232 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 123
fortemente importadora, publicando o Decreto-Lei n.º 37:977 e disposições subsequentes que elevaram consideravelmente as taxas da pauta de importação.
A indústria, certas indústrias, temem, porém, que ao cessar, ou, melhor, ao recalcar-se o ímpeto do rearmamento se entre num período de dura concorrência internacional, que a capacidade de produção do Mundo, extraordinariamente aumentada, tornará particularmente séria. Se esta concorrência externa fosse ainda agravada por um recrudescimento da concorrência interna, nascida da maior possibilidade de instalação de novas unidades produtoras, poderia chegar-se rapidamente a um estado de sobreprodução que a lei prevê, mas que o Governo só poderia verificar depois de se ter produzido e corrigir quando já tivesse provocado estragos mais ou menos consideráveis.
Por outro lado, é inegável que o Mundo sente-se agitado neste momento por um poderoso movimento de ideias favorável à maior liberdade da iniciativa privada, a certa desmobilização económica (que só o rearmamento impede que seja mais extensa). Dir-se-ia que o mundo ocidental quer ainda agarrar-se a um sistema de ideias bem diferenciadas da mística totalitária, para opor ao poder ilimitado do Estado a dignidade insuperável da pessoa humana, com as suas liberdades ou direitos naturais, que Deus lhe concedeu na sua infinita sabedoria e a Natureza lhe não pode tirar.
Limitados na produção de matérias-primas minerais e orgânicas, limitados na produção de produtos alimentares, com uma alta densidade de população e um índice de crescimento elevadíssimo, com o nível de vida das populações a deslizar visivelmente em vastas regiões do País, com as possibilidades de emigração reduzidas durante largo período e, mais tarde, o sério decréscimo dos nossos rendimentos invisíveis, portanto dos meios de pagamento para as nossas importações, é natural que entre nós se tivesse desenvolvido a ideia de que encontraríamos na industrialização do País a possibilidade de utilização produtiva do nosso potencial demográfico. Acrescendo a produção, não só para consumo interno, mas também, e sobretudo, para exportação, criaríamos novos meios de pagamento para as nossas importações, que serão de crescer proporcionalmente mais do que a nossa população se quisermos elevar o nível de vida nacional.
O estudo do nosso comércio externo não mostra que tenhamos podido contar nos últimos vinte anos com as importações para elevarmos o nível de vida das populações. Com excepção da importação de aparelhos, máquinas e ferramentas, todas as restantes classes baixaram per capita no decénio de 1941 a 1950, comparado com o decénio de 1921 a 1930.
Apesar do grande esforço e sacrifício feitos para desenvolvermos a nossa indústria, as quantidades de matérias-primas importadas sofreram um declínio de 10 por cento per capita.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Desejo simplesmente fazer tuna observação. Em alguns casos fomos buscar precisamente à metrópole aquelas matérias-primas que antigamente importávamos. Cito um exemplo:
No primeiro decénio a que V. Ex.ª se referiu a importação de enxofre bruta era total. Não havia matéria-prima portuguesa. Hoje toda a matéria-prima é produzida em Portugal, o mesmo se dando com outras. Houve um melhor aproveitamento dos bens nacionais.
O Orador: - Não há dúvida nenhuma quanto ao enxofre.
Deve V. Ex.ª notar que o fenómeno de ordem geral se mantém constante, pelo menos desde o princípio do século. Se bem que as quantidades absolutas tenham aumentado, as quantidades por habitante, que são as que me estou referindo, diminuíram. Não parece, por isso, que o caso do enxofre, ocorrido nos últimos vinte anos, possa, por si só, explicar o fenómeno.
Se, na verdade, os números absolutos das nossas importações de matérias-primas são maiores, os números relativos mostram um decréscimo por habitante, e são estes os que contam, porque traduzem o maior ou menor bem-estar das populações. Por contra, a nossa importação de aparelhos, máquinas e ferramentas subiu, em conjunto, 47 por cento, simultaneamente com o decréscimo de 28 por cento na importação de manufacturas diversas e de 14 por cento em substâncias alimentares, o que expressa claramente o grande sacrifício feito com a aparelhagem industrial ido País à custa da importação de bens de consumo corrente e do que eles podem significar para o bem-estar das populações.
Também os fios e tecidos sofreram redução considerável. Aqui a quebra atingiu 61 por cento. As fiações e tecelagens, ao que parece, vão satisfazendo quantitativamente, por forma crescente, as necessidades do mercado interno e ultramarino, apesar de no último meio século nunca termos estado dependentes em grande escala, na metrópole, do abastecimento externo em tecidos.
A propósito desta indústria seja-me permitida uma pequena digressão exemplificativa do artificialismo económico em que vivemos.
Não tinham os nossos produtos grande procura lá fora até há pouco. Exportaram-se durante e depois da guerra fio e tecidos em pequena quantidade, mas foi sobretudo em 1949 e 1950, com a inclusão de contingentes de fio e tecidos de algodão em numerosos acordos comerciais, nomeadamente nos acordos firmados com a França, a Suécia, a Finlândia, a Holanda e a Dinamarca, que este negócio começou a tomar vulto.
Em 1950 fizeram-se exportações maciças para o estrangeiro, que atingiram cerca de 5.800:000 quilogramas de fios e tecidos, no valor de 288:000 contos. O fio foi exportado ao preço médio de 34$30, a ajuizar pelos valores estatísticos, e os tecidos a 54$30 o quilograma, enquanto o algodão em rama importado do estrangeiro nos custou em média 35$70 e o colonial apenas 12$50.
Quer isto dizer que, se considerarmos o preço do algodão em rama importado do estrangeiro, o fabrico de manufacturas de algodão para exportação para o estrangeiro nos deu avultado prejuízo e, se considerarmos o preço do algodão de Angola e Moçambique, a valorização do produto pela sua industrialização em Portugal rendeu, pelo menos quanto ao fio, menos do que poderíamos ter obtido pela exportação pura e simples do algodão em rama.
Assim, o nosso poder de compra externo não foi acrescido com tais exportações e o poder de compra no ultramar, diminuído da diferença entre os preços mundiais do algodão e o preço por que o nosso foi pago aos produtores, mais de 20$ em quilograma naquele ano, qualquer coisa como uns 128:000 contos nas 6:400 toneladas empregadas no fabrico dos 5.800:000 quilogramas de manufacturas exportadas para diversos países, ou 640:000 contos de poder de compra subtraído às províncias ultramarinas num só ano, se considerarmos o diferencial do preço sobre a totalidade das 32:000 toneladas que Angola e Moçambique nos forneceram, 640:000 contos que o ultramar poderia ter gasto, em grande parte, na metrópole em produtos alimentares, estimulando a agricultura, e em produtos manufacturados das mais variadas indústrias, incluindo a própria tecelagem, com grande benefício para a economia industrial e vantagem para os preços no