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658 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148

Recordando ominosos tempos, Salazar disso um dia:

O Parlamento oferecia permanentemente o espectáculo da desarmonia, do tumulto, da incapacidade legislativa ou do obstrucionismo, escandalizando o Pais com os seus processos e a inferior qualidade do seu trabalho.
Com efeito, Sr. Presidente, quando o Parlamento era uma fanfarra, a sua desautorização explicava-se. Mas agora, porquê?! Onde está a semelhança entre o Parlamento e a Assembleia que justifique igual tratamento?
Dizem por ai que a Assembleia Nacional é um orfeão. Talvez pela disciplina coral quando nos tocam na corda sensível, mas não pela sujeição incondicional a qualquer batuta; talvez porque aceitamos a subordinação voluntária, mas não transigimos com a subserviência imposta.
Que uma assembleia se arvore em soberana indiscutível, emperrando a cada passo a máquina governativa, atraiçoando mesmo a confiança da Nação, comprometendo tantas vezes o bom nome e ás relações internacionais do País, é, sem dúvida alguma, inadmissível; mas desprezar os direitos que assistem à Assembleia Nacional, não só perante as normas constitucionais que regulam o seu funcionamento, mas também perante o mínimo de decoro necessário à sua função e ao seu prestígio, isso é que já envolve afronta opinião pública que a elegeu para seu representante directo.
Posso individualmente não me preocupar com a opinião pública, mas como representante da Nação não posso alhear-me dela; acho até naturalíssimo que as suas reflexas encontrem eco nas ressonâncias deste hemiciclo, por onde tem desfilado tanta grandeza e tanta miséria.
Mas, prosseguindo, proclama a Constituição a independência dos três poderes do Estado, mas é a segurança do próprio Estado que aconselha a sua interdependência. Essa interdependência baseia-se naturalmente no respeito mútuo.
Por isso mesmo, e apesar das razões sentimentais que me assistem, como Deputado à Assembleia, repito que não aprovarei qualquer moção de censura. Não procuro esmagar um adversário, pretendo apenas convencer um amigo.
O que importa sobretudo é procurar conseguir que o Governo reconsidere sobre a atitude que tomou ex abrupto. Qualquer das soluções preconizadas no aviso prévio suavizaria porventura as susceptibilidades da Assembleia, mas não resolveria o problema quanto à situação dos povos interessados. A solução perfeita seria o restabelecimento do decreto tal cromo a Assembleia o votou.
Nesta conformidade, darei o meu inteiro aplauso a qualquer moção em que a Assembleia solicite do Governo esta dupla satisfação.
Será isto exigir muito? O Governo que responda. Mas se esta solicitação peca por excesso, a verdade é que a resposta do Governo também peca por diferença, e mais pela insuficiência de satisfações morais do que jurídicas.
Ouvi há poucos dias a um ilustre colega nosso, a propósito do assunto em questão, este conceito magnífico: a Nada há mais esterilizante do que empurrarem-nos para o cepticismo». E, com efeito, meus senhores, mal vai a uma causa quando os seus servidores perdem a fé na sua própria missão. Ora é isso precisamente que desejamos evitar a todo o transe.
Com este aviso prévio prova-se entretanto o que já é bastante animador - que a sensibilidade, pelo menos, ainda a não perdemos.
E vou terminar, Sr. Presidente:

Seria uma injustiça não frisar condignamente a rara isenção e a elegância surpreendente com que foi levantado este aviso prévio. Ele pertence, desde hoje, à Assembleia, porque faz parte integrante do seu património moral. Já não é do seu promotor, é de todos nós.
Isso não impede, contudo - até obriga -, que eu, neste momento, lhe preste a devida justiça e, como membro da Assembleia Nacional, com a mesma isenção e a mesma elegância, o saúde do alto desta tribuna.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vasco Mourão: - Sr. Presidente: pelo nosso sistema constitucional, tinha-se conseguido ama útil forma de equilíbrio entre a comprovada necessidade dum governo forte e a indispensável fiscalização dos seus actos por parte duma assembleia política.
Dotados, tanto a Assembleia como o Governo, de funções legislativas, o sistema funcionou sem atritos até à publicação do Decreto-Lei n.º 38:385, que revogou algumas disposições da Lei n.º 2:049, votada nesta Assembleia.
Esse acto do Governo causou, como era Se prever, justificada reacção nesta Assembleia, que se traduz no aviso prévio agora em discussão.
Estamos numa assembleia política, e em política o que parece é.
Consequentemente, sejam quais forem as razões que se invoquem para justificar a atitude do Governo, a verdade é que dessa atitude resultou publicamente uma quebra de prestígio para esta Assembleia.
Ora se é certo que algumas divergências podem sempre surgir entre o Governo e a Assembleia em consequência da disparidade de pontos de vista quanto à solução adoptada para um ou outro problema de interesse nacional, o que nada fazia prever é que se fosse provocar um atrito grave com esta Assembleia por uma questão que, em si mesma, não justifica a importância que o Governo lhe atribuía, revogando por decreto-lei disposições que, embora de carácter secundário dentro do conjunto da reforma que a Lei n.º 2:049 consubstancia, foram justamente das que mais acalorada discussão haviam provocado nesta Assembleia antes da sua votação definitiva.
E, desde que a pouca importância das disposições revogadas não justificava a atitude do Governo com 8 publicação do Decreto-Lei n.º 88:385 a seu respeito, tem de concluir-se que essa atitude representou, por parte do sector ministerial directamente interessado ha reforma, um propósito de marcar vincadamente um princípio de completa independência do Governo em relação à Assembleia Nacional, mesmo quanto aos textos legais por esta votados definitivamente.
Pela parte que me diz respeito, assim interpretei a atitude do Governo e não tenho razões para modificar a minha maneira de ver em face da leitura que acaba de ser feita da extensa resposta governamental.
Nela se contêm especiosas razões de ordem jurídica, mas o facto fundamental mantém-se e o correspondente desprestígio que atingiu esta Assembleia.
Ora, Sr. Presidente, quem ler desapaixonadamente a discussão travada nesta. Assembleia sobre o projecto que veio a transformar-se na Lei n.º 2:049 e as propostas de emendas apresentadas, tem de concluir que essa discussão foi conduzida com a maior elevação, dela ressaltando nitidamente o único propósito de uma leal colaboração com o Governo, evitando-se alterações fundamentais que pudessem afectar a própria estrutura do projecto em causa.
Esta posição tomada pela Assembleia merecia melhor acolhimento da parte do Governo; merecia até uma real prova de consideração.
Julguei-me no dever de produzir estas breves considerações pela circunstância de ter intervindo naquele debate e subscrito algumas das propostas de emenda que vieram a ser integradas no texto da Lei n.º 2:049, para mani-