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964 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

O Orador:- A intervenção de V. Ex.ª vem inteiramente a propósito e em valioso reforço do que eu vinha dizendo.

O Sr. Délio Santos: - Parece evidente que essa defesa deve pertencer ao Estado, e não a outro organismo, ou, melhor, deve pertencer principalmente ao Estado.
E, se nós examinarmos bem o problema da Língua e se aceitarmos, por um lado, que a Constituição deve consignar a intangibilidade do território nacional, é indubitável que a intangibilidade da Língua - que às vezes tem mais valor que o território para salvar a alma das nações e das pátrias - também deve ser consignada na Constituição.

O Orador: - Cumpre-me agradecer a V. Ex.ª o valioso contributo que acaba de prestar às minhas modestas considerações.
Mas, continuando, direi ainda que creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a importância da matéria não poderá ser regateada e que, pelos seus fundamentos e projecção, não lhe será recusado cabimento justo e oportuno dentro das disposições do estatuto político fundamental.
Bem o merece essa jóia do nosso património espiritual e intelectual, veículo de portugalidade através do Mundo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cortês Pinto:- Sr. Presidente e Srs. Deputados: parecerá porventura de natureza puramente sentimental e vaga o artigo referente à protecção e defesa da Língua que se pretende fazer inserir dentro de uma série de artigos nitidamente objectivos e positivos, destinados a estruturar a constituição política de uma pátria.
Pois bem, Srs. Deputados: a política da Inteligência, que neste artigo se contém, representa, além de tudo o mais, um valor de ordem positiva, de natureza concreta e de interesse material indiscutível para a Nação!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao ter a honra de assinar esta proposta, eu senti, Sr. Presidente, senti verdadeiramente na profundidade da minha consciência, que tudo quanto havia de mais sensível na minha inteligência e na minha alma comungava nesse momento com oito séculos de História Pátria. Oito séculos em que Portugal realizava, não apenas a sua própria história, mas ainda, e em grande parte, a História do Mundo.
Senti por outro lado o frémito de quem se encontra face a face com os mistérios insondáveis do destino ao recordar nesse momento as palavras que eu escrevera- há cerca de quinze anos num breve estudo sobre a Língua Pátria. As palavras 'eram estas: e A Língua é a mais importante constituição política de uma nação!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Estas palavras ganham ainda maior significado quando na Constituição se vai integrar o Acto Colonial, abrangendo assim num só diploma a organização política de Portugal inteiro.
Mal eu pensaria, meus senhores, que quinze anos depois de haver escrito estas palavras haveria de ter a honra de subir os degraus desta tribuna, com o fim de as proclamar bem alto, perante os representantes políticos da minha pátria!
Tenho-os em frente de mim, vindos de toda a parte do Mundo. Desde as ilhas ocidentais, descobertas e povoadas de almas pelos navegadores e povoadores do grande Mar Oceano, até aos que vieram de longínquos continentes, lá onde cresce e floresce, em meio ide línguas gentílicas e exóticas, a semente espiritual da Língua e da etnia portuguesa. Representam Portugal desde as terras de África, pela primeira vez europeizadas pelos nossos antepassados, até às da Índia e da China, onde a alma de Portugal dá testemunho, perante o mundo inteiro, de como se cumpre uma missão em serviço de Deus, para grandeza da Pátria e benefício de toda a humanidade. E ainda aqui se não encontram representadas todas as regiões do Universo por onde os Portugueses souberam espalhar e fixar nas almas e na linguagem as vozes da língua-mãe.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Chegou o momento de, perante os representantes de Portugal inteiro, eu poder justificar a necessidade de introduzir na Constituição Política Portuguesa um artigo a consignar o dever de defesa e protecção da Língua e dizer que é bem ali o seu lugar, porque em boa verdade nunca foi tão oportuno o momento de repetir as palavras com que há tantos anos exprimi o meu pensamento: e A Língua é a mais importante constituição política duma nação»! E proclamá-las não só para que se consigne uma verdade, depois duma convicção reflectida, mas sobretudo para que essa verdade esteja sempre em vivência e prestes a transformar-se em acto, de maneira que dela possam resultar as mais largas consequências no sentido de fomentar a cultura nacional, libertando-a de quantas dificuldades lhe estão constantemente empecendo o caminho.
Instrumento basilar da cultura portuguesa, assim classifica a nossa língua o novo artigo que se pretende incluir na 'Constituição Política do Estado. É evidente que assim é. Porém, em boa verdade, mais do que um instrumento de cultura nas cinco partes do Mundo, a Língua Portuguesa é a forma sensível da própria alma de Portugal e a melhor garantia da- integridade do corpo da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todos os outros artigos constitucionais são susceptíveis de se modificarem ou de serem eliminados. Alteram-se as revisões da Constituição, revoluções políticas substituem-nos. Tudo ali pode ser transitório, e muitas coisas precisam mesmo de o ser. Só uma é necessário que permaneça cara que a Pátria não soçobre até nas mais trágicas vicissitudes da sua vida multissecular: é o espírito do que vai contido neste artigo - a defesa da influência espiritual da Língua.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E porque a História é a grande mestra da vida, e dela devemos colher os ensinamentos duma experiência bem vivida para aproveitar no presente e preparar o futuro, permitam-me VV. Ex.ªs que eu lhes recorde alguns factos capazes de nos elucidarem sobre o valor bem concreto e real da Língua para a constituição e resistência duma nacionalidade.
Há um passo admirável e digno de ser meditado nesta hora, decorrido há justamente trezentos e setenta anos nas Cortes realizadas em Tomar com o fim de redigir uma nova Constituição para a Nação Portuguesa.