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966 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

mais uma vez se afirmava como a mais importante constituição política de uma nação.
Desta forma, depois de recomposta a carta política da Europa, enquanto a Áustria se fundia no grande Reich Alemão, mercê da força aglutinante da Língua, a Hungria regressava à sua independência ancestral, porque o seu idioma jamais fora dominado pela língua alemã.
Assim é que Monsenhor Seipel, numa entrevista concedida a um redactor da Libre Parole, em 1923, sobre o futuro político da Áustria, previa, com uma consciência perfeita de estadista que sabe olhar para além do momento que passa, que mais cedo ou mais tarde a sua pátria seria fatalmente atraída pelo Estado Alemão. E entre várias razões expunha, como a primeira de todas, a seguinte: «Bem vê ... falamos uma língua e só essa. Não temos, como os checos e os húngaros, uma língua que sirva de anteparo ao nosso patriotismo». Refere-se depois às tradições literárias. Só a seguir invoca os motivos de ordem económica.
E para meditar, «Sr. Presidente e meus Senhores, esta lição a extrair da História Contemporânea!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se lançarmos agora a nossa visão mais longe, para avaliarmos a grande hegemonia política da Língua, veremos que, em meio do caos medieval, é a força imanente dos idiomas que vai afeiçoando e organizando os futuros Estados, através de agregações e desagregações constantes.
Olhemos para a França: Joana d'Arc inicia o primeiro ciclo estrutural duma verdadeira nacionalidade francesa, segregando do corpo heterogéneo da Nação todos quantos falavam uma língua estranha. Ela é, por graça de Deus, a paladina da linguagem. Por seu intermédio, a Língua estabelecia a -essência duma nova constituição política da França, que se destinava a absorver todas as outras instituições medievais - estas instituições solidamente firmadas na bravura dos homens, na força das armas e na construção dos castelos e praças fortes, mas a cuja estrutura faltava, porém, este elemento de organização, mais eficiente do que todas as forças de ordem material.
Mais tarde, Luís XI, embora vencendo pela astúcia onde Joana d'Arc vencia pela virtude e pela graça de Deus, completa o grande-ciclo da unificação francesa com a derrota dos príncipes da Borgonha. O heróico e generoso Carlos, o Temerário, senhor dum principado de língua francesa, nada poderia fazer contra esta força indómita e fatal, oculta e inconsciente, que preside à organização das sociedades humanas, sob a constituição política da Língua.
Não haveria uma justiça imanente se uma causa superior não exigisse a morte do Justo, que foi sacrificado pelo destino em holocausto ao triunfo dessa constituição política natural.
Acima do caso particular da grandeza de alma do vencido e da perfídia moral do vencedor, eleva-se a força colectiva do domínio espiritual que através da língua ia desenvolvendo e afeiçoando o instinto gregário duma grande nação. A Casa de Borgonha tinha e ser vencida só porque na Borgonha se falava a língua francesa.
Sr. Presidente: alguma coisa de semelhante nos havia de mostrar a história da Itália, numa observação onde mais avulta ainda a influência da língua na constituição das nações.
O processo aqui é de muito mais longa evolução, simplesmente porque a unificação da fala se não realiza espontaneamente, evolucionando, muito peio contrário, num sentido inverso. Porque se trata duma influência
literária e de certa maneira artificial, a obra política só virá a concluir-se num prazo muito mais longo.
A uma multiplicidade de dialectos corresponde no decorrer dos séculos uma multiplicidade de pequemos Estados. Por isso mesmo a própria soberania nem sempre é autóctona, pertencendo periodicamente e durante muitos anos a nações estrangeiras. Porém, uma obra de génio, a Divina Comédia de Dante, elevará o esplendor da linguagem florentina à maior altitude espiritual que uma obra de arte jamais atingiu! A beleza do Toscano de Florença começa a obra do Destino, insinuando-se na alma dos intelectuais e artistas de todos os Estados. Até que, dois séculos depois, e já em plena Renascença, o cardeal Bembo acaba por transformá-la decisivamente na língua comum da cultura italiana.
A sua beleza e admirável adaptação à expressão da alma e da inteligência vai começar a pouco e pouco a realizar o profundo labor das línguas na criação de uma unidade espiritual e política.
É necessário vencer, torna-se imprescindível dominar, os múltiplos dialectos falados por gente ignara, a quem se não pode comunicar senão muito lentamente, com o progresso da instrução popular, a língua predestinada à constituição do grande Estado italiano. Porém, o triunfo da Língua será inexoravelmente certo.
Repúblicas patrícias e burguesas, Ducados, Reinos, Suseranias de nações estranhas, têm os seus dias contados, sem se aperceberem da grande evolução que se vai cumprindo ocultamente no decorrer das gerações.
Enquanto os interesses materiais dos Estados se digladiam, orientados pela astúcia dos seus Macchiavelli, conduzidos pela ousadia dos seus condottieri, pela indomável energia dos Gattamelata, dos Colleone, dos César Borgia, ninguém se apercebe de que os maiores condottieri de quantos se batem pelo triunfo da Grande Itália sobre os Estados parcelares são Bembo e Dante Allighieri, os dois caudilhos fantasmas, cujas sombras dominam o Destino, empunhando de Além-Túmulo e através dos tempos os fachos de luz espiritual da Língua, por entre as brumas onde mal aflorava o sentimento pleno duma consciência nacional totalmente sentida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Paladinos da linguagem, indiferentes às vicissitudes episódicas das batalhas, eles vão preparando através das gerações exércitos de almas para o triunfo da Grande Itália.
Não foi Garibaldi quem unificou os Estados italianos. Ele foi apenas um instrumento fortuito, certamente bem inferior é, grandeza do Destino, que dele lançou mão para que se cumprisse a grande obra da Língua, essa língua que de longe vinha organizando a constituição política de uma nação que atingira enfim o último termo da sua evolução linguística.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: alguma coisa de semelhante se passara entre os vários reinos, ducados e até cidades, em que a Renascença vinha encontrar divididas as populações germânicas, que outros tantos dialectos mantinham desagregados.
Foi um fenómeno também de ordem linguístico-literária, e aqui (particularmente de ordem literário-religiosa, que lançou as bases da estrutura unitária do Estado Alemão. Foi a tradução da Bíblia feita por Lutero no dialecto literário e aristocrático da Saxónia e da Turíngia o que originou o fermento da unidade germânica, unidade que politicamente não foi conseguida senão em parte por Bismarque, o chanceler que realizou