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986 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

aquelas normas especializadas que dão à visão dos problemas uma interpretação puramente de ordem técnica.
Tenho de me contentar com a faculdade que Deus dispensou a todos os homens, concedendo-lhes à inteligência e à alma a intuição natural do bem e do mal, do justo e do injusto, da verdade e do erro, e até do legítimo e do ilegítimo. É desta maneira que eu aprecio o problema, sem esquecer que essas noções intuitivas do espirito são a fonte donde dimana toda a jurisprudência humana.
Confesso que o meu espírito se sentiria verdadeiramente magoado se considerasse indubitável que havia qualquer limitação à defesa' de um património divino que o próprio Deus entregou à defesa e protecção dos homens.
Sr. Presidente: eu julgava que zelar por um elemento fundamental da estrutura da própria alma humana era, mais do que um direito natural dos indivíduos, um dever e uma obrigação impostos a nós todos à face de Deus e dos homens.
E desde que vejo que há opiniões diferentes, emitidas por individualidades distintas dentro do campo da jurisprudência, desde que vejo que há divergências na maneira de interpretar, eu terei, naturalmente, de conformar-me com essa intuição natural a que me referi e que é a fonte do próprio direito, não só porque a minha alma mo impõe, mas ainda porque o meu espírito me diz que a verdade está com aqueles que não abrem um conflito entre a lei de Deus e a jurisprudência dos homens.
Por isso, e depois de tudo, não hesitarei e julgo-me no dever de votar a proposta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.

Vai votar-se o artigo novo a inserir no título IX da Constituição.
Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Carlos Moreira: - Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Verificou-se pela contraprova que o projecto de lei foi rejeitado.

O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: suponho que estavam vinte e oito Srs. Deputados levantados e vinte e dois sentados. Nestas condições a minha conclusão é contrária à da Mesa.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não pode discutir as informações da Mesa sobre o resultado da votação. V. Ex.ª o que pode é requerer outra forma de contagem.

O Sr. Pereira de Melo: - Requeiro a votação nominal.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Para evitar a votação nominal é talvez melhor requerer a contagem.

O Sr. Presidente: - A contagem foi feita pela Mesa com todo o cuidado e foi em face dela que foi declarado o projecto rejeitado.
O Sr. Deputado Assis Pereira de Melo mantém o seu requerimento de votação nominal?

O Sr. Pereira de Melo: - Sim, senhor.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a votação nominal.

Feita a chamada e tomados os votos por "aprovo" e "rejeito", verificou-se que o projecto tinha sido rejeitado, o que foi anunciado pelo Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se agora à discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu de alteração ao artigo 109.º da Constituição, sobre a ratificação dos decretos-leis.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: em poucas palavras se justifica o projecto de lei que tive a honra de enviar para a Mesa, animado tão-somente pelo desejo sincero de colaboração que me inspira.
Submeto-o ao veredicto da Assembleia, disposto, é claro, a acatá-lo sem reservas ou ressentimentos.
Pelo artigo 109.º da Constituição, compete ao Governo fazer decretos-leis e elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis.
Esta a regra geral; e a atribuição tanto pode ser exercida durante o período de encerramento da Assembleia Nacional, como durante o seu funcionamento efectivo.
Simplesmente, neste último caso, os decretos-leis publicados sem precedência de-autorização legislativa são obrigatoriamente sujeitos a ratificação da Assembleia Nacional; e esta ratificação considera-se concedida quando, nas primeiras dez sessões posteriores à publicação, cinco Deputados, pelo menos, não requeiram que tais decretos sejam submetidos à nossa apreciação.
É esta a doutrina da primeira parte do § 3.º daquele artigo 109.º
Verificada a segunda hipótese, ou a Assembleia, pura e simplesmente, ratifica os decretos-leis ou recusa-lhes a ratificação, e neste caso, como é óbvio, o decreto deixa de vigorar.
Pode, porém, a ratificação ser concedida com emendas, caso que é o mais frequente; e então o decreto, sem prejuízo da sua vigência, fica transformado em proposta de lei e é enviado à Câmara Corporativa, salvo se esta já tiver sido consultada pelo Governo. É a doutrina da segunda parte daquele § 3.º
Como VV. Ex.ªs vêem, há, portanto, duas coisas distintas : decretos que não podem vir à Assembleia, e esta só mediante uma lei pode revogá-los ou alterá-los, e decretos que a Assembleia pode avocar e anular ou alterar como entender.
Esta dualidade de situações não existia no texto primitivo da Constituição plebiscitada de 1933, pois, por ela, eram passíveis de ratificação da Assembleia Nacional todos os decretos-leis publicados quer durante quer fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia, exceptuando o caso de prévia autorização legislativa.
A distinção, como nota a Câmara Corporativa, surgiu na Lei n.º 1:885, e, com as ligeiras alterações das Leis n.ºs 1:963 e 2:009, chegou até agora. Por sinal que o assunto foi objecto de larga, brilhante e calorosa controvérsia nesta Assembleia nas sessões de Fevereiro de 1935, onde muito se dividiram as opiniões de professores e doutorados distintos, como os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Carneiro Pacheco - este professor daquele, mas inculcando-se seu discípulo -, Cunha Gonçalves e Manuel Fratel; advogados de nome, como os Deputados Albino dos Reis, Lopes da Fonseca e Dinis da Fonseca; magistrados, como o Deputado Vasco Borges; e como se, apesar do valor dos artífices, houvesse o receio de que a nova construção jurídica ficasse abalada na sua estrutura, intervieram dois engenheiros, um militar e outro civil - o primeiro o então e hoje Deputado Sr. Cortês Lobão e o segundo o então Deputado Augusto Cancela de Abreu.