20 DIARIO DAS SESSÕES N.º 110
se atravessa, impressiona que haja ainda secretários de finanças, certamente em razão da velocidade adquirida, que continuem a querer tirar dessa contribuição mais rendimento.
Suponho que o exagero fiscal não rende, não interessa sequer ao próprio Estado, pois esse excesso, em país de limitados recursos como o nosso, de economia tão estreita, tão precária, e em momento de crise económica, não rende, não pode render, salvo com risco para a própria economia e, consequentemente, para os rendimentos do Estado.
O artigo 8.º, onde se fala da unificação de taxas de organismos corporativos, não deixa de trazer ao meu espírito certas preocupações.
Entre os vários organismos de coordenação económica avultam os que estão directamente ligados à lavoura. Posso, de maneira geral, afirmar que deram as suas provas e que são úteis na sua acção.
Não quero fazer excepções nas minhas referências e, se especializo alguns, faço-o simplesmente por ter da sua acção conhecimento mais detalhado, mais perfeito, mais completo.
Haverá quem suponha que a vinicultura poderá viver hoje sem a acção coordenadora, sem a vigilância protectora e sem a orientação inteligente da Junta Nacional do Vinho, orientação que se traduz, além do mais, além do muito mais, por essa obra admirável das adegas cooperativas, única base sólida, segura, sob que é possível construir a solução do problema vinícola do País, com mais de 80 por cento de pequenos produtores notavelmente deficientes de conhecimentos técnicos, de instalações precárias ou praticamente inexistentes e de economia, mais do que débil, inconsistente?
Se há, Sr. Presidente, quem pense assim, eu posso afirmar, com a autoridade que me dá uma vida já longa «m permanente contacto com os problemas vinícolas, que qualquer entorpecimento da acção da Junta Nacional do Vinho representará para a vinicultura portuguesa uma verdadeira catástrofe.
O que é preciso, ião contrário, é dar-lhe todos os meios necessários para dominar o problema, pois não se compreende, por exemplo, que esteja fora do seu âmbito a própria cultura da vinha e a produção do álcool, cuja orientação ou soluções têm sempre reflexo, bom ou mau, na situação vinícola, problema este que foi sempre, é e será basilar na nossa economia.
A Junta Nacional do Vinho manteve durante anos um serviço de assistência técnica durante o período das vindimas, que, além de ser bem aceite pelos viticultores, estava produzindo os seus benéficos resultados.
Há dois anos, porém, entendeu-se que essa assistência não pertencia à Junta, mas sim à Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas. Para tanto, com certo arruído, se convocaram os agrónomos dela dependentes e se enviaram a realizar a campanha.
Esta actuou com os elementos que lhe dispensaram, as mais com a boa vontade dos que a tinham a seu cargo do que com as facilidades e meios de que dispunha. Foi, porém, fogo de palha, pois nunca mais tal assistência se realizou.
Para tanto não valia a pena ter tirado essa função, à Junta Nacional do Vinho, onde se encontrava muito bom e era cabalmente desempenhada.
Mas poderá, Sr. Presidente, a cultura cerealífera dispensar igualmente a actuação ida federação Nacional dos Produtores de Trigo, que acabou de uma vez para sempre com o tripúdio da moagem sobre o lavrador, com o sofisma do peso específico, e que, se não pôde tornar rendosa, em anos tão maus como os que temos tido ultimamente, uma cultura que está entre nós fora do seu habitat mais propício, pode, todavia, pagar toda a produção no momento da colheita, dotá-la de melhores sementes, ampará-la financeiramente, realizar estudos que habilitam a tomar posição decidida >na sua viabilidade económica?
Poderá a orizicultura dispensar também a acção da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, de cuja inteligente e meritória actuação mais de uma vez tenho tido ocasião de pôr em relevo nesta Assembleia?
Suponho, Sr. Presidente, que não se poderá responder afirmativamente a estas interrogações e que estes organismos como porventura outros do mesmo género, que só não cito reafirmo porque os não conheço com o mesmo pormenor, com o mesmo contacto de todos os dias, são hoje absolutamente indispensáveis à lavoura, que se sentiria desamparada e bruscamente voltaria ao caos se se visse privada da sua acção.
O Sr. Ministro das Finanças, justamente nestes dados que nos mandou, publica o sumário dos orçamentos dos vários organismos corporativos e de coordenação económica, e é certamente impressionante esse número. Mas direi a VV. Ex.ª que, ao apresentar-se este mapa, devia incluir-se uma coluna que desse o total das despesas administrativas separadas das de fomento. Nestas últimas estão englobados os empréstimos e financiamentos de que a lavoura se socorre e a aquisição de géneros, quer para regularização do mercado, quer para a sua completa absorção, como sucede, por exemplo, com os trigos.
O sistema de escrituração adoptado pelos organismos foi imposto pelo Conselho Técnico Corporativo - que Deus haja e tenha bem fechado na sua mão.
Parece indispensável separar nitidamente as contas propriamente de administração das dos empréstimos, que esses organismos utilizam não para si, para a sua administração, mas para acudirem à lavoura e actuarem em seu benefício.
Assim a Junta Nacional do Vinho, cujas despesas de administração no orçamento publicado não vão além de 16:149 contos, figura no total com um movimento de 134:347 contos, sendo de notar que um quarto da verba destinada à administração 4:302 contos - era de despesas sociais, incluindo estas 1:672 coutos para o Fundo comum das Casas do Povo.
Igualmente a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, cujas contas de administração nos últimos cinco anos nunca excederam 44:500 contos, apresenta nas contas de 1950 um movimento de 1.370:000 contos. Não há que estranhar este número quando nele se incluem empréstimos de 500:000 ou 600:000 contos destinados a compra de cereais, nos quais, diga-se de passagem, a Caixa Geral de Depósitos figura com 146:785, sendo o restante obtido na banca particular.
Esta única verba movimentada duas vezes uma quando recebida dos bancos, e dada em pagamento aos produtores; outra quando recebida da moagem, e entregue novamente ao banco - lá um movimento superior a 1 milhão de contos.
Com muitos outros organismos sucederá o mesmo, não devendo portanto o número apresentado pelos orçamentos dos organismos corporativos ser considerado em absoluto sem estas explicações necessárias, para que no espírito público não fique uma impressão falsa duma administração perdulária e atentatória da economia nacional, quando, na verdade, esse dinheiro se gasta em proveito e benefício da economia nacional -no caso sujeito da lavoura nacional, bem digna, aliás, dos auxílios que lhe prestam, já que, apesar de tudo, não deixa de levar uma amargurada vida económica.
Ë indispensável que se reconheçam os benefícios efectivos da organização corporativa e que se façam todas as diligências para levar ao conhecimento do contribuinte esses benefícios.