19 DE JANEIRO DE 1952 231
Mas que do Diário das Sessões fique constando quais os factos que impuseram a nova doutrina e quais as soluções que se apontam para os riscos que acabo de evidenciar.
Não será pedir demais.
Um último reparo, Sr. Presidente:
Associo-me com o maior entusiasmo às justíssimas considerações aqui tão brilhantemente produzidas pelos Srs. Deputados Engenheiro Magalhães Ramalho e Prof. Amorim Ferreira.
É, com efeito, indispensável estabelecer uma intima coordenação entre o regime de condicionamento nos diversos territórios do Império, para que num deles se não faça o que noutro se irá desfazer.
Conhecemos as dificuldades constitucionais que a efectivação desta aspiração implica.
Mas não importa.
Que ela chegue ao Governo como uma sugestão da Assembleia Nacional, a que cumpre dar execução pelos departamentos próprios.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - A proposta de lei do condicionamento industrial tem particular interesse para os que de perto vêm acompanhando a evolução do Estado moderno, a sua transformação e o âmbito sempre crescente das suas intervenções e tem grande importância para a vida económica do País pelas repercussões benéficas ou prejudiciais do novo espírito e da nova lei sobre a segurança dos capitais e do trabalho, sobre os preços e a balança de pagamentos, sobre a moeda e o crédito, sobre o nível de vida e o salário.
Não me proponho tratar a fundo de todos estes aspectos da questão, mas apenas fazer ressaltar mais uma vez a transcendência da lei sobre a qual esta Câmara é chamada agora a pronunciar-se.
E muito difícil ser objectivo numa matéria que nos é submetida sem um meticuloso e exaustivo inquérito industrial a informá-la. Somos assim forçosamente levados a pronunciar-nos em tese sobre muitos pontos, sobre os méritos de uma mais ampla ou mais restrita liberdade, de uma maior ou menor intervenção do Estado, em suma, sobre os méritos da industrialização e as suas limitações em Portugal.
A proposta desvia-se do espírito de 1937, em que foi concebida a primeira lei estatutária do condicionamento industrial, no sentido de uma certa atenuação dos rigores disciplinares. Com efeito, naquele tempo o condicionamento era tido como um elemento ao mesmo tempo complementar e acessório da organização corporativa, ampliava os seus poderes ou funções ao serviço de um pensamento ou de uma política que se inspira no poderio do Estado e na sua função orientadora e reguladora da vida económica e social.
Na proposta que estamos apreciando parece haver o desejo de desmobilizar de certo modo a economia nacional, ainda que conservando o Estado para si uma poderosa armadura, que lhe permita regular amplamente o exercício da iniciativa privada num sector tão importante como é o da produção industrial. Senhor de dispor quantitativa e qualitativamente sobre ela, árbitro da conveniência da renovação dos estabelecimentos ou da criação de indústrias novas, continuam, em última análise, nas suas mãos os destinos dessa poderosa força criadora que é a iniciativa privada.
Ë sobre aquela limitada desmobilização a que me referi e sobre uma possível diminuição do papel da organização corporativa, com o consequente aumento dos
poderes centrais do Estado, que se levantam divergências em determinados sectores. Eis um aspecto da proposta da especial competência desta Câmara política.
Durante os dezoito anos passados de corporativismo o sistema desviou-se consideravelmente da ideia original de autodirecção. As intervenções directas do Estado no funcionamento dos organismos e das empresas e a tendência das actividades para se entrincheirarem em sistemas fechados ou exclusivos acumularam tantos problemas insolúveis fora da ordem natural que parece inevitável ter de recorrer-se a ela, repetindo mais uma vez a eterna alternação da autoridade com a liberdade, numa rectificação cíclica de posições que a incapacidade inerente a todas as instituições humanas de estabelecerem e garantirem a justa medida da liberdade ou os limites harmónicos da disciplina impõe.
Para analisarmos este aspecto crucial da proposta é conveniente não perder de vista as perspectivas históricas. Antes da guerra despontara apenas o movimento de renascimento industrial entre nós. Durante a guerra e nos anos imediatamente subsequentes ele tomou novo e poderoso alento, com a instalação e ampliação de numerosas unidades e a aplicação sucessiva da Lei de Reconstituição Económica. Em plena guerra e no período da reconstrução europeia o problema da concorrência internacional não se punha para a indústria portuguesa. Tinha ao seu dispor o mercado interno e o mercado internacional. O clima, por toda a parte, era de restrições e de total intervenção do Estado - o clima da mobilização económica.
A indústria vivia descuidada atrás da tríplice muralha, que parecia inexpugnável, do condicionamento, das pautas e do licenciamento do comércio externo. Com os acordos derivados do Plano Marshall as importações do grupo de países da O. E. C. E. foram libertadas de peias quantitativas, derrubando-se parcialmente esta muralha protectora. Não fosse o incidente económico do rearmamento maciço e teríamos assistido a um feroz assalto da concorrência internacional entrando por esta brecha. Tivemos dela uma séria ameaça antes da guerra da Coreia.
Mas, como as coisas estão, a concorrência afastou-se, por agora, das nossas fronteiras e uma situação grave se criou, a que me referi o ano passado: a insuficiência das nossas importações. O desequilíbrio do comércio com o grupo da O. E. C. E. determinou o aumento crescente do nosso saldo na União Europeia de Pagamentos, o que nos força a favorecer por todos os meios as importações de produtos originários destes países, mesmo em prejuízo do preço.
Fiéis às paridades das moedas escriturais, temos assistido impotentes à saída de produtos nossos contra pagamento naquelas moedas, para, lá fora, serem reembarcados para diverso destino contra dólares reais, que naqueles mercados têm melhor cotação do que a moeda escriturai. Assim, pois, o País fica credor de dólares escriturais e o intermediário estrangeiro senhor dos bons dólares americanos. E que, quando uma moeda tem um câmbio oficial superior ao seu valor real (e este é o que lhe atribui o mercado internacional, directa ou indirectamente), ela tende a acumular-se nas mãos da entidade que a compra por tal alto câmbio. E, afinal, a velha lei de Gresham a operar. Sempre que o câmbio de uma ou mais moedas se afasta da paridade internacional dos preços das mercadorias a arbitragem de produtos é inevitável. Uma moeda tende a valer, sempre menos do que a sua paridade ouro quando não é livremente conversível.
Nesta conjuntura temos uma irresistível tendência a exportar e uma forte necessidade de importar.
O Governo antecipou-se, em parte, aos perigos que para a indústria pudessem advir de uma situação