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660 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148

Repito, porém: o que está em causa não deve ser esta ou aquela Assembleia, mas o princípio permanente de que todas derivam.
O assunto aqui trazido em aviso prévio pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro não é um caso esporádico, mas apenas um lapso mais de uma série já longa, a alguns dos quais me vou referir.
Na passada sessão legislativa foi posta em destaque a irreverência de um alto funcionário que se permitiu comentar publicamente as apreciações, justas ou injustas, feitas por um ilustre Deputado aos serviços da sua, aliás competente, direcção.
Não pretendo reavivar questões e dou até como prova do que afirmo o facto de não as ter levantado quando, primeiro do que o ilustre referido Deputado, fui objecto dos comentários irónicos desse alto funcionário. De resto, alimento a seu respeito uma opinião bastante lisonjeira, mesmo a despeito da que falta de serenidade.
Somente desejo acentuar que não foi enviada a esta Assembleia a propósito do incidente qualquer explicação. Decerto, se ela tivesse vindo, V. Ex.ª, Sr. Presidente, não se teria dispensado de a comunicar a todos nós, que a receberíamos com a benevolência e o agradecimento devidos.
Ainda na anterior sessão legislativa foi pela Assembleia aprovado um projecto de lei de amnistia, e foi-o por unanimidade de votos. No Diário do Governo apareceu essa resolução com o título de Lei n.º 2:039, salvo erro, e mais tarde apareceu o Decreto n.º 38:287, que pretendia ser o regulamento da lei aqui aprovada, mas que se permitiu antes alterar profundamente o espírito das resoluções parlamentares, a ponto de em alguns aspectos as ter desvirtuado por completo. Já terá sido enviada a esta Casa qualquer explicação sobre o sucedido? Continuo a pensar que, a ter sido dada, não estaríamos nós, os Deputados, na ignorância de tão importante facto.
Terá a Assembleia errado, tal como mais tarde - segundo lhe foi feito sentir - o fez ao modificar não sei já que artigo da Constituição?
Também na sessão anterior foi aqui tratado em aviso prévio o desemprego intelectual. Parece que muita gente se dispensou de ler as páginas do Diário das Sessões onde foi reproduzido o debate a propósito, pois a única providência até hoje tomada a tal respeito consistiu na publicação do diploma que está sendo objecto de crítica, pelo qual foram extintos, ao que me informam, duzentos lugares de licenciados em Direito. Como afirmação de boa vontade para com esta Assembleia e de consideração pelo voto que formulou no fechar o debate não se poderia exigir mais nem melhor...
No parecer sobre as Contas Públicas de 1950 diz, a p. 134, o seu ilustre relator:

Parece ter sido publicado pelo Ministério das Obras Públicas em meados de 1951 um relatório sobre a actividade deste Ministério no período respeitante a 1950. Procurou o relator das Contas Públicas esse relatório e não pôde encontrá-lo na Assembleia Nacional nem em nenhuma das comissões nem no seu arquivo.
E comenta, entre surpreso e desolado:
Parece não ter sido enviado àquele alto corpo político, onde todos os anos se apreciam as contas do Estado ...
Claro! Para quê?... Que teríamos nós a ver com isso?...
Reclamações, queixas, alvitres formulados encontram quase sempre da parte dos Ministérios a que dizem respeito um mutismo, um silêncio verdadeiramente desalentadores para quem ingenuamente alimenta ilusões sobre a eficácia das suas intervenções. E informações pedidas já têm chegado a demorar dezoito meses e algumas acabam mesmo por não ser prestadas. Leis aprovadas aqui nunca foram postas em execução.
Por último inaugurou-se na administração pública o hábito de, quando surge qualquer acontecimento importante para o País, se fazer reunir um parlamentozinho de jornalistas, aos quais se faz uma leitura mais ou menos longa e a cuja disposição se põem em seguida os titulares e subtitulares das pastas para responderem às perguntas ou objecções que venham a ser-lhes feitas pelos presentes.
Não desconheço o valor da imprensa no mundo de hoje; simplesmente se as declarações fossem feitas perante esta Assembleia, não deixariam de ter repercussão na imprensa diária, enquanto que as prestadas nas circunstâncias referidas não ficam registadas no Diário das Sessões.
Concordo em que seria ridículo e inconveniente convocar especialmente a Assembleia Nacional para lhe dizer que a balança comercial apresentou melhoria em relação ao ano anterior, ou a razão das causas da desvalorização do escudo em face do dólar. Hás talvez certos comunicados pudessem ser feitos depois de ela estar aberta ou aproveitar-se o seu funcionamento para fazer outros e assim se mostrar que os representantes da Nação merecem do Poder Executivo o respeito devido.
Sr. Presidente: com estas considerações não tive em vista outra intenção que não fosse uma teórica afirmação de princípios, pois tenho por seguro que nada se modificará.
O desprestígio das instituições parlamentares é um facto inegável em todo o Mundo. E, caso notável, ele é principalmente fomentado pelo próprio funcionamento normal dos chamados «governos populares B, das democracias, cada vez mais transformadas em oligarquias.
Também em política parece que para se alcançar o dom do meio termo, do equilíbrio perturbado por um extremismo, é forçoso primeiramente ter-se de viver o extremismo oposto.
Este equilíbrio, entre nós, só um regime verdadeiramente inspirado na tradição nacional o pode trazer. Durante algum tempo pareceu que nos encaminhávamos abertamente para essa direcção; depois os acontecimentos modificaram as perspectivas e houve muita gente de Portugal que se deixou possuir pelo desalento.
Por mim, continuo a ter fé na volta do equilíbrio, até porque ele é necessário e por isso possível.
(Continuo a ter fé na harmonia da autoridade com as liberdades; da autoridade representada pelo Executivo com as liberdades simbolizadas pelos órgãos legislativos constituídos com base nas realidades nacionais e soberanos nas suas atribuições racionais e legítimas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: tem a questão sido posta no terreno do prestígio da Assembleia e as criticas vivas que aparecem resultam precisamente do facto de haver a convicção de que está real e efectivamente tocado esse prestigio.
Se tivesse propensão para aderir desde logo, sem qualquer juízo crítico, às afirmações que se fazem, diria que nunca podia ter-me sentido nesta tribuna tão pouco à vontade como hoje.