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714 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151

Assembleia, sobre fiscalização das sociedades por acções. Afirmei então que não falecia ao Estado Português legitimidade e prestígio para, por órgãos adequados, impor às administrações de empresas privadas as normas salutares de administração financeira que ele, graças a Salazar, pôs em execução para si próprio. Aliás, o Estado, que restringe as acumulações nos serviços oficiais, tolera-as afinal nas empresas colectivas privadas em favor de certos indivíduos que nada administram, nada fazem o só recebem chorudos vencimentos em detrimento do accionista - sobretudo do pequeno accionista -, do trabalhador autêntico e do pobre consumidor.
A proposta governamental de que resultou essa lei foi subscrita por alguns dos actuais Ministros, foi relatada na Câmara Corporativa pelo talentoso Prof. Paulo Cunha, hoje Ministro dos Estrangeiros, e foi apoiada nesta Assembleia em calorosos discursos de vários Deputados, entre os quais se contavam então os actuais e ilustres Ministros Srs. Drs. Águedo de Oliveira, Ulisses Cortês e Soares da Fonseca.
Passam agora nove anos sobre a promulgação da lei, passa um ano sobre a minha intervenção parlamentar. Seria possível, Sr. Presidente, obter-se do Governo que esta Câmara e o País fossem esclarecidos sobre os motivos, sem dúvida imperiosos e graves, que não permitiram até agora, a regulamentação e a efectivação de uma lei adoptada num alto propósito de moralidade e justiça?
Regressando desta ligeira divagação à apreciação das finanças públicas, eu não calo, Sr. Presidente, a minha satisfação de português pela clareza, exactidão, boa ordem e prontidão das contas do Estado.
Apresentadas em dia, traduzem na sua própria estrutura normas rígidas, severas, de contabilidade, uma boa organização destas e dos serviços de tesouraria, uma escrupulosa prudência. Para as minúcias, para a legalidade das operações de pormenor, dispõe o Estado de órgãos de execução, fiscalização e julgamento que oferecem ao País as garantias indispensáveis de zelo, proficiência e probidade. Temos um relatório ministerial, o parecer do Tribunal de Contas.
A Assembleia, à parte o que já disse sobre as vantagens da coordenação financeira e económica entre a metrópole e o ultramar e sobre a possível conveniência da ampliação do algumas normas oficiais a organizações para estatais ou mesmo privadas, a Assembleia, repito, não se detém nos pormenores da administração financeira e não pode, a meu ver, hesitar (mesmo apenas perante as verbas globais que lhe são apresentadas e que são, aliás, quantitativas, indicações numéricas, totalmente omitidas sob a forma de previsões, na proposta da Lei de Meios) em proclamar a legalidade das contas e a legitimidade do saldo correspondente, de acordo com as conclusões da sua Comissão de Contas.
O elogio devido à contabilidade o às normas severas que a regem não exclui, porém, ao meu ânimo a convicção de que certos rigores excessivos ou desnecessários poderiam prejudicar a eficiência, a própria vitalidade, do serviços.
Pelo que respeita à? verbas consignadas no orçamento para as rubricas requeridas pelo funcionamento de serviços, associo-me aos receios de que cortes excessivos nalgumas verbas prejudiquem este funcionamento, podendo mesmo chegar a tornar quase nulos os meios de trabalho do pessoal existente no sector respectivo.
Dou um exemplo simples: de que servirá um quadro de fiscalização itinerante se não tiver verba suficiente de deslocamentos?
Um laboratório químico sem aparelhos e sem reagentes não é um laboratório químico, por mais idóneo e zeloso que seja o pessoal técnico que lhe esteja adstrito.
É claro que o lúcido critério dos responsáveis da confecção dos orçamentos procura, sem dúvida, evitar situações tão ilógicas e prejudiciais.
Mas o lápis vermelho dos cortes de despesas faz riscos da cor do sangue.
Pelo que respeita a pessoal, concordo plenamente com a utilidade das modificações de quadros no sentido da sua redução ao estritamente indispensável para a eficiência dos serviços cuja manutenção se considere necessária. Aplaudo o inquérito à eficiência dos serviços ordenado pelo ilustre Ministro das Finanças e no qual serão naturalmente ouvidos os responsáveis especializados desses serviços. Mas considero perniciosa, pela falta de estímulo e de justiça que representa, a suspensão de promoções que aqui votámos, que eu mesmo votei, mas que não tornarei a votar, mesmo com excepções expressas já admitidas para cargos de direcção e para casos reconhecidos como de inconveniente aplicação da regra.
Repito: hoje não votaria assim. E mais uma vez declaro também que tive sempre muita pena dos bons funcionários. São as vítimas da natural confiança dos chefes. Os maus não são escolhidos para as tarefas de maior responsabilidade e ganham o mesmo.
O exame dos quantitativos determinados para as receitas e despesas públicas em 1950 põe-nos perante factos e problemas numerosos, dos quais apenas sublinharei alguns que me parecem suscitar reflexões mais detidas.
Destacarei em primeiro lugar que o ano financeiro decorreu sob duas gerências ministeriais e sob o signo e o regime de restrições que foram reconhecidas indispensáveis para o equilíbrio financeiro e salvaguarda das bases duma posição de tesouraria sem inquietações e alarmes de maior.
Sobre a sequência de dois titulares na pasta das Finanças em 1950, escreveu no sen notável relatório das contas do mesmo ano o Sr. Dr. Águedo de Oliveira:
De 2 de Agosto em diante figuro nestas contas, perante o País, com uma responsabilidade directa, mas tenho muita honra em me solidarizar com o meu ilustre antecessor nas obrigações morais e jurídicas tomadas que constituem a restante gerência e que, como poderá vêr-se, foram cumpridas. Que a Nação veja o que foi feito e o preço por que o pagou!
De facto não se nota qualquer solução de continuidade, qualquer solavanco de maior, na gerência. Isto não significa imutabilidade de vistas quando fundadamente se requeira qualquer transformação, mas permanência de princípios e objectivos gerais essenciais, encadeamento com a acção inicial de Salazar.
Os factos exigirão ajustamentos ir-se-ão fazendo; exigirão algumas iniciativas e ideias novas - elas virão. Mas tudo a seu tempo, com prudência, sem precipitações perigosas, sem esquecimento dos propósitos fundamentais.
O ano anterior, 1949, fora assinalado na sua gestão financeira pelas restrições que nos respectivos meados surgiram através duma circular da Direcção-Geral da Contabilidade Pública.
Não é necessário recordar aqui os factos determinantes dessas providências, que, se causaram algumas apreensões no espirito público, mostraram, em contrapartida, com todos os intrínsecos efeitos tranquilizadores, que as entidades governativas estavam vigilantes e não hesitavam nas decisões mais enérgicas quando necessárias ao bem público.
Se algumas ilusões, que o anterior clima de euforia vinha alimentando, desabavam, uma confiança esclarecida surgia após o alarme e as inquietações da surpresa.