defesa da sua dignidade, que se vai envilecendo; auxílio aos que trabalham denodada e desinteressadamente no estudo e propaganda cultural da Língua. É necessário proteger os livros e publicações especializadas, de entre as quais mencionarei, pela sua regularidade e pela obra já realizada, o Ocidente e a Revista de Portugal, cuja modesta situação económica é vítima da sua própria dignidade, por não explorarem os filões sensacionais em que se compraz a morbidez ou superficialidade dos interesses do grande público.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mendes Correia: - Tarefa da maior devoção patriótica a dessas revistas.
O Orador: - Agradeço muito o aparte de V. Ex.ª com o qual estou absolutamente de acordo.
É necessário possibilitar os trabalhos referentes ao estudo da Língua; facilitar à Sociedade de Língua Portuguesa uma larga expansão em todos os sectores da vida nacional. É necessário, enfim, ter sempre presente e lembrar com os olhos fitos em Portugal inteiro, na Europa, na África, na Ásia, na Oceânia e nos agregados étnicos da América, a verdade contida nesta máxima: «A Língua é a mais importante constituição política de uma nação».

O Sr. Ribeiro Cazaes: - V. Ex.ª dá-me licença? - Há instantes falei sobre a defesa civil do território. V. Ex.ª disse ser necessária muita coisa para defender a nossa língua; pois bem: trabalhando na D. O. T., numa terra bem próxima do continente, em que muito se falava uma língua que parecia estar na moda, vi-me na necessidade de dizer, para modificar esse mau procedimento, melhor, essa antipatriótica atitude: «Não desejo andar com um dicionário na mão para me fazer compreender na minha própria terra».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mais uma nota interessante a acrescentar às minhas considerações e que muito agradeço a V. Ex.ª
Sr. Presidente e Srs. Deputados: apresentada a proposta da inclusão deste artigo, aguardava eu serenamente o parecer da douta Câmara Corporativa, bem certo de que, se havia problema acerca do qual fossem impossíveis quaisquer divergências, problema que reunisse na sua aprovação mais sólidas garantias de unanimidade, era este verdadeiro problema de união nacional, cuja defesa se propõe enunciar no estatuto fundamental da Nação. Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perplexo,
tive ocasião de verificar que é verdadeiramente inesgotável a fonte dos nossos pasmos!
A Comissão reprovava!
E ao ler, surpreso, os nomes que subscrevem o parecer, mais pasmei ainda ao reconhecer que é possível conciliar estas duas coisas aparentemente paradoxais: ter o maior respeito pelas pessoas que compõem um grupo e vermo-nos constrangidos a não poder respeitar de maneira alguma a opinião colectiva que as mesmas pessoas exprimem.
Antecede o parecer um longo aparato erudito, no qual bem se revela a elegância de forma e a cultura vastíssima do seu ilustre relator. Porém, ao verificar as conclusões, tive de voltar a ler a transcrição que do artigo proposto se fazia no próprio corpo do parecer, com a suspeita de que por lapso nele se tivesse introduzido qualquer erro de transcrição que estabelecesse o nexo lógico, visivelmente inexistente, entre a letra da proposta e a conclusão do parecer.
Li e verifiquei a ausência da mais pequena alteração!
Vejamos agora as objecções fundamentais da decisão reprovadora:

1.º É desnecessária a inclusão deste artigo, «porque o que tinha de ser regulado na Constituição já o foi: é o que respeita ao ensino (artigo 43.º e seu § 2.º), em que se inclui naturalmente o ensino da Língua».
Vejamos o que diz o artigo 43.º: que o Estado manterá escolas oficiais e institutos de alta cultura. E o que diz o § 2.º: que o Estado fomentará o desenvolvimento, ensino e propaganda das artes e ciências. E pronto. É isto que o parecer considera o plano suficiente para a defesa da Língua!

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? Parece depreender-se daí que as escolas podem intervir nos cartazes e nos anúncios dos cinemas, dos teatros, etc.

O Orador: - Pois parece...
Com a generalização que se pretende atribuir aos artigos citados, com tal conceito de condensação sintética das ideias, bem poderia substituir-se a Constituição inteira por um artigo único e sem parágrafo nenhum: e Ao Estado compete a defesa e progresso da Nação». É inegável que tudo quanto se possa desejar ali se encontra implícito.

Risos.

Em face da letra de tal artigo e seu parágrafo, pergunto: será então no âmbito das escolas que se dá o fenómeno da palpitação e da vivência total das línguas o das literaturas? Falar-se-á sempre na vida comum segundo as normas didácticas escolares? Terão sido os institutos de ensino, com as suas análises gramaticais, quem preparou a obra camoniana ou comunicou a essência de beleza ou de ternura, de entusiasmo ou de paixão, toda a gama da radiação afectiva a que a Língua prestou a comoção verbal e a plasticidade artística?
É da escola que parte o movimento literário que incessantemente vai influindo a linguagem culta quotidiana?
Será a influência da escola, mais do que a dos livros, a dos jornais, a dos teatros, a do animatógrafo e a das emissoras, o que mais eficazmente conduz para bem ou para mal o purismo, a sintaxe e a ortoépica da Língua? Não serão as chamadas secções de falar e de escrever, nas revistas e nos jornais, preciosas fontes de ensinamento para o grande público e duma expansão mais larga do que a das escolas, porque ensinam os que li andam, os que já de lá saíram e todos quantos lá não aprenderam o suficiente? O zelo e aprendizagem da Língua não pode por forma alguma restringir-se apenas ao âmbito da vida escolar.
A Língua tem uma vida ultra-sensivel e de reacções permanentes.