654 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148
foi objecto de parecer da Câmara Corporativa, no qual foram sugeridas emendas que acarretariam um aumento de despesa de cerca de 6:800 contos.
A Assembleia Nacional não discutiu ou rejeitou a maioria destas emendas, tendo apenas aceitado e votado, em contrário da proposta do Governo, a (manutenção de cartórios situados fora das sedes dos concelhos, agravando com essa emenda os encargos da reforma em 740 contos anuais, aproximadamente.
II) O artigo 97.º da Constituição dispõe:
A iniciativa da lei compete indistintamente ao Governo ou a qualquer dos membros da Assembleia Nacional; não poderão, porém, estes apresentar projectos nem fazer propostas de alteração que envolvam aumento de despesas ou diminuição idas receitas do Estado ...
A praxe constitucional seguida pela Assembleia Nacional não revelara quaisquer dúvidas sobre o alcance deste preceito, a não ser quando da discussão do projecto de criação de feriado nacional no dia 28 de Maio, da autoria do Sr. Deputado Paulo Cancela, de Abreu. Ouvida a Câmara Corporativa, foi esta de parecer que o acréscimo de um feriado contendia com o artigo 97.º da Constituição e o projecto foi retirado pelo seu autor. Tratava-se então de interpretar aquela limitação constitucional como abrangendo a diminuição do rendimento nacional, diminuição essa que seria causa da diminuição das receitas do Estado.
Esta interpretação, porventura extensiva, foi apreciada e criticada por alguns oradores na sessão da Assembleia Nacional de 22 de Fevereiro de 1936 e o Sr. Presidente da Assembleia, tendo sido retirado o projecto, não pôs à discussão o problema da inconstitucionalidade, entre outros motivos, por considerar delicado estabelecer uma discussão para fixar doutrina sem a Câmara dispor já de tempo suficiente.
A oportunidade, porém, surgiu com a apresentação pelo Governo da proposta de lei n.º 110, sobre alterações à Constituição e ao Acto Colonial. Aceitando a interpretação do artigo 97.º da Constituição defendida por uma minoria de Deputados na sessão de 22 de Fevereiro de 1936, o Governo sugeriu o acréscimo de um parágrafo àquele artigo, redigido nos seguintes termos:
§ 1.º A disposição da segunda parte deste artigo só se aplica aos projectos e propostas de alteração que, convertidos em lei, importem por si mesmos um aumento de despesa ou uma diminuição de receita cuja cobrança já' tenha sido autorizada pela Assembleia Nacional.
Ao apreciar esta proposta a Câmara Corporativa elucida-nos sobre o seu alcance, negando-lhe a sua concordância. Reza assim o texto do respectivo parecer (Diário das Sessões de 16 de Junho de 1945, suplemento ao n.º 176, pp. 642-(9) e seguinte):
A novidade consiste em esclarecer:
1.º Que os projectos e propostas de alteração, para se dizerem causadores de aumento de despesa ou diminuição de receita, hão-de importá-los por si mesmos;
2.º Que deve tratar-se de receita cuja cobrança já tenha sido autorizada pela Assembleia Nacional. E que sentido atribuir à expressão e que importem por si mesmos um aumento de despesa ou uma diminuição de receita»? Cremos que o seguinte: o aumento de despesa ou a diminuição de receita devem resultar necessária e directamente da execução das disposições legais em que o projecto de lei ou a proposta de alteração venham a converter-se. Pretende-se assim ampliar a iniciativa dos Deputados.
Ora a Câmara Corporativa considera perigosa a alteração na parte relativa ao aumento de despesa. E a razão é simples: o grau e, como consequência, a gravidade do aumento não vivem em absoluto relacionados com o facto de este resultar ou não directamente da execução das respectivas disposições legais, bem podendo suceder que os reflexos de certa medida, aliás tantas vezes previsíveis, acarretem aumentos de despesa Superiores ao provocados directamente por outra. A Câmara Corporativa crê, por isso, que será preferível deixar nesta parte as coisas como estão1.
O mesmo não se dirá da alteração respeitante à diminuição de receita; não porque a reputo em absoluto necessária, mas porque reconhece a conveniência do esclarecimento. E dizemos esclarecimento, visto que numa interpretação razoável do artigo 97.º deve entender-se que a restrição abrange sómente os projectos de lei ou as propostas de alteração que diminuam as receitas legalmente cobráveis, e não as receitas constantes do projecto ou proposta em discussão.
E a Câmara Corporativa acaba por sugerir a rejeição da proposta do Governo, acrescentando-se apenas ao texto do artigo 97.º o esclarecimento de que a diminuição de receitas, vedada à iniciativa da Assembleia, se refere à receita criada por leis anteriores.
Desta sorte, a discussão sobre a alteração do artigo 97.º transformou-se, na verdade, numa votação sobre a interpretação a dar pela Assembleia ao referido artigo. Em presença, apenas duas teses: a da proposta governamental, que esclarecia aquele artigo no sentido de a restrição nele contida não abranger o aumento indirecto de despesas ou a diminuição indirecta de receitas, brilhantemente defendida pelo Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo, e a da Câmara Corporativa, sustentando a interpretação até então adoptada pela própria Assembleia Nacional. Esta última foi defendida, com notável elevação, pelo actual Presidente da Assembleia Nacional nas suas funções, de Deputado. Nesta defesa se mostra, com grande clareza, a orientação da Assembleia Nacional e a sua justificação 2.
A Assembleia Nacional aprovou o texto sugerido pela Câmara Corporativa rejeitando a proposta governamental. Deste voto, e por isso que a discussão nos revela tratar-se.
A interpretação constitucional ato então seguida pela Assembleia Nacional é exposta com inexcedível concisão na sessão da Assembleia Nacional de 6 de Julho do 1945 Diário das Sessões n.º 190, de 7 de Julho de 1945, p. 764) pelo Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo:
Para não cansar VV. Ex.ªs, direi apenas que a interpretação que tem sido dada à Constituição nesta parte é a seguinte: a Assembleia não pode, mesmo a propósito de uma proposta do Governo em discussão, propor qualquer emenda que importe uma diminuição de receitas ou um aumento de despesas relativamente àquela proposta.
Esta tem sido a interpretação adoptada quanto ao aumento de despesas e diminuição de receitas, mas sempre supus que, quanto a esta última, ela era errónea. Isto pelo que respeita a propostas de alteração a propostas ou projectos de lei.
Pelo que respeita à iniciativa de projectos de lei, tem a mesma disposição sido interpretada no sentido de que aquela não existe quando desses projectos resulte directamente, ou possa resultar indirectamente, aumento de despesa ou diminuição de receita. Ora creio também errónea esta interpretação quanto aos projectos de lei de que indirectamente possa resultar aumento de despesa ou diminuição de receita ...
2 Diário das Sessões de 7 de Julho de 1945, pp. 766 e 767.