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982 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: se alguém tivesse dúvidas de que na Madeira a língua portuguesa se cultivava, e bem, bastaria ouvir o Sr. Deputado que acaba de falar para as destruir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Quem conhece o Sr. Deputado Alberto de Araújo, na fluência com que expõe, na eloquência brilhantíssima com que encanta quem o ouve, fica logo sabendo que na Madeira se presta culto à nossa língua.
Mas o problema não é esse, não é isso que está em causa. O que pretendi dizer, recordando a montagem da D. C. T. na Madeira, é que tive ocasião de verificar
que aí não era devidamente acautelada uma das coisas que representa parcela sagrada da vida portuguesa - a nossa língua.
O que verifiquei naquela terra?
Entrei num hotel e a ementa estava escrita em inglês; entrei em estabelecimentos em que só inglês se falava; vi dísticos em várias partes só em língua inglesa; enfim, tudo contrário a disposições legais, pois é de lei que onde haja indicação em qualquer língua estranha não falte também na língua portuguesa.
Tratei de pedir às autoridades o cumprimento da lei, e limitei-me a dizer que, na verdade, embora sendo a Madeira uma região de turismo, não era de forma alguma aconselhável tal procedimento, tão contrário ao sentido da D. C. T.
Foi nessas condições que quis fazer sentir quanto me chocou o que vi, e disse então que não queria andar com um dicionário na mão para me fazer compreender na minha terra.
Sr. Presidente: não quis senão colaborar com quem tão alto pretendeu pôr a língua portuguesa como coisa sagrada, que é preciso acautelar e defender - não quis senão ilustrar a lição dada pelo Sr. Deputado Cortês Pinto, apontando factos da minha vida de soldado, pois na conjugação de tudo o que é sagrado não pode deixar de figurar a Língua como trave mestra da vida da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: depois do notável parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto em discussão, e depois dos discursos não menos notáveis dos Srs. Deputados Carlos Moreira e Cortês Pinto sobre o mesmo projecto, poderá parecer estranho que eu use da palavra. Mas uso da palavra para dizer que a questão, como foi versada por aqueles Srs. Deputados, não oferece nenhuma dificuldade à adesão de toda a gente.
Todos nós aderimos, na verdade, a que é indispensável, tem sentido, impõe se ao Estado organizar e fazer a protecção e defesa da Língua, mas creio que isso não é a questão que o projecto suscita. A questão que o projecto suscita é outra: é se deve constar doma disposição constitucional a afirmação pura e simples da defesa e protecção da Língua. Todos estamos de acordo em que deve fazer-se essa defesa e essa protecção. Mas o facto de todos estarmos de acordo conduz a que deve inscrever-se na Constituição uma disposição que não consagra mais nada do que isto: defesa e protecção da Língua?
É, suponho, o problema que interessa.
Eu entendo que, realmente, não deve figurar na Constituição, pelo menos nos termos em que foi enunciada no projecto, a defesa e protecção da Língua, porque esta fórmula não tem, para me servir de uma expressão já ontem usada pelo Sr. Presidente, conteúdo legislativo.
Esclareço o meu pensamento:
Compreendo que nas constituições, sobretudo de um estado cujas instituições estão em evolução, se consignem disposições que, embora não tenham conteúdo nitidamente definido, marcam uma corta orientação política. Mas a disposição do projecto que estamos a discutir não marca nenhuma orientação política para o Estado, não aponta para nenhum processo utilizável dirigido a, por meio dele, se fazer a defesa e protecção da Língua.
Exprime um puro anseio: é preciso fazer a defesa e protecção da Língua - e todos estamos de acordo com ele; não há dúvida nenhuma de que isso corresponde a alguma coisa que se impõe a nós todos e que se impõe ao Estado. Mas em que sentido? Como? Que orientação política é que se marca neste projecto? Nenhuma.
Portanto, se entendo que nas constituições do tipo da nossa Constituição são admissíveis disposições que enunciem princípios gerais desde que apontem para uma certa orientação, entendo também que esta não aponta para orientação nenhuma; não tem conteúdo legislativo nem sentido constitucional que aponte para esse conteúdo.
Este um aspecto.

O Sr. Délio Santos: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu queria ver se compreendia duma maneira completa o raciocínio que V. Ex.ª está a esboçar perante nós, mas sinto uma certa perplexidade, que resulta do seguinte: é que, quando na Constituição se faz uma afirmação relativamente, por exemplo, ao território, dizendo que o território da Nação Portuguesa é intangível, inalienável, também me parece que se trata de uma afirmação vaga.

O Orador: - Trata-se de uma afirmação que diz o seguinte: por lei ordinária não pode ser alienada qualquer parcela do território português, no que respeita aos direitos de soberania.

O Sr. Délio Santos: - Porque se considera que o território é um bem nacional de tal natureza que não deve ser alienado.
Ora, fazendo um raciocínio paralelo, entendo que a Língua é um bem mais precioso que o próprio território.
Apoiados.
E por isso temos obrigação de consignar na Constituição o princípio de que o Estado deve defender um outro bem que ainda é superior a esse.

O Orador: - O exemplo de V. Ex.ª não foi bem escolhido, porque a aspiração de todos os que pretendem a defesa da Língua é a sua difusão ao máximo, é aliená-la, no sentido de encontrar formas de condomínio.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Não se trata de condomínios, mas de irradiação da Língua.

O Orador: - E porque não condomínios?

O Sr. Mário de Albuquerque: - Só no sentido filológico é que podemos aplicar à utilização da nossa língua por estrangeiros o termo condomínio: no sentido político ele só é aplicável à unidade espiritual Portugal-Brasil.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª pedia, em relação ao aparte do Sr. Deputado Délio Santos, uma informação mais concreta.
Se me permite, eu forneço-a a V. Ex.ª o artigo 40.º da Constituição diz assim:
«É direito e obrigação do Estado a defesa da moral, da salubridade, da alimentação e da higiene pública».

O Orador: - Isso tem um sentido nítido: aponta para uma orientação política.