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984 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

metem-se estreita colaboração - como ela diz textualmente - em tudo quanto diga respeito à conservação, defesa e expansão da língua portuguesa, comum aos dois países».
Quer dizer: no artigo pretende estabelecer-se um principio, um dever do Estado; na Convenção consigna-se uma maneira de realizar, uma forma de acção, uma coordenação de esforços para o mesmo fim. Só no restrito aspecto ortográfico ela não permite taxativamente legislar, sem presença do Brasil...

O Orador:- Eu não tenho de pedir licença a V. Ex.ª para o interromper, por ser eu quem está no uso da palavra...

O Sr. Mário de Albuquerque:- Desde que conheço V. Ex.ª, desde que fui aluno de V. Ex.ª, V. Ex.ª teve sempre a liberdade de me interromper, embora talvez algumas vezes com mágoa minha, por me não deixar dizer, decerto, tantas tolices como a minha inexperiência moça se julgava com direito.

O Orador:- V. Ex.ª foi meu aluno?
Não me lembro disso. Se calhar não ia às aulas ...
Risos.
É uma honra muito grande para mim, mas não o sabia.
O que eu ia dizer é que esse passo do Acordo que acaba de ler serve-me para o efeito ainda melhor do que a passagem da Câmara Corporativa que há pouco li. Aí se diz expressamente que a defesa da Língua se fará por mútua colaboração.
Sorve-me ainda melhor esse texto do que a passagem que eu tinha lido do parecer da Câmara Corporativa para desenvolver o meu pensamento.

O Sr. Carlos Moreira: - Donde se vê que não é tão perfeito como à primeira vista parece.

O Orador: - Quanto a isso, devo dizer: acho-o um parecer notável, até eloquente quando se refere à Língua ...

O Sr. Carlos Moreira:- Eloquente sim, notável não...

O Orador:- ... apontando para os elementos essenciais a que é preciso recorrer para se tomar posição sobre o problema posto.

O Sr. Presidente: - Peço a VV. Ex.ªs que não continuem a interromper o orador. Dispomos de um tempo muito limitado.

O Orador:- A defesa deve fazer-se por mútua colaboração, segundo o texto do Acordo que acabo de ouvir ler a V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário de Albuquerque.
Se isto é assim, não deve, mediante um texto de direito interno - o texto máximo de direito interno, porque é constitucional -, estabelecer-se um princípio que exclui a ideia de colaboração, porque a execução do direito interno há-de, por definição, fazer-se unilateralmente, ao contrário da do direito internacional, que tem sempre atrás de si um princípio de colaboração.
A interpretação do direito interno e a sua execução faz-se com completa independência, enquanto que a interpretação do direito internacional só pode fazer-se em colaboração e por acordo. Isto quer dizer que duas disposições - uma de direito interno, outra de direito internacional - com a mesma expressão formal podem ter conteúdos diferentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, sendo assim, se nós consagrássemos o princípio como texto do direito interno, isto significava que podíamos enchê-lo de um conteúdo diferente daquele a que poderíamos chegar através de um texto formalmente idêntico, contido numa convenção internacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim nós não podemos assumir sobre a matéria uma posição independente, mas uma posição de colaboração, devemos executar o Acordo em conjunto e não admitir soluções que conduzam à execução por via unilateral dos princípios que consagra.
Não tenho que dizer mais nada.
A integração no texto da Constituição do principio do projecto, além de não ser aceitável, pelas razões ditas, ainda pode ser política.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a nossa constituição política usa, na primeira parte, que trata das garantias fundamentais, o seguinte critério, à face da doutrina política constitucional: um certo número de disposições de conteúdo concreto e diversas disposições que poderemos chamar directrizes de ordem constitucional.
Se compararmos as de conteúdo concreto, quer dizer, aquelas em que se afirma um princípio e se entra na indicação das normas do execução desse princípio, com as de puras directrizes constitucionais, isto é, aquelas em que apenas se define um critério de orientação, teremos talvez uma ajuda valiosa para chegarmos a uma conclusão neste problema.
Nós não somos ricos, infelizmente, de tratadistas constitucionais, e, tirado o Tratado de Direito Político do Dr. Marnoco e Sousa, jurista de larga expansão, que escreveu sobre as mais variadas matérias, pouco mais temos digno de vulto. Consultando-o, teremos a compreensão do que é o tal conteúdo constitucional a que aqui se referiu por mais de uma vez o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Eu refiro, com a autorização de VV. Ex.ª, meia dúzia de palavras, nas quais se pode, talvez, condensar (para não estar a citar as teorias extremas, desde as de Aristóteles e outros até à escola naturalista, que dominou o direito político nos últimos séculos) que a Constituição é um complexo de directrizes e de leis que formam a estrutura e regulam a acção e a vida dum organismo.
Eu pergunto já: a Língua é dispensável na vida do organismo nacional? A Língua não é um dos mais importantes elementos na unidade e projecção do espirito português ?
Mas mais. Quando se trata de valorizar o conteúdo constitucional, compara-se, no tratado a que me referi, a p. 349, a Constituição do Estado com a constituição dos organismos vivos, e diz-se:

A Constituição Política encontra-se para o Estado nas mesmas condições que a constituição biológica para os corpos vivos. Assim, como a constituição biológica determina os caracteres, o modo de ser dos corpos vivos, também a Constituição Política exprime os caracteres e o modo de ser dos estados.

E eu pergunto, Sr. Presidente, se, para exprimir correctamente o carácter é o modo de ser do Estado e da Nação Portuguesa, podemos abdicar da defesa da Língua?