28 DE ABRIL DE 1951 967
o triunfo dos (partidários da chamada pequena Alemanha. Foi Hitler quem em nossos dias veio ligar a pequena Alemanha com o partido pró-austríaco da grande Alemanha.
Levou quatro séculos a levedar o fermento político da linguagem que Lutero lançara na alma dos povos germânicos, ao dar, embora inconscientemente, o passo decisivo para a unificação dos estados parcelares.
Desculpem VV. Ex.ªs esta digressão, que só aparentemente se afasta da essência do problema português. Porque em boa verdade ela põe em nítida evidência que não é só pela evolução espontânea duma língua que se atinge a grandeza dum Estado e deixa-nos entrever que, da mesma maneira que a nobreza dum idioma pode tender para a formação duma pátria nova, também a sua degradação pode tender para a decadência duma pátria antiga.
A Nação cumpre zelar a integridade e pureza da Língua, porque uma língua que perde a sua dignidade concorre para o abastardamento da alma nacional.
O culto da Língua é uma forma segura, autenticada pelos sucessos da história, para manter a integridade e fortalecimento das nações.
O Sr. Délio Santos: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Délio Santos: - Faço apenas um pequeno apontamento. É que me parece que ninguém nega o direito que o Estado tem de defender a Língua. Todavia, há uma discordância neste ponto: uns entendem que esse direito de defesa da Língua é de natureza consuetudinária, isto é, que não necessita de ficar expresso na lei fundamental do Pais, enquanto outros entendem dever ficar expresso na própria Constituição.
Nós sabemos que o direito consuetudinário pode ter um papel importante na vida dos povos, mas todos reconhecem as vantagens do direito positivo. Os princípios fundamentais devem ser expressos na Constituição. E este é um dos mais importantes.
O Orador: - Isso diz respeito à discussão na especialidade. Por agora estamos a tratar o problema na generalidade, a analisar o papel que as línguas representam na estrutura, permanência e garantia da independência duma nação.
O Sr. Délio Santos: - Exactamente; o que eu pretendia mostrar era a vantagem de o direito de defesa da língua ficar expresso na Constituição.
O Orador: - Lancemos novamente o olhar para a nossa própria História.
Durante cinco séculos em Portugal e sete séculos em Espanha o árabe mantém o domínio da sua força e até a superioridade da sua civilização. Eles são mais sábios do que as populações que dominam. Eles têm grandes bibliotecas, quando os outros mal sabem ler. Eles têm uma literatura, quando os outros mal sabem escrever. Têm grandes astrólogos e matemáticos, quando os outros mal conhecem a aritmética. Grandes médicos, quando os outros possuem apenas rudes curandeiros. Estudam os filósofos, quando os outros mal conhecem a literatura patrística.
Uma só coisa lhes falta: desromanizar as línguas. Tal como sucedera durante o domínio visigótico, a adopção de maior ou menor número de palavras árabes não modifica a linguagem que os romanos haviam introduzido na alma dos montanheses da Ibéria ao atraí-los das serranias escarpadas para a paisagem espiritualizada e apaziguadora dos vales e das planícies. E verifica-se até que
os árabes introduziam nos seus próprios cancioneiros canções escritas em aljamia, compostas em língua de romance.
Através de todas as invasões, quer arianas quer árabes, era o espírito latino que continuava a conduzir os povos peninsulares, porque os romanos, sim, haviam conseguido fecundar a alma dos povos, dando-lhes a expressão anímica da sua própria linguagem. Essa linguagem de tal modo apta para o triunfo que através dela se ampliaria a todo o Mundo, não apenas a civilização latina, mas ainda a mais alta de todos as instituições humanas: a do Reino de Cristo. Foi a alta perfeição espiritual atingida pela língua do Lácio que fez transferir para Roma a própria sede temporal do Reino de Deus.
Entre os vários povos da Península um existia cuja coesão se manifestava sobremodo notável e demonstrava, até na vocação para criar uma língua própria, quanto nele havia de aptidão para formar e manter uma nação independente. Este povo de Portucale tão rapidamente evolucionava na criação do próprio idioma que tornava possível que o filho do seu primeiro Rei escrevesse uma canção capaz de atravessar oito séculos de história sem que em toda ela se encontre um único arcaísmo!
Um dia virá em que este país comece pela primeira vez a realizar a descoberta metódica e científica do Mundo. E no momento oportuno surge na história portuguesa um homem - El-Rei D. Manuel I - que, mercê duma visão superior da política da inteligência, resolve, mais do que descobrir e assenhorear-se de novas terras, estabelecer por novos mundos o prolongamento espiritual e temporal da Pátria Portuguesa.
Como o faz? Procurando instituir a Língua como elemento primário para a expansão política do Estado e aportuguesamento das raças longínquas. Logo em 1504 envia para o Congo muitos mestres de ler e de escrever. Em 1512 manda para Cochim uma arca de cartilhas, para que Afonso de Albuquerque comece a preparar o futuro, fecundando com o ensino da Língua a alma das crianças.
Em 1515 sai de Lisboa a primeira tipografia que no Mundo embarca para além dos mares, levando para o Oriente o mais eficaz instrumento para a expansão cultural da Língua. E seguem com ela duas mil cartilhas para o ensino do Português na Abissínia, considerada então como o primeiro ponto de apoio para a fixação de Portugal no Oriente.
De toda a parte vêm príncipes e magnates para Portugal, a frequentar o Colégio de Santo Elói, grande escola metropolitana para a portugalização dos grandes influentes da África e da Ásia.
D. João III segue-lhe os passos. Por toda a parte se fundam colégios para o ensino da língua portuguesa.
Em 1545 ordenava El-Rei que se abrissem escolas em todas as ilhas de Goa. Já de há muito nas Molucas António Galvão dava o maior incremento ao ensino da nossa língua.
Funda-se em Goa a primeira Universidade de todo o Oriente. Outra em Macau. Instalam-se tipografias. Publicam-se livros bilingues em vários idiomas orientais na Índia e no Japão. Não é possível, nem mesmo em breve resumo, dar notícia de todo este pasmoso movimento da expansão e fixação de Portugal no Mundo pelo ensino da língua pátria, movimento cuja história procurei revelar mais pormenorizadamente num estudo de conjunto em obra publicada.
Neste momento desejo apenas fazer notar que os homens que lançaram aos quatro ventos do Mundo as sementes que haviam de fazer florir Portugal em terras longínquas, e lançaram em todos os continentes as raízes duma pátria universal, esses tiveram o admirável ins-