458 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 133
manterem o espírito da sua arma e a destreza própria têm crescentemente de dedicar-se aos exercícios e provas do concurso hípico. Os concursos despertam emulações salutares, proporcionam à oficialidade as euforias do sucesso e as satisfações morais, e mesmo materiais, que vêm com ele, e, sendo afiliai dias manifestações desportivas em que os Portugueses são habitualmente mais felizes, tem valor até fora do campo estritamente militar. Aprecie-se ou não o aplauso que as multidões conferem às coisas de desporto, este é um facto irrecusável; convém, pois, que se mantenha o gosto e a prática desta modalidade, das raras em que usamos sair-nos bem nas competições internacionais. O Exército foi e terá de ser sempre o seu grande cultor; a todos os títulos é bom que continue.
Mas o concurso hípico exige cavalos velozes e capazes de grandes repentes de esforço; exige também estaturas avantajadas, para melhor vencerem obstáculos elevados. Requer, em suma, tal como se pratica hoje em dia, cavalos com sangue inglês, que é o inexcedível sangue árabe, modificado pelo trato rico e longa selecção, em vista da velocidade e por cruzamentos com éguas engrandecidas nos fartos pastos dos climas húmidos.
Tais cavalos só a grande custo se criam em Portugal. Porém, mais ou menos todos os que as remontas trazem do estrangeiro, mesmo para as fileiras, têm sangue inglês; não seria, pois, impossível que a perspectiva de seleccionar alguns animais bons para concursos, mesmo dentre as massas das fileiras, com economia sobre a aquisição de exemplares adrede escolhidos, influísse também na simpatia pelos cavalos estrangeiros...
Por isto, talvez, há quem creia, e já mesmo se escreveu, que a subida da craveira, da antiga marca, foi pretexto para comprar menos cá no País. O ponto é, evidentemente, do maior melindre, por se tratar de uma questão técnica, em que as autoridades militares são soberanas para definirem os seus próprios requisitos e pelas inferências a que se presta. Mas, ao notar que a lei de remonta de 1911 exigia apenas 1 m,47 de altura aos poldros de 4 anos para servirem ao Exército e agora se requer a altura mínima de 1 m,52, não posso deixar de perguntar com viva curiosidade porque é isto, pois afigura-se-me que o cavalo militar há-de ter hoje em dia todas as mesmas funções de há quarenta anos, menos aquelas muitas de que foi dispensado pelos motores, e de novo nenhumas. Sendo assim, para que tem de ser maior?
Com certeza haveria, pelo menos, um bom motivo para reduzir as exigências em matéria de altura, e este é o de se ter imposto durante demasiado tempo o cavalo árabe puro como principal progenitor das raças portuguesas destinadas, ao serviço do Exército; assim mandaram as duas leis de remonta de 1911 e de 1930. Ora o árabe, como se sabe, sendo o rei dos cavalos, é, todavia, baixo, e há-de ter contribuído para apequenar a criação. Teria sido mais razoável mudar de sementais com tempo antes de se começarem a pedir cavalos maiores.
A outra grande razão de desinteresse pelos nossos cavalos está nas suas alegadas frequentes taras ósseas e má conformação. Queixam-se muitos criadores de que lhes são rejeitados sob pretextos destes produtos, cujos defeitos absolutamente nada os inferiorizariam para o serviço militar, mas é óbvio que o ponto se presta a intermináveis discussões. Seguramente muitos dos defeitos recusados tem origem em descuidos de selecção pelos próprios criadores, anãs estes asseveram que a quebra da clientela não justifica maiores cuidados, e a criação de muares, que lhes resta como única alternativa possível, tão-pouco os exige.
No que poderia assim tornar-se em círculo vicioso de recriminações e queixas há, porém, um factor considerável e de largos efeitos a destacar: o alheamento do Exército pelo próprio apuramento da produção.
Este é recente e surgiu no contrário de uma evolução que teve salutaríssimos resultados, produzindo efeitos, por tal forma benéficos e importantes, que, em pouco tempo, se fizeram sentir por forma notável, como diz textualmente o relatório da lei de remonta de 1930. Tal evolução começara com a primeira lei de remonta, de 26 de Maio de 1911, a qual, reconhecendo a decadência contemporânea do que chamava «a indústria equina» e os seus perigos, pura o armamento do Exército, promulgou providências capazes de fazerem aparecer no mercado novo tipo de cavalos harmónico com as necessidades.
Para atingir os seus fins, que visavam tanto à produção de cavalos para as fileiras como à de cavalos de qualidade para oficiais desses que agora se diz só poderem ser encontrados no estrangeiro -, a lei criava uma coudelaria militar, que seria a já famosa de Alter, depósitos de garanhões e potris, registos de éguas, etc.
A Coudelaria Militar de Alter, além de tratar de restabelecer a excelente raça do seu nome, ocupou-se também da criação de alguns animais, de sangue inglês, para montadas de oficiais e desporto hípico, tendo conseguido resultados notáveis.. Eram tempos em que tudo se procurava fazer «com a prata da casa», e muito de bom se fez. Bons tempos!
Ao fim de vinte anos de experiência, a lei de 1930 veio manter todo o sistema anterior e trazer até uma inovação rasgada: o Estado compraria - obrigava-se a comprar!- criações completas, contando que capazes, e os criadores nada poderiam vender sem ouvirem o Estando. Fazia-se assim ainda há vinte anos e mantinha-se e confirmava-se para melhor depois de outros tantos de experiência evidentemente satisfatória.
Depois tudo mudou.
Alter deixou de ser uma coudelaria militar; o registo das éguas produtoras foi pràticamente abandonado; acabaram as compras de poldros novos e acabaram também os potris, onde o Estado poderia ainda lucrar o que ganham uns intermediários nos raros cavalos que compra.
Tudo se passou em poucos anos e se fez com simples despachos, sem o trabalho sequer de rever a lei e as suas promessas. E pode dizer-se à vontade que os animais já não prestam, tendo deixado de fazer-se muito do necessário para que prestassem!
Todavia ... todavia o Exército pode precisar de cavalos, de muitos mais cavalos, se algum dia que nunca o vejamos!- tiver de mobilizar. Mantém por isto, e para isto, um apurado recenseamento de solípedes, e mal se achará quem vender uma besta sem prontamente participar seu destino, quem enterrar a que lhe morra de desastre sem fazer verificar devidamente o óbito: a repartição competente vela zelosamente pelos registos, e para mobilizar já tudo serve ...
Há, pois, uma necessidade potencial bem confirmada; e como se atende a ela? À produção, assoberbada de gado por vender, negam-se as facilidades de exportar, para que os animais fiquem à espera de poderem ser necessários. Sim, porque tem havido ocasionalmente possibilidades de exportar os nossos excedentes de cavalos para países que os solicitavam, e com vivo interesse; algumas vendas se fizeram ainda, mas ùltimamente esta saída foi vedada, e corre com insistência, que toma visos de certeza, que o foi ante parecer do Ministério do Exército sobre a necessidade de conservar os solípedes no País para caso de guerra.
De modo que se chegou a esta curiosa situação: os cavalos não prestam; preferem-se-lhes estrangeiros, mas