120 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 117
Mas esses meamos reparos dão-me indícios seguros do esforço necessário para tornar o projecto realidade, vencendo, sobre todas as dificuldades técnicas da sua promoção, as apreensões que a conjuntura naturalmente suscitava ao tempo em que tudo acabou por ser decidido. Mãos do que o próprio vulto do investimento e os merecimentos dele, havia a louvar em Vila Franca, no passado dia 30, o adunco posto no estudo do problema, a sabedoria dedicada ao equacionar dele, a clarividência com que foi aprovada a resolução; e por muito que nos sentíssemos firmeis ma convicção das bolais razões da obra, quantos lá estivemos do Ribatejo e Alentejo tínhamos dia sobejo a agradecer, aos homens e à Providencia que lhes iluminou os espíritos, o final triunfo dessas razões.
Como Deputado pelo distrito de Santarém, um dos que a nova ponte muito servirá, de inovo e deste lugar me associo aos aplausos, comungo nos regozijes e acompanho no reconhecimento. E sentir-me-ia em pecado de injustiça deixando de nomear, como máximo credor deste reconhecimento - depois de quem criou os condições gerais de exequibilidade de toda a reconstrução nacional -, o Sr. Ministro das Obrais Publicais. Sem a sua inteligência, a sua tenacidade, a sua dedicação à empresa, esta não se teria porventura realizado ainda; e a abra excepcional que de soube querer e justificar ficará talvez como a mais notável duma- actuação que se tem revelado muito feliz num posto bem difícil.
Agora tenho ainda a dizer umas últimas palavras, mas estas para os meus patrícios e sobre um objecto de muitas interrogações recentes: o pagamento de portagem pelo uso da ponte. A resposta às curiosidades provocadas pelos rumores da sua introdução ficou já dada na própria cerimónia inaugural; e a ponta de reticência, em que alguns quiseram ver restos de dúvida, quererá, suponho eu, apenas significar só agora ter chegado, na seriação das preocupações, o ensejo de ajustar os pormenores duma, disposição que afinal pouco importa se aplique umas semanas mais cedo ou mais tarde.
Mas, te as dúvidas foram dissipadas, não foi todavia esclarecido o fundamento da medida, que poucos esperariam e alguns sentem ter razões para estranharem.
Confessarei aqui que eu próprio me incluía no rol destes, aparentemente numeroso. Não porque o facto da portagem em princípio me repugne-sei bem que a prática, suprimida há século e meio por essa Europa fora como estorvo à liberdade da circulação, ressurge agora e multiplica-se por toda a parte, sob as duras exigências da vida moderna, cada vez mais devoradora de recursos. Se a tal uso até os opulentíssimos Estados Tinidos da América entendem necessário deitar mão - e fazem-no para muitas das suas grandes obras rodoviárias -, não seria nunca excessivo que na nossa modéstia aproveitássemos também a receita, cujas cobranças parecem não importunar demais o povo mais apressado da terra.
Tenho todavia por entendido que as portagens servem em regra para amortizar investimentos financiados por operações privativas, e nesta diferença se estribava a minha surpresa.
A ponte de Vila Franca, com efeito, foi paga pelas receitas gerais do Estado; não determina, pois, um serviço financeiro que cumpra assegurar especialmente, e, não estando nos nossos hábitos que o uso das obras de viação seja pago, bem poderia em consequência esperar-se para ela a costumada gratuitidade de passagem. Nem esta é grande favor, porque os usuários das estradas nacionais pagam por si sós, em impostos directos e indirectos, o que elas custam a manter.
Sem dúvida a obra foi muito cara e pesada ao erário; mas outras comparáveis o tem sido também, e todavia utilizamo-las livremente. Ocorre logo o exemplo da auto-estrada de Lisboa: passadas as bifurcações para Algés e Sintra, serve só ao estádio Nacional e a algum trânsito para os Estoris.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Votada em grande parte a tráfego de luxo ou prazer, que rende a auto-estrada, se o próprio Estádio que completa é deficitário nalguns centos de contos por ano?
Nestes termos, sem necessidade forçosa, sem precedentes senão negativos -as últimas portagens foram suprimidas, há ainda poucos anos, justamente como embaraços ao trânsito -, até com certa desigualdade comparativa, a novidade da portagem em Vila Franca de Xira causou sensação, que, repito, também experimentei. Para mais, convicto da larguíssima utilidade da obra, nem me parecia que nela tivessem sido consumidos dinheiros da Nação em proporções que, por demasiadas, impusessem alguma forma de reembolso. E perguntava-me sobre tudo isto se o enfado certo do público poderia ao menos ser compensado por receitas realmente substanciais e apreciáveis no acervo dos rendimentos gerais a que se juntariam.
Possuído destes sentimentos e razões, e sabendo que de alguns deles partilham sectores respeitáveis da opinião, senti que cumpriria inteirar-me das razões em contrário, pois, não querendo calar-me com as minhas, se prevalecessem no meu entender, desejaria dar à medida do Governo, e perante os meus com provincianos, o publico crédito dos fundamentos que era o primeiro a desejar me convencessem deveras.
Procurei, pois, informar-me em boa fonte e conclui, e digo que em favor da medida, seja ela embora ingrata, militam razões de interesse superior, a quê é justo reconhecer o peso.
Conhece-se exactamente, claro está, o tráfego até agora habitual da travessia de Vila França, pela estatística do movimento dos barcos locais; e um inquérito conduzido durante o último ano permitiu ajuizar da proporção, e consequentemente do preciso volume, daquele tráfego dos barcos de Cacilhas que, dado o seu destino, é lícito presumir se desvie para a ponte.
Nestas bases, e com a adicional segurança das provavelmente fortes e por ora indetermináveis correntes que se formarão, atraídas pelas comodidades da nova passagem, foi possível calcular com. segurança a receita da portagem, com taxas, moderadas e a legítima protecção ao tráfego modesto e ao de interesse puramente local.
E verifica-se que tal receita chegará para cobrir os encargos da sua conservação, aliás dispendiosa, e mais os da reintegração total do custo da obra, em prazo razoável e a juros correntes, encargos que são, aliás, incomparavelmente maiores, como é fácil crer.
Esta capacidade de reintegrar o seu próprio custo, numa capitalização normal, conferirá à obra aquele carácter de directa reprodutividade, cuja dúvida a tornou tão discutida por certas vozes autorizadas, e justificará finalmente toda a argumentação que fez triunfar o projecto.
Eis a razão forte - não sei se diga a obrigação moral- da portagem; e as dificuldades da conjuntura que temos atravessado, de modo nenhum vencidas, dão-lhe o maior peso.
Não é, aliás, improvável que, uma vez firmada a receita, a mesma importância dela venha a justificar melhoramentos conexos de alto valor e do maior interesse, abrindo até caminhos de solução a problemas que de outro modo teriam de arrastar-se longamente.
O pequeno ónus incidente sobre os usuários da ponte poderemos todos pagá-lo, pois, com a certeza de que,