28 DE ABRIL DE 1951 969
Sucedendo ao primitivo conceito nómada de comunidades raciais, foi-se organizando o Mundo em parcelas territoriais, onde se fixaram em estreita ligação com o solo diferentes grupos desagregados dos primitivos blocos humanos.
O fenómeno antropogeográfico vai agora iniciar as influências determinativas das subdivisões das raças, ao sabor das condições materiais e espirituais da paisagem: rios, montanhas, mares, constituição geológica e agrária, clima físico e espiritual da paisagem.
Originou-se assim, ao lado do sentimento instintivo da comunidade do sangue, um novo conceito social em que se ligavam os liames hereditários do sangue aos laços naturais da terra ocupada. O sentimento racial funde-se com o sentimento geográfico.
Desta identificação da raça com a terra, graças à qual se foram cristalizando diversos grupos populacionais desprendidos do caos anti-estrutural da horda, vem a definir-se mais tarde o conceito de pais como terra de senhorio circunscrita por linhas geográficas ou agrárias naturais.
Entretanto a língua primitiva entrara em evolução, ganhando novas formas ao sabor das influências de adaptação do indivíduo às constantes ou variantes naturais do meio e das actividades que ele suscita. Até que mais tarde, preenchidas as zonas intermédias pela expansão das populações, voltam a encontrar-se ombro a ombro os grupos que se haviam desagregado e a comunicar alma com alma as línguas agora diferenciadas, mas que na sua trama conservam a estrutura essencial donde derivam.
O germe da noção de pátria começa então a revelar-se como um instinto de defesa da autonomia a que se haviam habituado os grupos antropogeográficos.
Porém, desde esse momento, também o instinto gregário do homem começa a esboçar a tendência para a fusão dos núcleos cujas evoluções linguísticas tiveram mais afinidades, enquanto se conserva em defesa instintiva para os núcleos tangenciais cujas formas dialectais provieram de hordas diferentes. E são aqueles núcleos cuja língua evolucionou com maior perfeição e riqueza, denunciando assim uma superioridade espiritual e funcional, os que sé impõem ao Destino para o exercício da hegemonia sobre os outros.
Entra a simplificar-se a estrutura social. E ao cabo de longa evolução as línguas dirão a última palavra para a grande obra das autonomias sociais realizadas em grandes nacionalidades. A distribuição ecuménica do Mundo tende para realizar aquele aspecto cartográfico admiravelmente diferenciado, que justapõe a geografia política aos traçados e relevos dos mapas geográficos, em grandes sínteses de complexos antropogeogràficamente equilibrados: um mapa espiritual em coincidência com um mapa terreno.
Porém, a expansão por novos mundos e o aproveitamento de novas linhas e meios de comunicação entre os mundos antigos e modernos (obra que principalmente se deve à acção portuguesa na época dos descobrimentos e aos progressos científicos e industriais dos últimos séculos) fez surgir ao lado do conceito de «pátria», de origem antropogeográfica, um novo conceito - o da «etnia» -, conceito eminentemente psicológico, na essência do qual existe como elemento gregário (além da hereditariedade do sangue e ligada ou não com ela) a afinidade espiritual e cultural da Língua.
Com o desenvolvimento e progresso das províncias afastadas da unidade territorial das metrópoles foram perdendo sua razão de ser as designações de «conquistas», que se baseavam na anexação ou sujeição pelas armas, e as de «domínios», baseadas na supremacia económica e política. Nasce a de commomwealth, que só baseia na comunidade de interesses.
Os tempos passam. Mas em dado momento as vicissitudes da história fazem flectir a hegemonia económica e desarticular os interesses das regiões afastadas da nação-mãe. E nalguns dos antigos domínios, como, por exemplo, na Austrália, quando já não existe sequer a razão de ser de uma dependência económica, pode dizer-se que só por virtude da língua as novas metrópoles permanecem ligadas à comunidade.
Mais do que uma commonwealth, é o que nós chamaremos a commonidiom, a «comunidade idiomática», o laço que mantém as nações distantes no sistema constelar de um império.
Populações importantes de portugueses oriundos do próprio berço da Nação se encontram disseminadas pelas cinco partes do Mundo e mais ou menos ligadas à Mãe-Pátria enquanto mamarem com o leite o fluido espiritual da alma-mater.
Nalguns estados da América do Norte os enormes núcleos populacionais de origem portuguesa começam a deixar corroer o elo espiritual que liga o indivíduo à cadeia ancestral das gerações que lhe deram o ser. E ai de nós! que as gerações em cujas almas se vai perdendo o fermento espiritual da Língua a breve trecho fundirão e modelarão as suas almas no cadinho alheio de uma língua estranha.
Quando novas bocas se desadaptarem da índole articular e fonética da nossa língua, então já não serão portugueses muitos dos netos dos nossos, avós. Porque, se é certo, como diz Henri Berr, que a língua é psicologia em acto, a um acto diferente corresponderá inevitavelmente uma diferenciação das almas.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- É certamente em obediência a esta realidade que os alemães, os ingleses e os franceses não abandonam o ensino da língua nos países estrangeiros, procurando que aqueles dos seus filhos que têm probabilidades de se fixarem para sempre em longes terras recebam ali a sua cultura através da língua-mãe.
O Colégio Alemão de Lisboa, desaparecido após a derrota, e o chamado Liceu Francês, que se encontra actualmente em construção (e para mais ostentando um nome que em Portugal é apanágio dos estabelecimentos de ensino oficial), e não cito mais para não me alongar em citações idênticas, dão realidade prática a este conceito da influência psicológica da língua e da necessidade de fixar por meio dela a nacionalidade dos filhos dispersos pelas pátrias estranhas.
É este o problema que está reclamando a nossa atenção, não só no que diz respeito à Índia Portuguesa e a Moçambique, não apenas no que se refere às nossas províncias ultramarinas, mas ainda no que interessa às grandes massas populacionais portuguesas dispersas pelas ilhas de Hawai e por tantos estados dos países americanos.
A única maneira que Portugal tem de continuar a perpetuar a sua existência no Mundo é a que derivar da política de factos realizada em torno destes conceitos.
O Sr. Délio Santos:- V. Ex.ª dá-me licença?
Pelo que diz respeito ao Governo Francês, ele compreende bem as suas obrigações, porquanto, não só mantém esses estabelecimentos de ensino, mas vai até ao ponto de remunerar os seus professores muito melhor do que aqueles que ensinam na própria França.
Em contrapartida, os portugueses que vivem nos Estados Unidos da América do Norte encontram-se perante dificuldades tremendas para poderem ensinar a sua língua aos filhos, pois não têm possibilidades de arranjar professores por falta do apoio das entidades oficiais portuguesas.