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28 DE ABRIL DE 1951 965

Num dos momentos mais críticos para a vivência da Pátria, quando a organização política do Estado vai fazer perigar o futuro da Nação, que pela primeira vez era regida por um chefe que falava uma língua estranha, passa-se na sociedade portuguesa alguma coisa que eu reputo da mais alta transcendência para ressalva da integridade da alma e do futuro da Nação. E quando, perante o inevitável colapso da nossa independência, conseguimos ver coroadas de êxito as diligências-efectuadas pelos três Estados do Reino para garantir a inviolabilidade da Língua Portuguesa, fazendo-a respeitar de tal maneira que nem mesmo na linguagem oficial ela poderia ser substituída pela do rei estrangeiro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como é admirável meditar neste instinto subtil que, perante o inevitável da crise consumada, procura prevenir o futuro ressalvando a integridade da Língua Pátria, certo de que nela havia, como no verbo divino, o sinal da Ressurreição.
A sensibilidade portuguesa sentia que, embora o corpo morresse, a alma - que é imortal - o poderia ressuscitar. Compreendia que era a virtude da Língua quem melhor poderia preservar ia alma para além de todos os elementos corruptos e que, se ela não morresse, mais tarde ou mais cedo a voz de Portugal pronunciaria o a Levanta-te e caminha!» da Restauração.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Isso deu-se em 1581; pois em 1951 há ainda quem o não compreenda!

O Orador: - Infelizmente.
Depois das Cortes de 1581 várias regalias se foram perdendo a pouco e pouco. Os foros e privilégios outorgados pela Constituição de 1582 começaram a ser desrespeitados.
Tudo quanto parecia mais apropriado para manter a estrutura do Estado Português - garantia de que só os nacionais seriam investidos em todos os cargos civis, militares e eclesiásticos; segurança de que seriam totalmente portuguesas as guarnições de todas - as praças; privilégio absoluto de cunhagem da moeda, com proibição da circulação de todo o dinheiro estrangeiro; impedimento de doações territoriais ou quaisquer jurisdições de direito real, a quem não fosse português; existência de um Conselho de Portugal, totalmente constituído por nacionais; autonomia administrativa intangível e absoluta do Estado -, tudo isso foi inoperante ou por desrespeito das cláusulas por parte dos estadistas estrangeiros ou por traição daqueles magnates portugueses que, por adopção da língua estranha, haviam corrompido ou mantido a corrupção da sua própria alma.
Porém, embora todas estas cláusulas se afigurassem do mais alto valor objectivo para manter a estrutura e garantir o (corpo da Nação, era no espírito daquela pequenina cláusula, respeitante ao reconhecimento da intangibilidade da Língua, que se mantinha a força da qual havia de renascer a independência da Pátria.
Puderam os monarcas estranhos faltar a todos os privilégios, destruir todas as liberdades. Mas porque não cuidaram de destruir a Língua, a alma de Portugal permaneceria intacta, e dela haveria novamente de renascer o corpo da Nação.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Quer dizer: a Língua é um elemento da defesa nacional.

O Sr. Mendes Correia: - E de coesão.

O Sr. Mário de Albuquerque:- E de comunhão com o Brasil - comunhão que justamente procuramos servir e defender com o presente artigo.

O Orador: - O valor do fenómeno linguístico posto em relevo neste capítulo XV das Cortes de Tomar acautelava um dos três aspectos da Língua: comum, literária e oficial. Esta linguagem literária, cujo valor se pretende inconscientemente diminuir, substituindo-a totalmente pela transposição escrita da linguagem falada, constitui uma das formas mais indispensáveis para a resistência de uma nacionalidade. A confusão que pretende estabelecer-se enferma de um superficialismo intelectual e estético gravemente comprometedor.
Os patriotas portugueses sentiam bem o valor psicológico da linguagem literária. E a essa intuição magnífica se deve o papel realizado pelos Lusíadas na cultura do espírito da Restauração. De facto é curioso notar que é justamente depois da perda da independência que o poema passa a ser lido com mais alto e profético fervor. Logo em 1584 se publica, segundo Eleutério Cerdeira, uma edição clandestina dos Lusíadas. Já Teófilo Braga, com a sua admirável sensibilidade nacionalista, havia insistido na exaltação do sentimento patriótico realizado através do poema. Para os conspiradores os Lusíadas representavam a bíblia do nacionalismo. João Pinto Ribeiro, o grande organizador da conspiração de 1640, dedicava longas horas ao comentário do poema. Quase que se promove o endeusamento do poeta, pondo-o ao lado de Nun'Álvares no altar erguido em todos os corações pela mística da Pátria. Os versos dos Lusíadas eram parafraseados em todos os escritos.
Sugestionado pela força espiritual desenvolvida pela leitura das suas estrofes, Rodrigues Lobo escreve um novo poema épico sobre o Condestabre.
E na arrancada do 1.º de Dezembro de 1640, a comandar os conspiradores que restauravam Portugal, o povo português tinha o seu representante carnal no duque de Bragança, o Céu tinha o seu representante místico na lembrança de Nun'Álvares, e a Língua tinha o seu capitão épico na presença espiritual de Camões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ai dos estados que, absorvidos em dado momento pela acção unificadora das grandes organizações políticas, deixam decair a sua língua, assimilando a língua estranha. Esses não mais ressuscitarão. Em contrapartida, se a língua comum se cultiva entre os estados fraccionados e desorbitados do seu núcleo original, o destino mais ou menos longínquo voltará a agregar numa organização comum todos aqueles que, embora dispersos, mantiveram as expressões ida alma aglutinadas pela mesma língua.
É curioso verificar o que se passa fora de Portugal cerca de quatro séculos depois do colapso da nossa independência. A Áustria e a Hungria formavam uma monarquia dual. Porém, na Áustria falava-se a língua alemã. Na Hungria uma língua independente. E esta simples circunstância havia de decidir dos destinos dum império que não mais se reconstituiria depois da primeira guerra mundial. Foi da inexistência duma língua unitária que, embora os homens procedessem inconscientemente no que diz respeito à influência essencial desta razão oculta, derivou a solução política destinada a aniquilar o império.